O mercado de trabalho, por Delfim

Do Valor

O mercado de trabalho

Antonio Delfim Netto
18/01/2011 

Nos bons tempos da economia política (desde Adam Smith e Stuart Mill, passando por Marx), ela tratava de problemas que hoje estão completamente fora de seu escopo original. Por exemplo: como devemos nos organizar socialmente, não apenas para aumentar a produtividade, mas também dar felicidade aos cidadãos? O que dá significado às nossas vidas? Como tratar o trabalho, que não é apenas um fator de produção, mas a forma mais explícita da expressão do homem? Era, enfim, um ramo das “ciências” sociais.

Depois que a “inveja da física” se apropriou dos economistas, eles esqueceram tais questões e tentaram construir uma “ciência” do mesmo tipo que ela. Surgiu, assim, a “economia” (da mesma forma que a “física”), uma ciência “dura”, que tiraria sua respeitabilidade do uso da matemática. A tentativa chegou tão longe que mais recentemente pretendeu-se criar uma econofísica, que tentava “explicar” o comportamento do valor dos ativos no mercado financeiro copiando os mais sofisticados modelos estocásticos da física.

DeunDeu no que deu! As autoridades monetárias (os bancos centrais), sem entender as consequências de tais modelos e fiando-se na teologia dos mercados “perfeitos”, permitiram que essa insensatez produzisse a maior crise econômica e social que o mundo viveu depois do fim da Segunda Guerra Mundial. 

Estimativas ainda preliminares (porque o processo não terminou) sugerem que até agora ela já custou mais do que 5% do PIB mundial, aumentou o nível de pobreza e deixou mais de 30 milhões de desempregados. Só foram salvos pelas iluminadas políticas monetárias dos bancos centrais (americano e europeu), os próprios agentes que, sob seus olhos displicentes, produziram a patifaria e continuaram a receber polpudos “bônus” pelo bom trabalho que fizeram!

A regulação aprovada com suor e sangue no Congresso americano (dominado pelo setor financeiro) é tão confusa, tão ampla (mais de 2.300 páginas!) e cria tantos novos órgãos reguladores, que é pouco provável que seja eficaz antes da próxima crise.

A economia americana começa a dar os primeiros sinais de recuperação um pouco mais vigorosa, mas o crescimento do seu nível de emprego (a partir do fim da recessão) mostra-se muito tímido, quando comparado com crises de maior (1929-1931) ou igual (1981-1982) magnitude, como se vê no gráfico abaixo.

Como explicar que 18 meses depois do National Bureau of Economic Research ter marcado o fim da recessão, o desemprego nos EUA encontre-se ainda em 9,4%? Essa é a tarefa dos economistas que têm estudado o problema do desemprego com mais cuidado, desde que se abandonou (no final dos anos 70) a absurda hipótese que o trabalho era uma mercadoria como qualquer outra (um parafuso, por exemplo) e que os salários eram um simples preço de mercado, cuja variação sempre equilibraria a sua procura com a sua oferta. O desemprego era impossível por definição. Aliás, um célebre prêmio Nobel declarou, no passado, que o desemprego era um mecanismo de equilíbrio produzido pelos ataques de vagabundagem que às vezes atacavam o proletariado!

Felizmente, o prêmio Nobel de 2010 foi dado a três economistas (Peter Diamond, do MIT; Dale Mortensen, da Northwestern University e Christopher Pisarides, da LSE), que, ao longo de suas vidas acadêmicas, ajudaram a substituir aquele modelo mecânico e ingênuo por uma compreensão mais profunda da natureza do trabalho.

O portador da força de trabalho não é uma mercadoria. É um ser que pensa, que age e reage, tem vontade e objetivos. Que busca informações e procura usá-las na procura de seu emprego. Mas, acima de tudo, que é ele, nos regimes democráticos, quem acaba determinando, na urna, a organização social e, através dela, controla as instituições que formam o “mercado” de trabalho.

Sobre o professor Diamond, há duas histórias interessantes. Uma curiosa. Outra importante. A curiosa é que há meses ele foi indicado por Obama para compor o “board” do Fed, mas até agora não foi aprovado, porque “alguns senadores republicanos não veem nele competência”! A importante, é que os trabalhos de Diamond mostraram que podem existir muitas taxas de desemprego de equilíbrio. Com isso ficou ainda mais problemática a determinação da taxa “natural” de desemprego buscada por alguns de nossos economistas.

Outro resultado obtido por Diamond é que, ao contrário do que geralmente se supõe, um seguro-desemprego bem construído pode melhorar o funcionamento do mercado de trabalho, porque permite uma seleção melhor do emprego por parte do desempregado. 

Mas por que a economia americana e o seu mercado de trabalho (os mais flexíveis do mundo), são retardatários na recuperação do emprego, ainda ninguém esclareceu. Talvez a explicação esteja fora da economia e do mercado de trabalho. Está na incapacidade de Obama, até agora, de reconquistar a confiança do setor produtivo americano submetido ao jugo do setor financeiro.

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras.

E-mail [email protected] 

Luis Nassif

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