O xadrez do etanol americano

Coluna Econômica – 20/06/2007

Como identificar o “golpe do etanol”? Primeiro, o sujeito monta um fundo e diz que captou US$ 1 bi (atenção: tem alguns que captaram mesmo). Depois, compra uma usina de álcool instalada nos cafundós do Judas. Quando indagado como pretenderá viabilizar economicamente a usina, já que a logística tem um peso considerável, dirá que já possui contratos de venda por vinte anos, e que está planejando um alcoolduto. Não adiantará argumentar que o governo não consegue fazer nem estrada nem ferrovia, quanto mais um alcoolduto.

Essa receita é passada pelo agrônomo André Pessoa, um dos melhores especialistas da área.

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Pelas últimas análises de Pessoa, a safra de milho 2006/2007 nos Estados Unidos fechou com a menor relação estoque/consumo: apenas 10%, contra 22% da safra anterior. A área plantada saltou de 31,7 milhões para 36,6 milhões de hectares, basicamente avançando sobre a soja – cuja área plantada recuou de 30,6 para 27,2 milhões de hectares – e sobre o algodão – redução de 6,2 para 4,9 milhões de ha. Como conseqüência, a produção de milho saltou de 268 milhões para 316 milhões de toneladas – basicamente impulsionado pelo etanol.

Esses dados são importantes para se tentar antecipar a tendência das principais commodities agrícolas nos próximos anos.

Da produção de milho nos EUA, por volta de 147 a 149 milhões de toneladas se destinam a ração; cerca de 50 milhões para exportação; 35 milhões para outros usos. A parcela destinada a etanol saltou de 56 para 82 milhões de toneladas.

Esse salto, na verdade, antecipou a alta do petróleo, que iniciou a escala de alta em janeiro de 2005, com US$ 46,7 o barril, e chegou ao pico em julho de 2006, com US$ 74,4. Justamente naquele momento o milho iniciou sua escalada de alta, passando de US$ 2,44 para US$ 3,69 o bushell.

Acontece que o milho é a matéria prima do etanol. Sobe o milho, cai a margem do produtor de álcool. Justamente em julho de 2007 o preço do petróleo começou a recuar, até bater nos US$ 63,5 o barril em maio agora. Nos últimos meses, o preço do milho se estabilizou na alta. Mas a Agrocult (consultoria de Pessoa) projeta um preço de US$ 4,75 para agosto de 2008.

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Foram desastrosos os efeitos da alta do milho sobre o etanol americano. Em agosto de 2006 a margem bruta do produtor alcançou notáveis 75% (tomando por base as cotações em Chicago). Depois de uma queda livre, em junho estava em 14%, e não dava mostras de redução na queda.

Isso acontece em um momento em que ocorre um boom na construção de novas plantas nos EUA. No ano passado havia 95 plantas, mais 31 em construção/expansão. Este ano são 119 plantas, mais 86 em construção/expansão.

O xadrez americano está assim, portanto: quanto mais sobe o preço do milho, mais usinas ficam fora do jogo. Para aumentar a produção, tem que se avançar sobre as áreas de soja e algodão, provocando um aumento nas cotações desses produtos. Quanto mais aumenta a produção de etanol, mais aumenta o preço do milho, e mais reduz a margem do produtor.

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Do lado brasileiro, a ameaça é o aumento nos preços dos insumos. Nas cotações atuais, Pessoa sustenta que usinas de álcool no entorno do estado de São Paulo manterão a competitividade. As mais afastadas servirão apenas para jogadas especulativas.

Para incluir na lista Coluna Econômica

Luis Nassif

14 Comentários

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  1. Nassif,
    qdo o Bush definiu a
    Nassif,
    qdo o Bush definiu a meta de 20%, criou-se, naquele exato momento, um mercado potencial de 100 bilhões de dólares… o que menos preocupa as pessoas é o fluxo de caixa de curto prazo: a pergunta é, quem vai ficar com isso. Só para por em perspectiva: isso é 2 vezes o faturamento de uma Microsoft, de uma Pfizer, de uma Boeing… se for transposto em nível global, são 400 bilhões: big, big business…

  2. Prezado, Nassif.

    Você
    Prezado, Nassif.

