Azevêdo diz que é precisar repensar Rodada de Doha

Do O Globo

OMC: Azevêdo comemora sucesso em Bali, mas diz que é preciso repensar Doha
 
Em entrevista exclusiva ao GLOBO, diretor-geral admite que Rodada – próximo grande desafio do brasileiro – se tornou muito ambiciosa
 
Líder da entidade acredita que ‘Brasil saiu tão vencedor quanto a Índia’. País asiático conseguiu impor exigências sobre subsídios para segurança alimentar
 
DEBORAH BERLINCK

GENEBRA – Três meses e meio depois de assumir o comando da Organização Mundial de Comércio (OMC), o brasileiro Roberto Azevêdo conseguiu na madrugada de sábado arrancar dos 159 países-membros da instituição o primeiro acordo em 20 anos para liberalização do comércio mundial.

Em entrevista por telefone ao GLOBO, de Bali, Indonésia, onde foi fechado o acordo, Azevêdo fala de seu próximo passo: destravar a Rodada de Doha, isto é, a grande negociação para abertura do comércio que está paralisada há anos. Para ele, a saída de Doha pode ser esta: reduzir o nível de ambição das negociações.

É um acordo tímido para as ambições da Rodada de Doha, mas é o primeiro acordo em 20 anos. Como o senhor se sente?

Muito contente por ter conseguido contribuir para avançar o sistema multilateral. A paralisia do braço negociador da OMC era muito preocupante. Nós vimos a organização ficando progressivamente desatualizada e até com um pouco de irrelevância nas regras do comércio

A relevância da OMC está garantida com o acordo ou você ainda vê riscos para a organização?

Acho que a organização tem que ser permanentemente atualizada. Como disse na conferência (ministerial de Bali), o pacote de Bali foi o começo, mas temos que continuar atualizando. Nosso próximo passo é tentar retomar a Rodada Doha de alguma forma.

Vai ser possível destravar a Rodada de Doha ou ainda há falta de vontade política?

Agora temos que fazer uma revisão, um balanço dos últimos e entender melhor os sucessos e os fracassos. O que deu certo, deu certo porquê? O que deu errado, deu errado porquê? Qual a melhor maneira de avançar? Que tipo de ambição, de cobertura. Tudo isso tem que ser repensado e tiramos os próximos 12 meses para fazer um exercício conjunto e tentar fazer um mapa para o futuro.

Nessa revisão, o senhor vê algum consenso em torno de algum ponto que precisa ser mudado na OMC?

Tenho ideias minhas, próprias. Por exemplo, um dos motivos que fez com que Bali fosse possível, foi não demandar dos países um esforço impossível. Um dos problemas que tivemos com a Rodada Doha foi de que, em algum momento, e é difícil precisar quando foi este momento, a ambição dos textos negociadores ultrapassava em muito os limites dos países-membros. Esse foi um dos principais problemas que tivemos nas negociações da Rodada.

Isso significa que é preciso esquecer os textos que foram negociadores e acordados na Rodada de Doha e recomeçar de novo?

Não, acho que temos que repensar, recalibrar, para ver se foi um problema de metodologia, de ambição ou circunstância política. Tudo isso tem que ser repensado. É uma reflexão complexa, que precisa ser feita e que não pode estar limitada aos atores centrais. Tem que ser abrangente, tem que ter todos os países fazendo parte desta reflexão.

Em 2005, a OMC decidiu que subsídios às exportações agrícolas seriam eliminados até o final de 2013. Isso não foi cumprido. Foi um erro a ausência deste tema em Bali?

Na verdade, a decisão de Hong Kong (reunião ministerial de Hong Kong, em 2005) é interpretada de maneira diferente pelos países-membros. Uma parte dos membros acha que ela (a decisão de eliminar subsídios às exportações em 2013) é independente, autônoma. Outra parte acha que esta decisão estava vinculada com a Rodada de Doha. Para eles, na medida em que a Rodada de Doha não aconteceu, o compromisso de eliminar os subsídios às exportações agrícolas em 2013 não existe.

Isso significa que a eliminação dos subsídios às exportações agrícolas só vai acontecer quando a Rodada de Doha for fechada?

Segundo a interpretação de alguns países, esse período de 2013 tinha a ver com a implementação da Rodada de Doha.

O senhor concorda com esta interpretação?

O diretor-geral não interpreta nada. São os países-membros que interpretam os compromissos da OMC.

Mas não foi um erro não esclarecer este tema em Bali?

O tema veio a Bali e produziu-se uma declaração sobre isso. A declaração não é legalmente vinculante, mas é uma declaração política forte, que inclusive retoma a discussão deste tema como sendo prioritária no período pós-Bali.

É importante, porque, sem esta declaração, nós continuaríamos sem qualquer tipo de entendimento sobre este assunto.

Mas não tem um prazo…

Não, não tem prazo. Os que não querem colocar prazo argumentam que aquele compromisso (a decisão de 2005 de eliminar subsídios) tinha sido assumido no contexto de uma barganha que incluía compromissos em serviços e em bens industriais. Na medida em que no pacote de Bali não há nenhuma abertura adicional em serviços e bens industriais, essa barganha, para eles, seria desequilibrada.

A Índia bateu duro e conseguiu o que queria. Já o Brasil se adaptou para possibilitar o consenso. A Índia saiu como vencedora? A OMC precisa de mais Índia ou de mais Brasil?

A Índia conseguiu, sim, algumas coisas, mas não conseguiu outras. Ninguém levou tudo o que queria. O Brasil, por sua vez, também conseguiu algumas coisas, como a administração de cotas (tarifárias), a declaração política de Bali sobre subsídios às exportações, bons resultados em facilitação de comércio, porque negociou resultados que se moldavam às possibilidades brasileiras. Acho que, de maneira geral, o Brasil saiu tão vencedor quanto a Índia.

Países estão preferindo buscar abertura de mercado em acordos bilaterais e regionais do que no multilateralismo da OMC. O que mais pode ser feito para reverter isso?

A abertura de mercados é sempre mais rápida e aprofundada nos bilaterais e regionais. Sempre continuará sendo assim. O que OMC tem que fazer é trazer as negociações de volta para OMC, não apenas na área de acesso a mercado, mas também a área de evolução de regras.

O risco das regras serem negociadas fora da OMC (em acordos bilaterais e regionais) é que é mais complicado, porque você poderia estar criando um emaranhado de regras que, depois, poderia ser de difícil uniformização e harmonização. Quando você negocia as regras no multilateral (OMC), as regras são automaticamente harmonizadas porque elas se aplicam a todos os membros.

Então, o que a OMC tem que fazer para continuar sendo relevante na área comercial é continuar se atualizando, adotando regras e disciplinas que sejam compatíveis com os negócios do século 21. O que temos hoje ainda refleta uma forma de conduzir negócio dos anos 80.

Esse vai ser um dos seus próximos desafios?

Esse já foi um desafio em Bali. Uma parte, por exemplo, das regras de facilitação de comércio leva isso em consideração. Por exemplo, colocar informações no site da internet, permitir pagamentos eletrônicos, consultas via digital, tudo isso já demonstra uma atualização das regras da OMC que estavam completamente defasadas.

 

Redação

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