Izaias Almada
Izaías Almada é romancista, dramaturgo e roteirista brasileiro nascido em BH. Em 1963 mudou-se para a cidade de São Paulo, onde trabalhou em teatro, jornalismo, publicidade na TV e roteiro. Entre os anos de 1969 e 1971, foi prisioneiro político do golpe militar no Brasil que ocorreu em 1964.
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As galinhas e os brasileiros, por Izaías Almada

O Brasil se tornou republicano em 1889 e desde então vivemos num entra e sai de governos democráticos e de governos autoritários.

Gisela Boechat Atelie

As galinhas e os brasileiros

(atualizado)

por Izaías Almada

A crônica abaixo foi escrita no início do ano de 2016, quando tomava posse a presidente Dilma Rousseff, reeleita em outubro do ano anterior. Reeleição cujo resultado das urnas foi posto em dúvida pelo seu opositor nas eleições, o hoje sumido deputado Aécio Neves. E daí para cá, as coisas só pioraram. Vamos a ela:

Numa instigante conversa/entrevista publicada no Brasil pela Editora Record (Não Contem com o Fim do Livro), o pensador e escritor italiano Umberto Eco e o pensador e grande roteirista de cinema francês Jean-Claude Carrière discorrem com maestria sobre alguns temas de extrema importância na atualidade, tais como, o saber, a cultura, a memória, o aprendizado e, sobretudo, sobre o significado da internet para o mundo contemporâneo, cujo surgimento interfere em todas as nossas atitudes, comportamentos e reflexões nesse início de século XXI.

Creio que não é exagero dizer que toda novidade excita e atemoriza.

A propósito de nos acostumarmos com uma novidade, qualquer seja ela, e na defesa da tese de que o livro tal como ainda existe, em papel, não sucumbirá diante da impressionante invasão do mundo cibernético nas nossas vidas, o professor Umberto Eco – com inegável bom humor – lembra que as galinhas levaram quase um século para aprenderem a não atravessar a rua.

Olhando para o atual panorama político brasileiro, com novas eleições a se realizarem dentro de três semanas, fica-me cada vez mais a dúvida sobre se um dia aprenderemos a viver em democracia. E de quanto tempo precisaremos para isso…

“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn

Porque a democracia é também um aprendizado, um aprendizado que requer paciência – é claro – desde que seus intervenientes estejam dispostos a conviver com ideias contrárias e/ou divergentes, que não agridam a constituição por qualquer “dá cá aquela palha”, que respeitem os valores da cidadania, que entendam o significado da justiça como elemento de equilíbrio e não como uma forma de envergonhar a política. E que não atirem a primeira pedra, sobretudo, aqueles que têm o telhado de vidro.

Não é por acaso que estamos diante de uma aberração política: um país governado por sicários levados ao poder por um golpe jurídico parlamentar dos mais idiotas, vitaminado por uma operação denominada “Lava Jato”, mas nem por isso menos efetivo.

O Brasil se tornou republicano em 1889 e desde então vivemos num entra e sai de governos democráticos e de governos autoritários.

Como povo e sociedade ainda não conseguimos nos equilibrar, sempre submissos a interesses de classe. Fanatismos ideológicos ou religiosos são invocados sempre que a Casa Grande se sente ameaçada pela senzala. Falta-nos orgulho nacional, sobra-nos o entreguismo, falta-nos a consciência de nossa formação histórica, sobra-nos a subserviência cultural, o desinteresse pela própria política, enfim, somos uma espécie de fundo de quintal dos que querem e sabem o que fazer para nos manter em tal situação.

1889. De lá para cá são 133 anos. Mais de um século, portanto. E ainda não aprendemos a atravessar a rua como as galinhas o fizeram em menos de um século.

Que eu saiba, e até prova em contrário, o cérebro das galinhas é bem menor que o da maioria dos brasileiros. Ou estou enganado?

Izaías Almada é romancista, dramaturgo e roteirista brasileiro. Nascido em BH, em 1963 mudou-se para a cidade de São Paulo, onde trabalhou em teatro, jornalismo, publicidade na TV e roteiro. Entre os anos de 1969 e 1971, foi prisioneiro político do golpe militar no Brasil que ocorreu em 1964.

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Izaías Almada é romancista, dramaturgo e roteirista brasileiro nascido em BH. Em 1963 mudou-se para a cidade de São Paulo, onde trabalhou em teatro, jornalismo, publicidade na TV e roteiro. Entre os anos de 1969 e 1971, foi prisioneiro político do golpe militar no Brasil que ocorreu em 1964.

3 Comentários

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  1. A falta de desvinculação do Estado brasileiro acerca do que é público em relação ao que é privado, talvez seja o maior impecilho do País para viver como um lugar democrático. A apropriação do Estado por essa chamada “Casa Grande”, não permite ao País o progresso nas várias dimensões de uma Nação. As elites do País jamais desejaram oferecer à população o acesso a fazer parte da construção do Brasil. Ao não considerar a educação uma prioridade e necessidade para o desenvolvimento, preferindo o modelo excludente que buscou privilegiar as camadas superiores da sociedade em negação do restante do País, que até hoje não possui educação pública de qualidade. A globalização mostrou o quanto custou ao Brasil esse atraso. O País não pode aproveitar melhor o processo e dar o salto de qualidade que poderia devido a esse déficit que limita o Brasil. O próprio conceito de Federação é permanentemente ferido pela guerra fiscal, ainda não superada. Um Estado pode ser menos potencial em relação a outro, mas produzir um combate entre os Estados em prejuízo do País e de todos Estados e suas populações. Sem construir uma unidade nacional que abrigue e inclua toda a sociedade, não se terá sequer um País e muito menos uma democracia.

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