    Você poderia tirar uma dúvida? Se agora a mídia fala do Etanol (e não se chama mais Álcool), isto quer dizer que a região de Ribeirão agora não é mais suco-alcooleira e sim suco-etanoleira? Olha o que faz esta macaquice que sempre tivermos historicamente no Brasil.

  3. Como eu comentei a a algum
    Como eu comentei a a algum tempo atrás… é uma vitória de pirro a do bush bem dizendo o etanol…
    No fim, só o que vai acontecer mesmo é a alta dos produtos agrícolas, o que esvazia o G20… já que, quanto mais altos os preços dos produtos agrícolas, menor é o subsídio necessário no primeiro mundo…
    enquanto isto o terceiro mundo fica assistindo seu arroz com feijão aumentar de preço para ser queimado nas suvs do primeiro mundo.

  4. Pelo que li de tua avaliação,
    Pelo que li de tua avaliação, os EUA não tem muita alternativa para aumentar a produção de etanol (milho). Ou seja nos temos uma carta na manga nesse jogo, pelo menos por enquanto. O problema é devemos por isso na mesa de imediato ou quem sabe esperar até que as apostas cresçam?

  5. O estado de Mato Grosso, e
    O estado de Mato Grosso, e por decorrência o Brasil, poderá se tornar um grande produtor de etanol a partir do milho.

    Mas antes das justificativas do acima referido, vamos a uma pequena análise da economia agropecuária de Mato Grosso. O estado tem liderança nacional na produção de soja e algodão, segundo lugar na produção de arroz e tem o maior rebanho bovino do país.

    O estado de Mato Grosso tem uma área total de 90 milhões de hectares, sendo que atualmente são ocupados 22 milhões de hectares com pastagem para o gado, e 7 milhões de hectares para a agricultura. Estima-se que 30% da área de pastagem possa ser aproveitada para a agricultura, o que são mais 7 milhões de hectares, sem abrir novas áreas. Estima-se uma área total agricultável de 30 milhões de hectares.

    Atualmente estão assim distribuídas as áreas ocupadas:

    Pastagens: 22 milhões de hectares.
    Agriculura: 7,5 milhões de hectares.
    – Soja: 5,2 milhões de hectares.
    – Milho: 1,270 milhão de hectares
    – Primeira Safra: 170 mil hectares
    – Safrinha: 1,1 milhões de hectares
    – Algodão: 549 mil hectares
    – Arroz: 280,3 mil hectares
    – Cana-de-açúcar: 198 mil hectares.

    Produção:

    Agriculura: 22,618 milhões de toneladas
    – Soja: 15,274 milhões de toneladas
    – Milho: 5,4 milhões de toneladas
    – Primeira Safra: 900 mil toneladas
    – Safrinha: 4,5 milhões de toneladas
    – Algodão: 793,3 mil toneladas de pluma.
    – Arroz: 738,8 mil toneladas
    – Cana-de-açúcar: 14 milhões de toneladas de cana-de-açúcar moída, 800 mil metros cúbicos de álcool e 10 milhões de sacas de açúcar.

    Segundo estudos governamentais, o Estado de Mato Grosso deverá atingir 45 milhões de toneladas de grãos e fibras em 2012, contra 22,6 milhões de toneladas na última safra. Número que, se confirmado, vai representar um aumento de mais de 100% em relação à safra deste ano. A área plantada, por sua vez, deverá aumentar dos atuais 7,3 milhões de hectares para 12,5 milhões de hectares. Isso significa que cada vez mais o estado precisará ampliar sua infra-estrutura de transportes que, mesmo com os investimentos feitos recentemente em ferrovias, hidrovias e rodovias, ainda é deficitária.

