A esquerda e o vingancismo judicial, por Fábio de Oliveira Ribeiro

A esquerda e o vingancismo judicial

por Fábio de Oliveira Ribeiro

O excesso de rigor na aplicação da Lei, sempre foi indesejável. Na Antiguidade, esta questão foi amplamente discutida por romanos, gregos e judeus.

No livro VIII, de Ab Urbe Condita Libri, Tito Lívio narra a execução de Tito Mânlio. Ele foi condenado a morte pelo Consul, que também era seu pai, porque atacou os inimigos fora das fileiras desobedecendo assim uma ordem em sentido contrário.

“Uma vez que tu, Tito Mânlio, sem respeitar o poder consular e a autoridade paterna, combateste o inimigo fora das fileiras, contrariando nossas ordens; uma vez que tomaste a iniciativa de infringir a disciplina militar, graças à qual até hoje subsistiu o Estado romano; uma vez que me forçaste a esquecer ou a república ou a mim mesmo e aos meus, suportemos o castigo de nosso delito, mas não permitamos que o Estado tenha de pagar caro por nossas faltas. O exemplo que vamos dar é muito penoso para nós, mas, no futuro, será muito salutar para a juventude. É verdade que minha natural ternura por meus filhos e este exemplo de teu valor, iludido por uma vã imagem de flória, me falam em teu favor. Mas como tua morte irá sancionar as ordens dos consules, ao passo que a tua impunidade iria ab-rorá-las para sempre, creio que não te recusarás, se tens um pouco de sangue, a restabelecer com teu suplício a disciplina militar, destruída por tua culpa. Vai, lictor, amarra-o ao poste.” (História de Roma, segundo volume, Tito Lĺivio Paumape, São Paulo, 1989, p. 149)

O excesso de rigor é lamentado pelo historiador romano, pois a “… sentença de Mânlio não foi terrível apenas para a sua época, mas constitui uma triste recordação para a posteridade.” (História de Roma, segundo volume, Tito Lĺivio Paumape, São Paulo, 1989, p. 149).

A rigidez de uma condenação que se volta contra aquele que a proferiu também é o tema da peça Antígona, de Sófocles. O rei Creonte decretou que Polinices, irmão de Antígona, deveria ficar insepulto por ter ousado atacar a cidade quando disputava o trono com seu irmão. Antígona desafia a ordem do rei, pois entre os gregos era uma grande desonra não ser enterrado ou deixar um parente insepulto. Em razão disto, Creonte condena Antígona á morte. A sentença é executada, mas o seu peso também acaba recaindo sobre o próprio rei, pois o filho dele, apaixonado por Antígona, comete suicídio.

Entre os judeus, o tema está presente na fábula de Abraão e Isaque. Jeová pede a Abraão que execute seu filho. Mortificado pela ordem divina Abraão não renuncia ao seu deus e se prepara para executar o filho que tanto ama. Mas antes que o comando mortal seja executado, a ordem é suspensa. Jeová teria ficado satisfeito com a demonstração de fé dada pelo pai que estava disposto a renunciar ao filho.

No Brasil, a pena de morte foi abolida por D. Pedro II em 1876. A pena capital é expressamente proibida pela CF/88. Desgraçadamente ela segue sendo extra-oficialmente imposta e executada por policiais militares as ruelas das favelas brasileiras todos os dias. Muitas vezes as vítimas são assassinadas a sangue frio e sem tivessem condições de reagir. Instigada por jornalistas e telejornalistas influentes, a opinião pública geralmente aceita estas execuções. Os casos que resultam em acusação dos policiais envolvidos raramente terminam em condenações.

O clima de vingancismo facilita o trabalho dos Tribunais de Justiça, que garantem a impunidade de policiais assassinos homologando burocraticamente penas de morte que foram impostas extra-oficialmente e sem o devido processo legal. Este clima de vingancismo parece ter influenciado o juiz que mandou prender por estupro o rapaz que ejaculou numa mulher dentro de um ônibus paulista.

