Izaias Almada
Izaías Almada é romancista, dramaturgo e roteirista brasileiro nascido em BH. Em 1963 mudou-se para a cidade de São Paulo, onde trabalhou em teatro, jornalismo, publicidade na TV e roteiro. Entre os anos de 1969 e 1971, foi prisioneiro político do golpe militar no Brasil que ocorreu em 1964.
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Memória emotiva IV, por Izaías Almada

Filho único de pais protestantes, como já o sabeis, foi assim que cresci: sob o estigma do pecado, com a perspectiva da maldição do fogo eterno, dividido entre o bem e o mal, o vício e a virtude

Memória emotiva IV (*)

por Izaías Almada

         Num daqueles dias, meu pai entrou cheio de pudor no meu quarto. Sem me olhar nos olhos, esquivando-se à sua maneira numa secular e ingênua pudicícia, estendeu-me o livro que tinha nas mãos e disse: “Você deve ler e meditar sobre o que aqui está escrito. São coisas que um rapaz na sua idade precisa saber”. E mais não disse porque também mais não lhe ensinaram.

         Foi esse em verdade, todo o meu aprendizado teórico sobre a vida sexual, enquanto sobre o pecado – subjacente a essa vida, do ponto de vista cristão – doutrinaram-me anos e anos seguidos. Confesso-vos ainda: o que vinha escrito e desenhado no livro não foi capaz de tocar mais a minha imaginação e sensualidade do que os versos bíblicos do Cântico dos Cânticos. Pude pensar, na lógica própria dos meus treze anos, que havia substancial diferença entre as ciências biológicas e a poesia.

         Consola-me, outrossim, ainda vos dizer que desde muito jovem Passei a pertencer àquela categoria de seres humanos que não aceitavam a vida como ela é, sempre procurando entender o que se passava à minha volta, mergulhando no mundo das dúvidas e das indagações. Para o bem e para o ma, podeis acreditar de boa fé, a minha vida tem seguido esse caminho.

         Filho único de pais protestantes, como já o sabeis, foi assim que cresci: sob o estigma do pecado, com a perspectiva da maldição do fogo eterno, dividido entre o bem e o mal, o vício e a virtude, mas sempre a questionar muitas das verdades que me queriam dar por acabadas.

         Poderíeis vós, então, imaginar o quão difícil era naquela idade resistir à tentação de ver uma mulher nua em pelo? Luz Del Fuego, por exemplo, a nudista brasileira, que se vestia com uma cobra jiboia? Ou Brigitte Bardot, Marilyn Monroe e, acima de tudo, a vizinha da casa ao lado quando saía do banho e deixava a janela do quarto aberta em pleno verão?

         É provável que, hoje em dia, nem todos vós que me ledes, de passado religioso ou não, tenhais vivido semelhantes atribulações na vossa adolescência. Ou talvez tenham passado por outras tantas de natureza diversa, não importa. A verdade é que naqueles meus primeiros anos de vida e consoante o peso da carga religiosa até ali sustentada, já eu me punha indeciso entre a possibilidade de avançar sem culpas nos pantanosos terrenos dos prazeres carnais e mundanos, e o medo à punição por conviver com tais horrores pecaminosos. Vivíamos, eu e alguns dos meus melhores amigos, a síndrome de Sodoma e Gomorra.

         Pode um masturbador alcançar o reino dos céus? Hesitávamos entre os apelos de Onan e o medo de irmos todos queimar nas labaredas do inferno. E nessa idade, convenhamos, como em todas as outras talvez, o fogo haverá de ser sempre um atrativo perigoso, tanto o que se vê, mas, sobretudo, aquele que é invisível… E o que não viam todos aqueles senhores sérios, entre eles o meu pai, tão seguros do seu poder e autoridade, da sua fé, é que Deus não abandona assim os pequeninos machos.

         Para esses, existem outros engenhos e atalhos, desconhecidos – até mesmo por pudor e escondidos das primeiras namoradas. E com essa categórica inconfidência, de indissimulado e adolescente machismo, creio que já posso vos contar a minha pequena fábula erótica.

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(*) – Conto do meu livro “Memórias Emotivas” / Ed; Mania de Livro.

                                                         (CONTINUA)

Izaias Almada

Izaías Almada é romancista, dramaturgo e roteirista brasileiro nascido em BH. Em 1963 mudou-se para a cidade de São Paulo, onde trabalhou em teatro, jornalismo, publicidade na TV e roteiro. Entre os anos de 1969 e 1971, foi prisioneiro político do golpe militar no Brasil que ocorreu em 1964.

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