    O volume da produção local aumentou oito vezes em menos de 20 anos. O setor responde hoje por 70% do PIB do estado, que cresce 8% ao ano. A previsão de aumento da produção pode parecer ambiciosa, mas está longe de ser impossível, quando se observa o crescimento ocorrido no passado recente. Basta verificar que em 1985 foram colhidas 2,6 milhões de toneladas, o que significa que em pouco mais de 20 anos o tamanho da safra aumentou oito vezes.

    A produção de soja tem um grande problema técnico, pois ainda não possui uma cultura sucessora viável. Logo após a colheita da soja é recomendável o plantio de nova cultura, que além dos aspectos econômicos, é muito benéfica, pois propicia a cobertura da terra, impedindo a ação direta do sol ou chuva sobre a mesma. Impacta também na diminuição de plantas invasoras, pragas e doenças. Todos os malefícios da monocultura são esquecidos.

    A cultura mais indicada como sucessora é o milho, para o Estado de Mato Grosso. Mas é inviável seu aumento, pois não se tem mercado regional, e alto custo do frete impede sua exportação para outros estados, principalmente o Nordeste. O milho chega da Argentina ou EUA aos nordestinos mais baratos que do Mato Grosso.

    Presumindo-se a produção futura, em 2012, poderemos ter uma área de 9 milhões de hectares para soja. E num futuro mais distante, podemos ter 20 milhões de hectares com soja, 70% do previsto de 30 milhões de hectares agricultáveis.

    Usando-se metade dessa área para a produção de milho safrinha, poder-se-ia ter uma produção de 60 milhões de toneladas de milho, considerando uma produtividade de 6 toneladas por hectare. Mas pode ser muito mais essa produtividade.

    Com essa quantidade de milho, considerando uma produção de 379 litros de etanol puro por tonelada, teríamos uma produção de 22,74 bilhões de litros. Além disso temos o subproduto DDGS (Distiller´s Dired Grains with Solubles), que é uma fibra protéica. Sua produção é de 0,33 toneladas por tonelada de milho. Teríamos também uma produção de 19,8 milhões de toneladas de DDGS.

    Os EUA têm uma previsão de consumo de 132,5 bilhões de litros de etanol para 2017. Só o nosso milho de safrinha poderia contribuir com quase 20% do mercado previsto. Tem muita gente apostando aqui no Estado de Mato Grosso que o próximo grande ciclo econômico será o etanol. O subproduto do milho terá destinação segura: confinamento de bovinos.

  6. Gostei da análise.
    O grande
    Gostei da análise.
    O grande problema é que a apreciação do cambio não trouxe nenhum ganho p/ o produtor na questão dos insumos.
    Adubo abaixou muito pouco de preço. Defensivo menos ainda.

    E o produtor sempre pagando a conta.

  7. Vi não sei aonde que a
    Vi não sei aonde que a população pobre do México já está sofrendo por causa da falta do milho usado na confecção de tortillas.

    Mas os EUA é um país estranho…
    Há cerca de um ano atrás, houve um choque entre dois trens de carga que se cruzaram, creio que no Oregon. Um levava lixo de Oregon para um aterro sanitário no estado de Washington e o outro leva lixo de Washington para um aterro sanitario no Oregon…

  8. Nassif,relendo os posts dos
    Nassif,relendo os posts dos dias anteriores,”achei”uma pérola dita por você em resposta,a um leitor sobre o que você achava do George Soros.Que durante o simpósio Summit do etanol,percebeu nele uma intuição ávida por bons investimentos,”que atendesse aos seus interesses”Isso meu caro,é a lógica de todo investidor:ter lucros,seja no mercado financeiro(como é o caso deste empresário)seja na aplicação a longo prazo,em negócios que inspirem confiança.Na participação dele no Roda Viva,foi dito por ele,em palavras claras:estou buscando bons negócios,e como acredito no Brasil(contradizendo o que pregara,na véspera da 1º eleição do Pres.LULA)estou procurando parceiros para investir,aquí,ou em qualquer lugar,que prometer cumprir os contratos,e que que tiver possibilidades de retôrno financeiro para os seus clientes,afinal, ele (apesar de biliárdio)representa fundos de investimentos,ávidos por bons negócios,sejam de curto,ou longo prazo.

