A necessidade da internacionalização da pesquisa em Direito, por Oscar Vilhena

Jornal GGN – O mundo globalizado, com interconexões cada vez maiores em diferentes áreas do conhecimento, exigem maior versatilidade por parte de advogados e jusristas. Para articulista, há a necessidade de se mudar o paradigma do direito isolado em si mesmo, seguindo velhos manuais, e se abrir para outras áreas, já que muitas delas convergem para o campo da lei e do direito e, por outro lado, os advogados são forçados a conhecer peculiaridades de outras áreas para poder atuar.

Do operador ao arquiteto jurídico

Por Oscar Vilhena Vieira

O que há de comum na criação de um banco de desenvolvimento pelos BRICS; a construção de imensas usinas hidroelétricas na Turquia ou no Brasil; o fluxo anual de mais de 1,5 trilhões de dólares em investimentos estrangeiros diretos; a trágica derrubada de um avião civil na Ucrânia; o turismo sexual no sudoeste asiático; ou a constante ameaça à privacidade de bilhões de pessoas no mundo?

Para um advogado a resposta é simples. Todos são eventos com uma dimensão jurídica cada vez mais complexa, globalizada e interligada a outras áreas de conhecimento. Para diretores e professores de escolas de direito, reunidos na semana passada em Istambul para o encontro anual da Liga Global de Escolas de Direito, o desafio é como melhor preparar uma nova geração de juristas para um mundo completamente distinto daquele mais paroquial, ordenado e analógico em que foram formados? Partilho com o leitor algumas das ideias que me pareceram mais instigantes desse encontro.

A onipresença do direito nas diversas esferas de nossa vida tem exigido de outros profissionais, como administradores, contadores, economistas e mesmo médicos e cientistas, um conhecimento cada vez mais sólido do direito aplicável às suas esferas de atuação. Por outro lado, para que sejam minimamente capazes de atuar, advogados precisam ampliar seus conhecimentos sobre tecnologia, gestão, economia, etc. Nesse sentido, escolas de direito precisam se abrir para outras disciplinas e, ao mesmo tempo, serem mais ambiciosas para treinar profissionais de outras áreas.

Um segundo ponto refere-se à necessidade de internacionalização do ensino e pesquisa. Muito embora hoje mais de 50% do PIB mundial esteja sendo produzido nos países em desenvolvimento, cerca de 90% do mercado internacional de advocacia é controlado por firmas inglesas e norte americanas. O sucesso anglo-saxão não tem um significado apenas econômico para Wall Street ou a City Londrina, mas também reflete uma desproporcional influência institucional desses dois países na economia internacional. Os países que não contarem com uma inteligência jurídica cosmopolita e instituições sofisticadas se transformarão em meros clientes.

Uma terceira questão é a necessidade de conferir ao aluno o protagonismo do processo de aprendizagem. Dada a velocidade das mudanças, não mais se pode imaginar que um ensino focado na transferência de conhecimento do professor para o aluno seja suficiente. O que devemos promover são habilidades analíticas, criatividade e sólidos conhecimentos sobre os princípios que regem o direito. Mais do que o treinamento de “operadores do direito”, devemos ter a ambição de formar “arquitetos jurídicos”, capazes de forjar inovadoras soluções jurídicas para problemas complexos.

Há, por fim, uma preocupação com o próprio sentido da educação jurídica nos dias de hoje. A promessa de polpudas recompensas financeiras seduz um grande número de jovens não necessariamente vocacionados para a profissão. O risco é que escolas de ponta tornem-se existencial e politicamente estéreis, contribuindo para a formação de advogados céticos e, eventualmente, tristes. A receita parece ser estimular programas como clinicas de interesse público, que favoreçam a cooperação e um maior compromisso com a comunidade e com os valores da justiça.

Redação

4 Comentários

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  1. Concordo. Mas é preciso levar

    Concordo. Mas é preciso levar em conta que fora do universo das federais, de algumas estaduais (UNICAMP, principalmente) e de raríssimas privadas (FGV, PUC etc.), pesquisa em Direito é ficção científica. A grande maioria das universidades privadas sequer tem grade que corresponderia a um “ciclo básico”, onde noções de economia política, filosofia e sociologia seriam desenvolvidas e apreendidas.

