Delfim: somente a recuperação da indústria poderá retomar crescimento

 
Folha de São Paulo
 
Governo destruiu a indústria e tem que reconstruí-la
 
Para ex-ministro, sem recuperação do setor, o crescimento econômico e a inclusão social estarão ameaçados
 
Por Érica Fraga 
 
O governo precisa reconhecer que destruiu o setor industrial e anunciar um conjunto de medidas coerentes para reconstruí-lo.
 
Essa é a opinião de Antonio Delfim Netto, 86, um dos economistas mais respeitados do país, que foi ministro durante a ditadura militar e interlocutor do governo Lula.
 
Para Delfim, somente a recuperação da indústria poderá levar à retomada do crescimento. Outra medida urgente é arrumar as contas públicas para evitar que o Brasil perca o grau de investimento –espécie de selo de bom pagador–, o que, segundo ele, seria uma tragédia.
 
Folha – Qual é a leitura econômica do resultado da eleição?
 
Delfim Netto – A presidente Dilma recebeu um voto de confiança. O que o Brasil quer está na Constituição de 1988: uma sociedade em que haja plena liberdade de iniciativa e exista uma política consciente de aumento da igualdade de oportunidades.
 
A vida do cidadão tem que ser menos dependente do lugar onde ele nasceu. E o Brasil quer uma sociedade em que aqueles que não tiveram a sorte de ter encontrado seu caminho sejam assistidos e preparados para viver sua vida com dignidade.
 
E os eleitores de Aécio Neves?
 
Na minha opinião, um problema sério prejudicou Aécio. Ele foi apoiado por um grande número de pessoas com preconceito gigantesco. É o sujeito que diz: “Eu me fiz por conta própria, eu trabalhei, eu estudei. Não fui como esses vagabundos”. O que é um equívoco monumental.
 
As pessoas entendem. O sujeito que está hoje recebendo o Bolsa Família ou com o programa Minha Casa Minha Vida ou sendo beneficiado pelo ProUni pensa o seguinte: “Isso é contra mim”.
 
Qual deveria ser a preocupação número 1 da presidente?
 
A preocupação número 1 deve ser o seguinte: por que caiu o crescimento econômico brasileiro? Caiu porque murchou a indústria nacional. Por que murchou a indústria nacional? Porque há 40 anos ninguém olha o setor externo. Se você não expandir a economia, a inclusão social vai morrer, vai estagnar.
 
Você tirou da indústria as condições competitivas. A política cambial foi uma tragédia ao longo desse período.
 
E continua. Neste momento, ela precisa apresentar um programa coerente de como vai restabelecer a competitividade do setor industrial.
 
Como deve ser o programa?
 
Passa por muitas coisas. Primeiro, a compreensão de que política industrial não é cortar importação. Política industrial é formular um programa que reconheça que a importação é um fator de produção tão importante quanto a mão de obra e o capital, que é um fator decisivo para aumentar a produtividade da exportação, e que reconheça que estamos longe das cadeias produtivas por anos de abandono da exportação.
 
Das 500 maiores multinacionais, 400 estão no Brasil. Você precisa de um diálogo é com essa gente. Para saber o seguinte: o que você precisa para voltar a exportar do Brasil? Mas não pode fazer isso reduzindo o lucro delas.
 
O governo tem de tentar respeitar o sistema de preços, que é a melhor forma de alocação dos fatores de produção e do consumo.
 
O atual governo respeitou o sistema de preços?
 
Claramente não. Mesmo porque as ajudas pontuais não estavam ajudando a indústria coisa nenhuma.
 
A indústria estava sendo destruída por uma valorização do câmbio que primeiro roubou sua demanda externa, depois roubou a interna.
 
O que falta então?
 
Tem que reconhecer: eu destruí um setor e vou reconstruí-lo.
 
Ponto final.
 
Na minha opinião, não precisa conversar com ninguém. Tem que apresentar um programa bom e transparente.
 
O senhor falou na necessidade de diálogo com as múltis.
 
Eu não vou me integrar nas cadeias produtivas se eu não convencer as múltis de que eu quero ser parte delas. Mas, quando fizer isso, eu preciso dar garantia para elas de que vou respeitar nossos contratos, que não vou fazer nenhuma política cambial devastadora para combater a inflação e impedir que elas continuem exportando.
 
Não vou exigir delas que tenham um conteúdo nacional muito superior àquele que dê para elas a melhor produtividade.
 
O atual governo cometeu esses erros?
 
Acho que se criou uma distância entre o setor privado produtivo e o governo. No fundo, o setor privado produtivo achava que a Dilma era uma trotskista enrustida e ela achava que se trata de um bando de idiotas. Então, é muito difícil você ter feito um acordo.
 