  9. Nassif,se você tiver tempo,dê
    Nassif,se você tiver tempo,dê uma olhadinha na coluna economica de hoje,da BBC,que (ao contrário da nossa imprensa)divulga uma pesquisa feita pela O.C.D.E,(Orgnnização p/a cooperação e o desenvolvimento economico)que prova que entre 2000 e 2005,o Brasil foi o país,que criou o maior número de empregos formais(média de 2,7 milhões anuais)bem acima dos outros países de primeiro mundo,que são motivos de acompanhamento por parte desta organização.

  10. Quando ocorrer o excesso de
    Quando ocorrer o excesso de oferta de etanol aqui por falta de infra estrutura para exportar e por falta de mercados abertos ao etanol brasileiro no exterior, os golden boys do Leblon que estão montando esses fundos bilionários para surfar na onda vão correr para que a Petrobrás compre todo o excedente, são privatistas até onde intessa, os mesmos fulanos que de campo verde só conhecem o de golfe e agora estão eufóricos com o etanol, uma agradavel surpresa de dinheiro fresco entrando.
    Alguns desses gestores de fundos são comprovadamente ruins em qualquer setor onde incursionaram.
    Certas figuras carimbadas estão aparecendo em capas de revistas como novos reis do etanol.
    Uma coisa é comprar ações na BOVESPA, outra muito diferente é gerir a construção, montagem e partida de um empreendimento nada simples, em lugar distante, com uma complexa logistica e muitos fatores de riscos.
    A atual configuração do setor sucro-alcooleiro do Brasil, com 400 usinas, é constituida por empreendimentos integrados, a esmagadora maioria produz tanto açucar como alcool, tem flexibilidade para moer a cana para as duas finalidades, um jogo que permite ao usineiro uma certa defesa contra o excesso de oferta. As novas plantas são destilarias só para alcooll, um risco muito maior. Os ciclos da cana no Brasil tem oscilações históricas de oferta e demanda há 400 anos, razão pela qual foi criado o IAA nos anos 30, extinto pelo Governo Collor.
    A cana não pode ser estocada, os cronogramas de corte e moagem não tem nenhuma flexibilidade, o alcool tem limitada tancagem nas usinas , o grande colchão contra o excesso de oferta será a Pètrobrás, que substitue o IAA nesse papel.
    Pelo grande volume de matérias na imprensa internacional, como esta semana na Business Week, parece que os estrangeiros estão achando que produzir etanol para exportação é uma coisa simples, que depende só de recursos. Quem é do ramo sabe que não é assim. Mas os gestores de fundos da Rua Dias Ferreira não vão vender dificuldades aos investidores estrangeiros, vão mostrar apenas a beleza do negócio. Se produzir alcool nos grotões não é facil, leva-lo aos portos será uma operação de fôlego, e dos portos aos mercados externos, em uma nova escala, exigirá a montagem de uma longa cadeia de fatores. Tanques nos portos aqui e no desembarque, navios especializados que não podem ser os mesmos de petroleo (a regulação americana exige navios diferentes para alcool e petroleo), é a construção de um novo setor, se é para alcançar a escala que se projeta de 20% de adição na gasolina mundial.
    Podemos nos preparar para grandes emoções nessa nova festa da uva do mercado financeiro.
    Os oportunistas de sempre estão ai para isso, os bois gordos, avestruzes e cavalos árabes de todos os tempos.

  11. Nesse Jogo de Xadrez
    Nesse Jogo de Xadrez americano há um Rei e muitos peões.

    George Soros enxerga longe, você não acha, caro Nassif e caro Raí?

  12. Lembrando que o etanol vai
    Lembrando que o etanol vai fazer morrerem de fome mais pessoas.

    O trigo já está subindo consideravelmente por causa do etanol de milho feito no EUA. E olhe que o dólar está baixo!

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