    Conheço escolas que possuem grade de direito civil no primeiro período. Por sua vez, tal postura gera nos aluno destas escolas uma aversão ao academicismo. Metodologia científica é tida como bicho de sete cabeças, repassada à guisa de formatar monografias, pelo menos quanto a forma, “decentes”. Pergunte a qualquer aluno destas escolas se sabe quem é Thomas Kuhn ou de sua noção de paradigmas: nenhum saberá responder sobre um tema crucial para qualqer linha de pesquisa séria.

    Portanto, estamos longe de uma pesquisa sedimentada na área deDireito. Formatar um processo que mesclasse a internacionalização seria solucionar apenas a ponta do iceberg, justamente para os alunos que se encontram mais preparados, relegando à estrutura comum do ensino de Direito a mesma dinâmica pragmática e utilitarista em voga. Teríamos mais do mesmo, apenas com mais uma porta aberta para os melhores, sem ganho de escala e sem desenvolvimento de mentalidade neste sentido.

    Porém, se essa internacionalização fosse imposta pelo MEC como critério de chancela, metade dos cursos prefeririram fechar as portas, pois o perfil de alunos deles não vislumbra tal possibilidade. O Direito é visto apenas como instrumento para concursos no INSS, Caixa, BB, TJs locais e pequenos empregos públicos. Não existe aquela ambição, a visão do conteúdo como ciência a ser decifrada. Tércio Sampaio Ferraz não existe fora das capitais e centros de excelência jurídicos. Para quem não é da área, é como se Zico fosse conhecido apenas pela torcida do Flamengo.

    Mesmo as melhores intenções na área são tomadas pelo avesso. bastou a exigência de filosofia e sociologia em provas para magistratura que as faculdades se apressaram em criar tais grades. No entanto, procuram formatar um conteúdo engessado, acrítico, confundindo filosofia com noções de quem foi Platão, Sócrates e Hegel, de forma acrítica e pasteurizada, como se fosse possível abordar a história do pensamento ocidental em fórmulas decoradas de “ser” e “dever ser”. O que era uma janaela para o desenvolvimento do ato de pensar, tornou-se um estudo comparado das Vidas Paralelas, de Plutarco, tendo os filósofos como protagonistas.

    Por fim, a ideia de internacionalizar é louvável, mas antes e conjuntamente, é preciso também desenvolver toda a estrutura do ensino de Direito, pois só assim teremos a formação de interlocutores capazes de decifrar uma aboradagem multifacetária do fenômeno jurídico em suas várias manifestações e interlaces, como defende José Eduardo Faria.

     

     

  2. Lá vem mais do GeVezismo da

    Lá vem mais do GeVezismo da GVlaw. Peguei bronca desses caras quando, para alavancar seu comércio, usaram como estratégia atacar a imagem da universidade pública brasileira, em vez de somar esforços e tentar construir mais uma boa particular em São Paulo, e alavancar o nível acadêmico brasileiro. Torravam a paciência com o papo de que a USP está ultrapassada, mas não abriram mão de pegar seus estagiários na USP para fazer suas apostilas de curso, nem de encher suas salas com doutores formados no Largo, à base de verba pública. Mas “aquilo lá está ultrapassado”.

    Em mais um texto com retórica pura, como saber o que eles querem? Implantar a Escola de Chicago de vez no Brasil, com toda a sua catástrofe neoliberal já demonstrada em um verdadeiro experimento científico na AL?

     

    O Direito brasileiro já está bastante “internacionalizado”. Do ponto de vista das fontes: 

     

    1 – nosso Código de Processo Civil é italiano. O Buzaid, que fez o código, caso a notícia não tenha chegado à GV, é discípulo do Enrico Tulio Liebman, um dos maiores processualistas internacionais do século passado. A internacionalização é tão notória que é citada normalmente na jurisprudência. Apesar de tanta gente lutar para derrubar um código tecnicamente bem fundamentado, por outra aventura qualquer.

    http://trf-4.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1211183/embargos-de-declaracao-em-agravo-de-instrumento-edag-1762

    http://www.abdpc.org.br/abdpc/imortal.asp?id=10

     

    2 – nosso Código do Consumidor é francês, e não só francês. 