2015 vai ser um ano difícil?
 
Vamos ter de ajustar. A situação do Brasil é desconfortável, mas não é apocalíptica. Na parte fiscal, inclusive em resposta à recessão que estamos vivendo, você ampliou o deficit nominal. Você praticamente eliminou o superavit primário e está assistindo pela primeira vez a um pequeno aumento da relação entre dívida e PIB [Produto Interno Bruto] bruta.
 
Aqui você tem um problema sério. Você tem de fazer um programa para evitar o pior, que seria o rebaixamento do grau de investimento. Isso aumentaria todos os custos externos. Seria uma tragédia.
 
Qual tem de ser o perfil do próximo ministro da Fazenda?
 
Não é preciso ser nenhum gênio. Tem de ser alguém que conheça o Brasil, que saiba operar e que tenha capacidade de se cercar de algumas pessoas competentes.
 
É uma injustiça pensar que o Guido [Mantega, ministro da Fazenda] é responsável por tudo isso que está aí. O Guido foi um instrumento do partido [PT].
 
A presidente é a ministra da Fazenda e do Planejamento e do Transporte e da Segurança Nacional e de tudo. Ela é absolutamente honesta e extremamente atenta. De forma que, de fato, o Brasil voltou a trabalhar das 7h às 23h. Agora, ela é centralizadora. Houve alguns equívocos. Mas está na mão dela consertar isso.
Redação

28 Comentários

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  1. Qualquer análise sistêmica

    O desmonte da infraestrutura e da indústria se deu no meio do período militar e se manteve nos governos seguintes

    É uma injustiça esses problemas no colo do atual governo, quando há muito tempo não se via melhorias, ao contrário houve um grande desmonte

    Antes diziam que para reindustrializar era preciso melhorar a infraestrutura, veio as inaugurações de  hidrelétricas e outras matrizes, leilões vitoriosos para os portos, aeroportos e estradas, a retomada da ferrovia Norte/sul parada há décadas e a  concepção e inicio das obras da Oeste/Leste

    Apontaram a falta de crédito, e o governo disponibilizou-os

    Pediram cambio flutuante e agora pedem intervenção no câmbio

    Esquecem de dizer que o capital no mundo está na especulação, coisas do rentismo, e pedem alguém do mercado no Ministério da Fazenda

    1. No periodo militar se

      No periodo militar se construiu MAIS INFRAESTRUTURA do que em todos os anos seguintes, até hoje.

      No periodo militar a INDUSTRIA BRASILEIRA cresceu como nunca antes e nunca depois.

      O desmonte da industria brasileira começou no Governo Collor.

      66% da capacidade HIDROELETRICA brasileira se construiu no periodo militar.

      Os sistemas de agua de São Paulo (Cantareira) e Rio idem.

      Sete das 11 refinarias de petroleo.

      O Brasil só tinha um aeroporto internacional antes do Governo militar, o Galeão.

      EMBRAPA, EMBRAER, Pro-Alcool, exploração maritima de petroleo, Metros de São Paulo e Rio, Ponte Rio Niteroi, expansão da siderurgia cuja produção foi multiplicada 8 vezes, os grandes projetos de PETROQUIMICA, CELULOSE, ALUMINIO forma todos iniciativas do Governo Militar.

      E voce tem a cara de pau de dizer que nesse periodo começou o desmonte do que?

      1. AA, você precisa estudar as fases do período militar

        “Delfim repetiu as políticas que tinham dado certo nos anos do milagre, liberando crédito e desvalorizando o câmbio para dar um empurrão nas exportações, mas ele e o novo ministro da Fazenda, Ernane Galvêas, sabiam que era inútil insistir. “Era preciso aceitar uma recessão, porque não havia opção”, diz o economista Carlos Langoni, que assumiu a presidência do Banco Central nessa época.

        Os motivos tornaram-se logo evidentes. Em 1981, os Estados Unidos subiram as taxas de juros do dólar, aumentando drasticamente o custo da dívida externa brasileira. O governo reagiu com uma nova guinada na política econômica, adotando medidas de contenção do crédito, dos gastos públicos e dos reajustes salariais. A inflação continuou subindo, e a economia entrou em recessão, sofrendo uma contração de 4,3% em 1981. No ano seguinte, a oposição venceu as eleições para governador nos principais Estados. Nada mais parecia funcionar, e o governo se viu obrigado a bater às portas do Fundo Monetário Internacional (FMI) em busca de socorro.