A princípio o Judiciário não havia considerado o fato um estupro. A decisão de liberar o criminoso porque ele havia cometido um crime menos grave e não violento poderia ser considerada juridicamente correta https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/vingancismo-judicial-ou-justica-faca-a-sua-escolha-por-fabio-de-oliveira-ribeiro. Em liberdade o rapaz voltou a cometer o mesmo ato e, em razão da intensa pressão das feministas e dos simpatizantes do feminismo, especialmente no Twitter e no Facebook, o Judiciário mandou recolher o ofensor à prisão porque ele teria praticado estupro (muito embora não tenha ocorrido penetração).

A insegurança jurídica criada pelo vingancismo judicial é evidente. Não se sabe mais qual a Lei Penal está em vigor. Se é aquela que o juiz aplicou ao soltar o rapaz ou, pelo contrário, aquela que, sob pressão dos internautas, ele resolveu aplicar quando o réu voltou a cometer o mesmo ato.

Por outro lado, é preocupante ver um juiz ceder à pressão popular. A função do juiz é aplicar e fazer aplicar a Lei com o devido rigor. Ele não devem nem ser exageradamente rigoroso, tampouco deve ser tolerante porque o criminoso nasceu em berço de ouro ou é filho de uma Desembargadora. A própria Lei garante ao juiz independência no exercício de sua função. Ele não tem obrigação de fazer o que a população quer que seja feito.

Como última linha de defesa entre a civilização e barbárie, cabe ao juiz e principalmente a ele resistir ao populismo judicial. Afinal, uma injustiça que foi aceita pela população nunca será juridicamente melhor ou mais válida do que a correta aplicação da Lei Penal ainda que isto desagrade algumas pessoas. De fato, sempre que decide um caso criminal o juiz está fadado a desagradar a vítima e os parentes dela ou o réu e os parentes dele. O respeitável público pode aplaudir ou vaiar, mas deveria deixá-lo fazer o trabalho dele em paz. Caso contrário, voltaremos a acreditar que podemos vingar pessoalmente ou coletivamente as ações que julgamos criminosas (e que às vezes nem mesmo são tipificadas como crime).

A quem aproveita o clima de vingancismo judiciário e a submissão dos juízes ao populismo penal?

A mim parece evidente que ambos fazem parte do programa político da direita brasileira. Os fascistas brasileiros estão acostumados a aplaudir as execuções informais praticadas por policiais nas favelas e a contratar pistoleiros para matar sem terra (não por acaso retratados como criminosos e até terroristas, muito embora a violação da posse seja uma infração ao Código Civil).

Os militantes de esquerda e as feministas (não sei dizer se elas são de direita ou de esquerda e admito que algumas vezes elas colocam um pé em cada barco) deveriam ser deixar de ser infantis. Sempre que os rábulas do Facebook e os justiceiros do Twitter conseguem impor sua pauta supostamente de esquerda a um juiz (como pode ter ocorrido no caso do criminoso que se masturbou nos ônibus) eles estão apenas reforçando os valores sociais nocivos da direita togada, inculta e brutal.

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

7 Comentários

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  1. Porque não internar um doente mental?

    O histórico do acusado, deixa a forte sensação de que se trata de um desequilibrado mental, alguém talvez nem culpado por seus atos. Ainda que os atos em si não tivessem configurado o estupro, certamente a reincidência e o ato em si era algo agressivo, injuriante, indignante, grave. Se não cabia prisão por estupro, porque o juiz não ordenou o recolhimento pra instituição psiquiátrica? Ao menos para que fosse examinado, analisado e laudado. Tão absurdo quanto condenar alguém contra a lei, [e deixar livre uma ameaça séria e incontrolada.

    1. Além de ser caríssima (e

      Além de ser caríssima (e propiciar corrupção) a internação psiquiátrica não resolve o problema. Segundo a moderna psiquiatria os doentes mentais não devem ser retirados da sociedade, nem confinados em depósitos de alienados como ocorria no passado. 

      O problema aqui debatido, entretanto, é outro. A mim parece que a insegurança jurídica é evidente. O judiciário não pode e não deve se submeter aos rábulas de Facebook e pseudojuristas do Twitter.

      A questão levantada pela prisão ou não deste réu deveria orientar um debate mais amplo. Se a Lei Penal é ruim, inadequada ou envelheceu ela precisa ser reformada. Mas uma vez aprovada a Lei Penal deve ser aplicada pelo Judiciário, pois o juiz não deve ter o poder de escolher se vai ou não aplicá-la. Tampouco deve o juiz ter o poder de modificar o conteúdo da Lei Penal para atender às demandas vingancistas da sociedade. 