    “Assim, a autora Ada Pellegrini, a partir de seus estudos, declara que a inspiração do Código de Defesa do Consumidor viera de modelos legislativos estrangeiros da Itália, Bélgica, Estados Unidos, Espanha, Alemanha e México, tendo sido a principal fonte o Código Francês. Os autores aproveitaram de sua formação internacional do direito, para construir uma lei inovadora que atendesse os interesses da sociedade contemporânea brasileira.”

    http://www.ambito-juridico.com.br/site/?artigo_id=9820&n_link=revista_artigos_leitura

     

    3 – Nossa Consolidação das Leis do Trabalho, dada ao povo pelo tio GV original, é italiana, da Itália fascista, porque melhor que internacionalizar com uma Itália é fazer isso com duas. Essa é uma tese tão consolidada, que vou colocar o link de quem defende o contrário:

    http://www.bancariosrio.org.br/2013/ultimas-noticias/item/22695-pesquisadora-da-unicamp-contesta-tese-de-que-clt-foi-inspirada-em-modelo-fascista

     

    4 – Nosso código penal felizmente não tem sofrido internacionalização em alguns pontos importantes, porque senão já teria caído nossa resistência genuinamente brasileira em tipificar arbitrariedades como o “terrorismo”, que os EUA “moderno” tem feito lobby para encaixar aqui depois do 11/9. Mas se procurar as origens do seus tipos penais, estão em Portugal, nas ordenações manuelinas e afonsinas. A teoria da ação é completamente alemã, talvez com umas pinceladas italianas, apenas transposta para a lei  e a jurisprudência daqui. O garantismo é seguramente italiano, do Beccaria. Mas seu livro é tão internacional que tem versão com comentários do Voltaire. É antigo também.

     

    5 – A Constituição é uma colcha de retalho de internacionalização. Seu tipo é o daquele rei João Sem Terra, lá da Inglaterra de 1500, como carta de limites ao poder “estatal”. As liberdades fundamentais, são da França, da Revolução de 1791, mas não apenas de lá. E também dos EUA clássico, com a sua Constituição de 1776. O desenvolvimento das novas garantias fundamentais, veio pelo Bobbio e a Era dos Direitos, diretamente da Itália. Seu caráter social moderno, para não dizer que tenha origem na Revolução Russa de 1917, é legitimamente de Portugal, com sua constituição social depois da Revolução dos Cravos, que nos influenciou até pelas canções do Chico Buarque de Holanda. E a interpretação das cláusulas é amplamente portuguesa, leia-se: Canotilho e companhia. O controle de constitucionalidade é meio alemão – concentrado; meio americano – difuso.

     

    6 – O direito comercial é internacional por natureza, e dispensa fundamentações. Mas em matéria de obrigações, apostaria que tem DNA italiano.

     

    7 – No Direito Civil foi até bonito, porque quem exportou fomos nós, em vez de “internacionalizar” nossas soluções. Apesar do Reale ter feito um negócio italiano no CC de 2002, e de o CC de 1916, que era melhor, ter sido vigente por um século, fomos nós que inspiramos a América Latina inteira, da Nicarágua à Argentina.

    O baiano Teixeira de Freitas, formado na tradicional Faculdade de Olinda, e tendo estudado na tradicional Escola de São Paulo, recebeu a encomenda de fazer o Código que superaria a legislação portuguesa, a fim de conquistar a independência jurídica do império português. Foi tão bem feito, que acabou demorando demais para aquele momento histórico, ficou extenso demais, elaborado demais, e foi deixado de lado. Foi nossa grande experiência de codificação, que os franceses lançaram à moda um século antes.

    Mas a América Latina inteira pegou a inspiração do trabalho de Teixeira de Freitas para si, e fomos nós que internacionalizamos ou abrasileiramos um pouco o Direito Civil latino-americano. O Vélez Sarsfield, que além de time de futebol é o pai do Código Civil argentino, teve inspiração ampla na obra brasileira internacionalizada.

