Os acordos do Cade

Do Valor

Acordos anticartéis com empresas rendem R$ 190 milhões ao Cade 

Juliano Basile, de Brasília
20/07/2010

Em dois anos e meio, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) arrecadou R$ 190 milhões de empresas suspeitas de cartel, sem precisar condená-las. Além disso, R$ 8,3 milhões vieram dos bolsos de executivos e funcionários dessas empresas, em troca da retirada de seus nomes do rol de réus em processos de cartel.

Esse dinheiro foi pago por companhias em comum acordo com o órgão antitruste – uma prática que se tornou constante, desde novembro de 2007, quando foi assinado o primeiro acordo desse tipo. Agora, o Cade está aperfeiçoando os acordos. Foi criado um grupo específico de negociadores, com poderes cada vez mais fortes dentro do órgão antitruste. São eles que iniciam as conversas com as empresas, e não os conselheiros.

Os prazos estão mais rápidos. Os advogados das empresas têm, no máximo, 60 dias, entre a primeira rodada de negociações e a assinatura final com o Cade. Antes não havia prazos e algumas negociações se arrastavam por meses.

EpoE, por fim, os critérios para se assinar um acordo estão cada vez mais objetivos. A empresa que primeiro entregar provas do cartel sai na frente das outras e paga menos. A companhia que procurar o Cade no início das investigações também leva vantagem com relação àquelas que chegam no final. E a empresa que se propor a criar um programa de treinamento interno para evitar cartéis no futuro tem um ponto a mais nas negociações.

Para o conselheiro Fernando Furlan, o decano do Cade, é importante que órgãos públicos admitam a possibilidade de resolver conflitos de maneira negociada. Segundo ele, essa é uma tendência nos órgãos antitruste do mundo inteiro. “Mas não fazemos acordos de qualquer maneira”, advertiu. “Temos sido bastante duros nessas negociações.”

Para o Cade, se o acordo não for assinado, o processo continua e a empresa corre o risco de ser condenada no futuro. Foi o que aconteceu com a ABSA. Há duas semanas, os conselheiros negaram, por unanimidade, a proposta feita pela empresa para encerrar o processo de cartel no setor de cargas aéreas. Um dos motivos foi que a ABSA pediu para ampliar o prazo de negociações para o máximo (60 dias) e, depois, simplesmente parou de entrar em contato com o órgão antitruste. “Houve 34 dias de ausência contínua e a empresa só se pronunciou no findar do processo de negociação”, reclamou o relator do caso, conselheiro Ricardo Ruiz. “A estratégia de negociação não existe para se chegar a acordo em qualquer circunstância”, completou o conselheiro Vinícius Carvalho.

A Ambev também propôs um acordo e ouviu “não” como resposta. A empresa respondia a processo por causa de um programa de fidelização de pontos do varejo. Ela propôs o pagamento de R$ 12 milhões e o treinamento na Europa e nos Estados Unidos de servidores do Cade e das secretarias de Direito e de Acompanhamento Econômico (SDE e Seae) dos ministérios da Justiça e da Fazenda. A companhia já havia auxiliado outros órgãos públicos a se equiparem e, por esse motivo considerou a proposta normal. Mas, no dia seguinte à apresentação, o Cade baixou multa de R$ 352 milhões – a maior já registrada no Brasil. Os conselheiros julgaram a proposta da empresa imoral.

“A nossa melhor alternativa é sempre superior à das empresas. Não entramos na mesa de negociações para assinar um acordo de qualquer jeito, mas também não entramos para não assinar acordo nenhum”, explicou Furlan.

Mais do que obter quantias milionárias de grandes companhias, como a Lafarge (R$ 43 milhões), a JBS Friboi (R$ 13,7 milhões) e a Whirlpool (R$ 100 milhões), a avaliação do órgão antitruste é que os acordos são bons para o mercado, pois encerram cartéis. “O melhor sistema não é só o que pune as empresas, mas o que cria incentivos à abstenção de realizar condutas ilícitas e a compensar a sociedade pelos prejuízos causados”, definiu Furlan. E também são bons para a empresa, que sai da condição de ré num processo de cartel e ainda tem um desconto no valor da multa que teria de pagar, caso levasse o processo até o fim e fosse condenada. A Whirlpool, por exemplo, pagou o equivalente a uma faixa que vai de 20% a 25% de seu faturamento. Se fosse condenada, a empresa, que controla as marcas Consul e Brastemp, poderia arcar com uma multa de 30% do faturamento.

Os R$ 100 milhões pagos pela Whirlpool vão para o orçamento do Fundo de Direitos Difusos (FDD) do Ministério da Justiça que, no ano que vem, deverá aplicá-lo em projetos de defesa da concorrência, do meio ambiente ou do patrimônio público. Nos últimos três anos, o Cade foi responsável por 91% do total arrecadado pelo FDD. Em 2008, dos R$ 72 milhões do fundo, R$ 64 milhões vieram do órgão antitruste. 

Luis Nassif

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