As guerras e os riscos para o futuro da geopolítica e do comércio global de petróleo, por André Leão

O conflito russo-ucraniano completou dois anos no dia 24 de fevereiro, enquanto o do Oriente Médio já dura mais de quatro meses.

As guerras e os riscos para o futuro da geopolítica e do comércio global de petróleo

por André Leão

As guerras entre Ucrânia e Rússia e entre Israel e Gaza têm tido desdobramentos significativos que seguirão assombrando a geopolítica global de petróleo. O conflito russo-ucraniano completou dois anos no dia 24 de fevereiro, enquanto o do Oriente Médio já dura mais de quatro meses. 

Na Rússia, ataques de drones ucranianos na região Sul do país danificaram refinarias locais, afetando a infraestrutura energética, um dos setores mais cruciais da economia russa. Esse evento levou a um aumento das exportações de petróleo cru da Rússia, contrariando os planos acordados pela OPEP+ de promoção de cortes na oferta. A Guerra na Ucrânia segue sem nenhuma perspectiva de cessar-fogo, ainda que o presidente russo, Vladimir Putin, tenha manifestado que estaria disposto a conversar com os Estados Unidos, a Europa e a Ucrânia para abrir negociações visando o fim do conflito. 

No Oriente Médio, o aumento da tensão na guerra ocorre devido à atuação de grupos que se opõem ao massacre em Gaza, como os Houthis, do Iêmen, e o Hezbollah, do Líbano, o que tem provocado o surgimento de conflitos envolvendo potências extrarregionais, principalmente os Estados Unidos, o Reino Unido e a União Europeia (UE). Desde o início do ano, diversos países vêm se posicionando contra a ofensiva de Israel em Gaza e dedicando esforços para que haja uma trégua nas operações militares na região. No entanto, as iniciativas de negociação não têm sido bem-sucedidas e os conflitos estão se intensificando.

O Alto Representante da UE para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Josep Borrell, afirmou que os países do bloco defendem uma pausa humanitária imediata que leve a um cessar-fogo sustentável. A África do Sul, em dezembro de 2023, denunciou Israel na Corte Internacional de Justiça (CIJ) pelas violações ao direito internacional humanitário, acusando o país de genocídio contra o povo palestino. No início de janeiro, o Itamaraty publicou nota à imprensa destacando o apoio do Brasil à iniciativa sul-africana e reiterando a necessidade de um cessar-fogo imediato. Também na CIJ, a China adotou um posicionamento ainda mais duro, afirmando que o povo palestino tem o direito de recorrer à violência para resistir à opressão e alcançar a autodeterminação. 

Recentemente, sob a mediação do Egito, do Qatar e dos Estados Unidos, houve uma tentativa de acordo de cessar-fogo. Embora o grupo palestino tenha reagido positivamente à proposta, o governo israelense rejeitou-a por não ter concordado com as exigências apresentadas pelo Hamas. No âmbito do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), houve um esforço semelhante, já que a Argélia apresentou um projeto de cessar-fogo humanitário imediato. Não obstante ter alcançado 13 votos favoráveis e uma abstenção, o projeto foi vetado pelo governo estadunidense, cuja justificativa foi a de que os termos propostos no projeto argelino atrapalhariam as negociações de paz lideradas por ele próprio, pelos egípcios e pelos cataris.

As incertezas a respeito de um possível fim dos conflitos continuam a gerar instabilidade no mercado global de petróleo. O aparecimento de novos atores, sobretudo os Houthis, impactou diretamente o funcionamento das rotas comerciais. Os combatentes do grupo têm promovido recorrentes ataques armados a navios com bandeiras de potências ocidentais no Mar Vermelho, especificamente, no Estreito de Bab el-Mandeb, localizado no Golfo de Aden, entre o Iêmen e Djibouti. Em resposta, os Estados Unidos e o Reino Unido realizaram ataques visando à proteção da navegação das embarcações. Com o mesmo intuito, a União Europeia lançou uma operação de segurança marítima para assegurar a liberdade de navegação tanto no Estreito de Bab el-Mandeb quanto no Estreito de Ormuz, outro ponto estratégico para o comércio global, localizado na costa do Irã.

A preocupação em garantir a passagem de embarcações nesses estreitos tem relação direta com a manutenção dos fluxos comerciais globais de gás e de petróleo. Segundo dados do Departamento de Energia dos Estados Unidos, apenas no Estreito de Bab el-Mandeb, no primeiro semestre de 2023, transitaram aproximadamente 4,5 milhões de barris de petróleo por dia e em torno de 116 milhões de metros cúbicos de gás natural liquefeito por dia.

Esses números evidenciam a importância desse local para a exportação de petróleo e gás do Golfo Pérsico para a Europa e para os Estados Unidos. Após as sanções europeias em relação ao petróleo russo, a importação do combustível pelo Mar Vermelho tornou-se ainda mais expressiva. Ressalta-se também a demanda da China, grande importador dos países árabes e que depende, portanto, dessas rotas para abastecer seu mercado interno. Ou seja, interferências na logística habitual nessa região tende a criar um quadro instável na geopolítica energética mundial. 

Dentre outros fatores, a rejeição de Israel à proposta de cessar-fogo e os ataques do país à cidade de Rafah, no Sul de Gaza, já provocaram alta de 3% nos preços dos barris de petróleo no início de fevereiro. O recente veto estadunidense à trégua humanitária estende mais os riscos sobre as consequências que ainda terá o conflito em Gaza. Aliado a isso, os ataques da Ucrânia nas instalações russas também ocasionam choques que poderão se aprofundar, o que prejudicaria a relação entre a oferta e a demanda do petróleo e de seus derivados.

Enfim, em meio aos impasses diplomáticos que se apresentam, o espalhamento da guerra no Oriente Médio e a continuidade dos combates entre Rússia e Ucrânia constroem um cenário negativo e incerto sobre o futuro da geopolítica e do comércio global de petróleo. 

André Leão é pesquisador do Ineep (Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) e doutor em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ).

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