    1. Eu uso transporte público.

      Eu uso transporte público. Minha mãe também. Se alguém agredi-la ou me agredir vou exigir a aplicação da Lei Penal, nem mais nem menos. Afinal, não sou um idiota vingancista como você. 

  2. por EWELIN MONICA PATURI NAVARRO CANIZARES

    Como Ewelin Canizares não conseguiu postar seu comentário devido aos problemas enfrentados pelo GGN, copio abaixo o que me mandou via e-mail.

    de EWELIN MONICA PATURI NAVARRO CANIZARES

    Há tantos erros nos comentários, e tanta desfaçatez e machismo no texto que meus olhos doem. Se, e eu não li nada a respeito disso, o agressor for DEFICIENTE PSICOSSOCIAL (nomenclatura correta, e não “doente mental), ele deveria apresentar laudo, e estar sob tratamento, e, esse tratamento não deve ser “internação” ou “isolamento” em um “hospício”. Essa é uma solução higienista, é uma medida retrógrada, fascista, e que não dá os resultados esperados e necessários. 

    Quando se fala de influencia da mídia sobre o judiciário, e vice-versa, temos casos de sobra no Brasil, desde um ministro de STF que elaborou uma sentença, que deveria ser um marco no Brasil,  sem base só por estar “famoso”, até um certo juizeco de Curitiba que comete todo o tipo de ilegalidades, injustiças e desmandos, pelo mesmo motivo. Com isso quero dizer que o judiciário brasileiro não segue o código penal há muito tempo. E, facebook não é rede globo, para influenciar suficientemente um representante desse judiciário indecente que temos atualmente no nosso país.

    Quando a violência, seja de que tipo ou nível for, é contra a mulher, a justiça raramente nos defende, afinal, quem somos nós senão meros 52 % da população. Num país onde temos 1 estupro a cada 11 minutos (reportado, a estimativa é que essa cifra é menos de 20 % dos casos reais!), e o número de feminicídios é superior ao da India ou Bangladesh (novamente a estimativa é que esse dado é muito, mas muito inferior à realidade), qualquer agressão a mulher deveria ser punida, mas normalmente não é.  Lembrando que feminicídio, é o assassinato da mulher por ela ser mulher, por pessoa com relação “afetiva” a ela, em geral, companheiros, maridos, etc. 

    E sim, sou feminista, desde meus 14 anos, quando meu pai, um espanhol anarquista me apresentou aos livros de Simone de Beauvoir, e ao contrário do que você insinuou, sou de esquerda sim, e nunca presto serviço à direita. Sou também mulher com deficiência, física no meu caso,e acho que já passou da hora da imprensa aprender como se referir a nós, tanto feministas quanto pessoas com deficiência… Bom deixar claro que feminista não é o oposto de machista, é muuiito mais… estudamos sociologia, inclusive, para entendermos toda forma de opressão, principalmente a da mídia.

    Que uma mulher leva uma ejaculação no rosto, ombro, braço, etc., pode não parecer agressivo para um homem machista que é acostumado a achar que seus líquidos córporeos são sagrados. Mas, com ceteza a percepção da real agressão seria totalmente diferente, se o agressor fizesse isso em um homem, pior ainda sobre um juiz. Com certeza nesse caso, sua sentença seria exemplar, com requintes na condenação, que provavelmente seria uma pérola, como a que o juizeco de Curitiba escreveu contra o presidente Lula.

    Quem sabe um dia, a vida, a dignidade, a humanidade das mulheres possam ser consideradas pelo autor como pelo menos próxima a de um homem, mas provavelmente, eu morrerei antes disso acontecer.

     

    1. Você é feminista e quer que a

      Você é feminista e quer que a Lei seja modificada, respeitada ou prefere que o vingancismo judicial neste caso reforce o vingancismo judicial nos outros casos?

      1. leitura

        Gostaria que o autor aprendesse a ler, para poder ler todo o texto que escrevi antes. Gostaria também que nosso judiciário aprendesse a julgar.

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