        Os militares estavam prestes a deixar o poder, e os desequilíbrios econômicos criados pelos excessos dos anos anteriores pareciam insuperáveis. As contas do governo estavam novamente desarrumadas, e o país suava para renegociar suas dívidas com os credores internacionais. A inflação anual passava de 200%, alimentada por mecanismos que a política econômica só conseguiu domar uma década depois do fim da ditadura.”

        http://arte.folha.uol.com.br/especiais/2014/03/23/o-golpe-e-a-ditadura-militar/a-economia.html

  2. Não acho isso inteiramente certo

    Principalmente atribuir ao Governo a destruição da indústria. Por outro lado, a aposta pelo lado do consumo já deu o que tinha que dar e agora a economia real deve seguir rumos efetivos para o desenvolvimento.

    O setor industrial também paralisou porque quis, principalmente neste último ano (querendo gerar desanimo no eleitor, em favor do Aécio). Ainda, o setor industrial segue uma orientação econômica do Brazil de Miami e não o direcionamento que o Brasil indicou neste governo (Mercosul, BRICS, grandes obras de infraestrutura, consumo de produto nacional, etc.).  Essa turma deverá também fazer a sua parte, sentar e re-discutir a sua participação neste Brasil de todos.

    1. Uma empresa paralisa sua

      Uma empresa paralisa sua expansão para ajudar o Aecio? Seguindo instruções de Miami? Meu caro, isso é não ter a menor noção do que é uma empresa. O unico dos BRIC que tem relação com o Brasil é a China, a causa numero 1 da destruição da industria textil, a primeira do Pais, de confecções, de maquinas operatrizes e de dezenas de outros setores.

      O pais que MAIS IMPORTA PRODUTOS MANUFATURADOS DO BRASIL é os Estados Unidos, só a Caterpillar exporta por ano 600 milhões de dolares produzidos no Brasil.

      A cidade de Americana tinha 600 tecelagens, hoje não tem 30. Mas tem dezenas de grandes importadores de tecidos da China, que dão aos clientes 1 ano de prazo para pagar, o nacional não pode dar mais de 30 ou 45 dias, porisso fecharam.

      Nenhum empresario vai deixar de vender e crescer para ajudar o PSDB isso é DELIRIO., as empresas lutam pela sobrevivencia e se puder expandir nunca vai deixar de fazer aé para não perder espaço para o concorrente.

      Empresas tem dividas, compromissos, folha de pagamento, o empresario jamais deixa de crescer SE PUDER FAZE-LO.

      1. Se informe Motta

        O Presidente da VALE foi quem comentou isso, oficialmente!

        Ainda, eu sou empresário e lido com os meus colegas. Vários contratos, alguns já assinados pela minha empresa, foram adiadoa até concluir as eleições. Pagamentos a terceiros foram adiados unilateralmente. Tudo isso para criar clima de paralisação. 

         

        1. Então me desculpe, mas você

          Então me desculpe, mas você não entendeu nada. A paralização de investimentos é devida á incerteza do rumo que o governo tomaria, o que obviamente dependeria do candidato eleito. Empresas querem vender, e não prejudicar este ou aquele candidato.

          1. Isso eu fiz

            Agora,

            Vai perguntar ao resto, como eu conheço. Lembrando que até a VALE falou isso!

            Não seja ingênuo

    2. Penso que o consumo brasileiro está muito longe do USA e da Euro

      O Consumo no Brasil têm muito chão para andar ainda, basta distribuir mais riqueza e não concentrá-la nas mãos de meia dúzia, que não gasta aqui.

      A torre Eifel em Paris tem mais visitantes internacionais que o Brasil inteiro, dá para crescer absurdamente o turismo internacional, para ficar em um exemplo, que é ótimo multiplicador, pois envolve serviços os mais variados e o consumo de materiais também.

      O Brasil têm muito o que andar ainda para saturar o consumo interno, falta é estruturar as atividades aqui.

      O Governo Federal pode dar o pontapé inicial com uma reforma ministerial que de lógica e unicidade para sua ação se tornar efetiva economica e socialmente equilibrada. Uma reforma ministerial com 14 pastas e 72 secretarias é um ´começo.

  3. Outro título: o governo foi uma porcaria

    Mas se a Dilma mudar, e não fizer todas as besteiras que fez no primeiro mandato, vamos atingir o Nirvana. Realmente estamos muito mal.

     

    PS: DILMA, QUAL É A EQUIPE ECONÔMICA ????

  4. Crescimento

    O Lula passava a impressão de que um ex-metalurgico que assumira o mais alto cargo publico brasileiro entendia de como as coisas se realiza no chão das fabricas e de certa maneira se alinhou as pretensões empresariais.

    A Dila lembra o gerentão que mete o nariz, muita vez interferindo naquilo que não devia.

