Entre desenvolver e matar, o lucro vem primeiro, por Luiz Alberto Melchert

Termo guerra se aplica aos conflitos entre Estados, o que não é o caso, haja vista que a Palestina não é reconhecida como tal.

ONU – Flickr

Entre desenvolver e matar, o lucro vem primeiro

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Geopolítica é um assunto fascinante. É que as coisas não são óbvias e máximas como “onde entra o comércio, sai a bala” tornam-se discutíveis, quando não inverossímeis. Isso fica evidente na repressão que Israel pretende aplicar ao Hamas. Note que o termo usado nesta matéria é repressão, não guerra. Ocorre que, a rigor, guerra se aplica aos conflitos entre Estados, o que não é o caso, haja vista que a Palestina não é reconhecida como tal.

quem diga que um investimento de US$ 50 bilhões na Palestina atrairia capital suficiente para dar prosperidade à região e fazer com que os palestinos aceitassem pacificamente a tutela de Israel. Seria preciso que, antes, o Hamas fosse extinto.

A experiência com o Afeganistão mostra que os americanos nunca entenderam isso com clareza, ou, se entenderam, têm motivos mais importantes para desconsiderar o desenvolvimento como saída para grande parte dos conflitos. Entre os motivos menos expressos, embora dos mais conhecidos é o lucro que as contendas dão. Se dessem prejuízo, ter-se-iam resolvido no nascedouro. Voltemos ao Afeganistão. Se os US$3 trilhões gastos nos vinte anos de dominação tivessem sido empregados para desenvolver o país, tornando-o um dos mais ricos da Ásia Central, é bem provável que o movimento dos talibãs definhasse, extinguindo-se por falta de sentido econômico. Os números não deixam dúvidas. Sendo aproximadamente trinta milhões de habitantes, teríamos US$5.000,00 per capta ao ano. Como o PIB nominal per capta é de aproximadamente US$600,00, ele seria multiplicado por nove, indo para algo como US$5.600,00. Considerando-se ainda que o PIB per capta base PPC é de US$2.200,00, 3,5 vezes maior, poder-se-ia esperar uma renda, base PPC, de US$19.000,00 por afegão, mais ou menos como a renda do Brasil também em PPC.

Claro que esses números são mera conjectura. Não dá para negar, porém, que inversões em obras como a transposição do Rio Kunar, que permitirá irrigar mais de 550 ha mil fazem uma diferença significativa. É que, além de produzir comida para toda a população, a melhoria das condições sociais enseja a troca do cultivo da papoula pela extração do lítio, que é um dos minérios mais abundantes no país, além de alvo de cobiça pelo resto do mundo. Ocorre que, com a China a leste e o Irã a oeste, manter o Afeganistão sob o julgo americano, aliado do Paquistão ao sul, retardou a implantação da Nova Rota da Seda, justificando tamanho gasto. Basta imaginar que, entre helicópteros, aviões, armamento pesado, armas de mão e toda a infraestrutura do Polígono Verde, que era como se chamava a zona de segurança para os americanos que viviam lá, esse dinheiro voltou todo para os Estados Unidos, deixando a população em miséria maior do que antes da ocupação. Ao contrário de extirpar os talibãs da sociedade afegã, os Estados Unidos cimentaram-lhes a posição de salvadores. Não foi à toa que, de uma alegada saída por excesso de custos, a retirada adquiriu uma feição de fuga muito semelhante à do Vietnã. Quem sabe, até pior, tão grande foi a quantidade de equipamento bélico, incluindo os Embraer Super Tucanos, deixados para trás, para fortalecer os talibãs.

Também semelhantemente ao que aconteceu no Vietnã, e os Vietcongues que eram tidos como uma ameaça terrível, símbolo da mais primitiva selvageria? Os talibãs, sob alguns pontos de vista verdadeiros celerados, estão dando demonstrações de que são capazes de organizar o povo na busca do desenvolvimento. A já referida transposição do Kunar tem mobilizado todas as camadas da população, que não se furta a cavar com as próprias mãos.

Os exemplos na Ásia Central e no Extremo Oriente rechaçam a crença de que todos os povos possam ser vendidos e que é somente uma questão de preço. Até hoje, não se comprou um povo. Compram-se os governantes e a elite econômica como se fez na Índia, mas não o povo. Ao mesmo tempo, não há um registro histórico de dominação baseada na promoção do desenvolvimento em que a teoria de coexistência pacífica entre Israelenses e palestinos se possa basear. Além do fornecimento de armas americanas a serem melhoradas por Israel, resta saber se os Estados Unidos estão dispostos a abrir mão do “porta-aviões que não afunda e não põe em risco os soldados nacionais”, como dizia George P. Shultz, secretário de Estado de Ronald Reagan. Sem conflito, não haveria mais a necessidade de manter Israel como uma base militar dos Estados Unidos no Oriente Médio. Isso afasta qualquer possiblidade, seja de americanos, seja de israelenses optarem pela solução baseada no desenvolvimento da Palestina, com ou sem a tutela de Israel.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

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