    Não vou falar do brasileiro Pontes de Miranda, que tem uma pesquisa gigantesca em Direito, recheada de doutrina alemã e italiana, porque seus 50 e tantos tomos de Direito Civil não cabem em um comentário.

    Se o ponto é institucional, a Universidade de São Paulo tem um caminhão de gente indo pesquisar na Alemanha todo ano. Existem bolsas, quem entre lá –  e presta atenção ao redor – vê cartazes pela parede. Qualquer outra universidade pública deve ser parecida.

    Mas se o ponto é querer implantar o método do estudo de caso no ensino jurídico do Brasil, então concordo com o artigo, justamente para contradizê-lo: “cerca de 90% do mercado internacional de advocacia é controlado por firmas inglesas e norte americanas”.

    O controle ideológico é tão extremo, que não precisamos trazer mais uma coisa típicamente americana como o estudo de caso para cá, ou qualquer outra coisa que leve o sobrenome “law”. Exceto a civil law, que já é nossa, desde os tempos da Roma clássica, latina, que os discípulos da gv costumam abominar. Isso quando não querem trazer a commom law, copiando modelos da Suprema Corte americana.

    Essas clínicas sugeridas são muito boas, e não são invenção recente nem da gv. O Departamento Jurídico do XI de Agôsto tem um século, e já incomodou gente grande feito o Maluf, do que a universidade muito se orgulha. E é exatamente uma clínica dessas, tão antiga que ainda tem circunflexo no nome, feito no tempo de Teixeira de Freitas. Não é invenção de agora. Iguais a ela, várias por aí.

    Se a GVlaw está tentando inventar a roda, já tem muita gente por aí produzindo pneu radial e sem câmara. Para saber disso, precisa gostar de uma disciplina que seus discípulos costumam condenar, por suporem ser retrógada: História do Direito.

    A visão paroquial do Direito está superada há uma década ou mais, pela de um italiano, que é lido na graduação, e que já explica as fontes do direito como rede, não como pirâmide. Basta ver na prática, que a Anatel manda mais do que o Congresso no dia a dia de criação de normas sobre sua área de atuação, e ninguém acha estranho.

    Não vejo qualquer relação direta entre a queda do avião, a exploração sexual, e o fluxo internacional de capitais, senão pelo fato de serem fatos jurídicos, alguns serem fenômenos com repercussão econômica e política, tipos de fenômenos que já são estudados sob esse enfoque dentro do Brasil, por pequisadores brasileiros pouco valorizados. Mas estamos sempre preocupados em internacionalizar o que se produz lá fora, inclusive americanizando nosso ensino jurídico.

    A única relação direta é de oposição, porque o BRICS é uma reação contra essa idolatria ao sistema centralizador e hegemônico dos EUA, lastreado no controle que eles exercem sobre o fluxo de capitais, rebaixando o rating de países que derrubam aviões, e que não sejam eles próprios. O controle hegemônico também se faz dinamitando a credibilidade de instituições nacionais, como a universidade pública, dizendo ultrapassado o “sistema de coimbra” de ensino, e supondo ser moderno o estudo de caso, que também não passa de um “paper” velho de um americano; ou replicando modelos institucionais, como a Suprema Corte de lá, para que seus advogados possam atuar “nonstop” e entender o sistema brasileiro sem consultar os brasileiros.

    Em resumo, torço para que os discípulos dessa nova faculdade particular respeitem a construção da universidade pública brasileira, que demorou dois séculos para ser erguida por brasileiros, e que ao vir com novidades, sigam a lição do título daquele idoso artigo jurídico: “No me venga con el codigo de hammurabi”

  3. Correto.

    Essa GV há tempo só tem emprestado seu nome a pesquisas que só veem defeitos no Judiciário, no direito nacional. Esses paulista, tal qual os advogados de lá boquirrotos que de vez em quando aqui aparecem com suas abotuaduras e colarinhos de camisa de cor diferente, pensam que são sumidades quando na verdade não passam de otários pretensiosos.

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