    O Lula passava a impressão de que mesmo desfavorecido intelectualmrente, entendia de produção e de crescimento, principalmente pela convivencia que tivera com o mundo empresarial.

    Apostou tudo no consumo. Falta a aposta na produção sustentavel e firme.

    1. Cadeias produtivas mundiais

      Depende do congresso, bem orientado pelos ministros do governo, inserir a produção industrial na cadeia mundial.

      Não existe mais produto brasileiro, ou chinês ou americano. existem empresas que fornecem localmente para integradores que entregam o produto final, com uma nacionalidade de materiais e serviços multinacional.

      O nosso congresso ou trabalha ou é fechado e substituido por outro orgão que faça o dever de casa.

      Do jeito que está não dá para continuar.

      Dilma, faz a reforma ministerial com 14 pastas e 72 secretarias, loteia as secretarias com seus orçamentos, mas com a condição de entregarem resultados favoráveis para o povo e a nação, 

      1. Pois é… O negocio agora é

        Pois é… O negocio agora é vender e vender. Que o congresso entenda isto e ajude a Dilma, se é que ela percebeu isto tambem.

  5. Exageros do uso da figura de liguagem

    O que Delfim Netto quis dizer, e que foi destruída a capacidade da indústria em contribuir para o crescimento do PIB no Brasil, e não a indústria em si, que está para todo mundo ver, construindo carros, caminhões, máquinas agrícolas, aviões, barcos, navios plataformas, gasolina, óleo diesel, e uma infinidade de produtos.

    No momento vemos o crescimento dos setores de serviços, agricultura e comércio, e no consumo das famílias e queda na produção industrial, já que uma parte significativa do consumo das famílias está sendo atendida pelas importações e está havendo uma queda na demanda externa dos países desenvolvidos, um duplo golpe para a indústria nacional que precisa ser revertido.

    Em razão da lenta recuperação dos países desenvolvidos, principalmente na zona do euro, não dá para esperar mais o crescimento da demanda externa para acelerar o rimo de crescimento do PIB no Brasil, e precisamos criar condições internas.

    A recuperação da capacidade da indústria em contribuir para o crescimento do PIB passa pela questão cambial, quer para enfrentar as importações, quer para manter o nível das exportações, já que aumentar as exportações é quase impossível diante da lenta recuperação das economias dos países desenvolvidos, principalmente na zona do euro.

     

  6. difícil entender esse pessoal

    difícil entender esse pessoal da indústria.

    na era fhc tudo era estagnado.n

    depois que o consumo virou estratégia de govero e

    as empresasa passaram a vender mais internamente,

    é que a índústria foi destruída?.

    isso é paradoxal.

  7. Penso que indústria com humanos é coisa anacrônica

    Li recentemente que em 2025 90% dos empregados das industrias já terão sido substituidos por robôs.

    O Delfim nesta viajou na maionese.

    1. Tanto valem que os emissores

      Tanto valem que os emissores de bonds, inclusive o Tesouro do Brasil, pagam altos fees para ter o rating das agencias, coisa de 60 a 80 mil dolares ou até bem mais para obter o rating, seja ele qual for.

      Se não valesse nada porque os emissores de bonds procurariam as agencias?

          1. Mentira tem fundo para tudo

            Tem fundo que compra até papel da Argentina.

            Tem que investigar a fundo quem dá dinheiro para estes abutres.

             

          2. Fundo abutre não é um fundo

            Fundo abutre não é um fundo de investimentos que compra papeis de primeira emissão.

            Como diz o nome, é um comprador de carniça, não serve como argumento.

             

  8. O Guido é excelente ministro

    O perfil do próximo ministro tem de ser do mesmo nível que o Guido e com a capacidade dele de falar o que precisa ser dito, quando têm de ser dito.

    Não se enganem nunca, este pessoal que lucra com o Dólar tem poder, muito mais do que a maioria consegue sequer imaginar.

    O Guido é um Áz.

  9. vá entender, czar delfim é taxativo

    vá entender, czar delfim é taxativo ao afirmar que o dinástico partido dos trabalhadores, no longo governo federal, acabou de jogar no mar da china, neste terminal governo dilma, tudo o que ainda restava da indústria brasileira: a água suja junto com o bebê e até a bacia foi-se… ou seja, jogou ao mar da china náufragos sem boia: a burguesia industrial, os postos de trabalho industrial, o chão de fábrica… jogaram ao mar da china o nascedouro abcd do partido PT e a razão fundamental de existência política do lulopetismo – partido do movimento operário, pero si, trabalhador operário sem-indústria nacional não faz sentido algum… ou faz?

    [ se preocuparam tanto mas tanto com a bolsa… e esqueceram do bolso industrial do trabalhador ]

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