Unione Popolare se apresenta como única alternativa real à direita na Itália, por Arnaldo Cardoso

No próximo 25 de setembro mais uma vez o povo italiano fará sua escolha definindo como suas tradições e instituições deverão ser manejadas

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Por Arnaldo Cardoso*

Com o horizonte político ecoando em diferentes países discursos animados pela polarização – como o encontro de conservadores dias atrás em Dallas, com palavras de ordem do húngaro Viktor Orbán –, mas pintado por mesclas de cores indefinidas que refletem arranjos políticos de pragmática fluidez, na última quinta-feira a cena política na Itália viu irromper um fato novo. Invocando a coerência e compromissos com mudanças necessárias foi lançado o Unione Popolare liderado pelo ex-magistrado e ex-prefeito de Nápoles, Luigi De Magistris, reunindo forças de esquerda como o Potere al Popolo, Rifondazione Comunista, o grupo parlamentar ManifestA e representantes da sociedade civil e intelectuais italianos com um programa político marcado pela defesa do clima, da justiça social, de direitos sociais e civis, de bens coletivos/públicos, do bem-estar não só material das pessoas, da fraternidade e solidariedade entre os povos e de uma Europa das culturas e das diferenças.

Desta vez a crise política italiana foi desencadeada pelo anúncio de renúncia do Primeiro-Ministro Mário Draghi que havia chegado ao poder em fevereiro de 2021 em meio a graves problemas decorrentes da pandemia da Covid-19 e que, desde então, vinha governando o país com um programa liberal – com pitadas de keynesianismo – sustentado por uma coalizão de partidos de centro-esquerda, centro-direita e membros da própria direita ora apoiando ora sabotando projetos do governo.

Com a perda de sustentação política no Parlamento, a renúncia (auto-sabotagem?) de Draghi fez o Presidente da República Sérgio Mattarella convocar eleição para 25 de setembro e, o que se seguiu foi uma sucessão de negociações e arranjos para disputar o poder. O partido neofascista Fratelli d’Italia de Giorgia Meloni articulado com a Lega de Matteo Salvini e o que resta do Forza Itália de Silvio Berlusconi tem figurado na liderança das pesquisas de opinião.

Uma aliança entre o centro e a centro-esquerda apresentada pelos líderes Enrico Letta e Carlo Calenda como “compromisso cívico” reunindo o Partido Democrático, os verdes e o Ação (Azione) visando inibir a vitória da extrema-direita, no último final de semana já desmoronou, revelando sua inconsistência programática e seus caráter oportunístico. Seus críticos a apontam como a mais breve aliança política da história recente da política italiana.

Luigi De Magistris em entrevista publicada dias atrás pela revista italiana Left expôs os motivos para o lançamento do Unione Popolare.

Sobre o acordo Letta-Calenda, De Magistris já avaliava que “estamos testemunhando um quadro tragicômico de acrobatas políticos. Vemos supostos líderes partidários pulando de um lado para o outro não para construir programas no interesse do povo italiano, mas para encontrar os assentos que melhor lhes convier”.

De Magistris rejeitou reconhecer a aliança Letta-Calenda como de esquerda, afirmando tratar-se de um grande centro, contemplando os principais fiadores do governo Draghi.

Invocando sua experiência como prefeito de Nápoles por dois mandatos (2011-2021) diz trazer “a experiência de quem tornou a água um bem público, de quem não privatizou nenhum serviço de importância institucional, de quem implementou políticas de bens comuns, de quem investiu em democracia participativa, de quem jogou a Camorra e políticos corruptos para fora da vida pública”.

Indagado sobre o risco de uma vitória da direita liderada por Giorgia Meloni tornar a Itália similar à Hungria de Orbán, o experiente político italiano diz não acreditar na materialização desse cenário, uma vez que a direita italiana já integra o atual governo Draghi. De Magistris ainda avalia, sem esconder o incômodo, queas piores reformas dos últimos anos foram feitas pela centro-esquerda”.

Apontando prioridades para uma agenda política de um novo governo para a Itália, De Magistris destaca o combate à pobreza, a renda de cidadania, a revisão do valor do salário mínimo, a criação de empregos para os jovens, a transição ecológica e justiça ambiental, desburocratização da administração pública, renovação do funcionalismo e a concepção e implementação de políticas públicas de revalorização do turismo e da cultura.

Por fim, afirmando uma posição pacifista e criticando a condução da política externa italiana na guerra na Ucrânia, defendeu a necessidade de umapolítica externa baseada na fraternidade, na solidariedade entre os povos, como a que já foi experimentada no Ãmbito local, em Nápoles, com os curdos e os palestinos. Ressaltou ainda que esses valores devem também orientar a busca de uma Europa unida na sua diversidade, rejeitando as cortinas de ferro e a lógica da guerra fria.

Para Paolo Vittoria, professor da Università Federico II di Nápoli, editor e jornalista, o lançamento do Unione Popolare se reveste de importância pela necessidade de uma “verdadeira alternativa ao sistema do capital, da economia de guerra, do agronegócio, da corrida armamentista, da intolerância contra os imigrantes” entre outros fatores que tem configurado a realidade italiana e internacional. Vittoria ressalta que “para colocar em prática esta alternativa, não basta trabalhar apenas ao nível local, é preciso mover-se de forma integrada e orgânica junto com os movimentos engajados em diferentes territórios, da Amazônia até um pequeno vilarejo do sul da Itália”.

Ele complementa que a partir dessa perspectiva sistêmica, faz-se imperioso “trabalhar como uma rede internacional que crie espaços de diálogo, reflexão e ação em contraste com a onipresença do capital”. O Unione Popolare vê como estratégico o diálogo com a Union Populaire liderada por Jean-Luc Mélenchon na na França, com o Unidas Podemos na Espanha e os movimentos sociais e políticos em apoio a Lula no Brasil, bem como outros movimentos emergentes da esquerda autônoma, independente e contra-hegemônica como passo decisivo para a construção de projeto político permanente, para pôr em curso as transformações sociais que nosso tempo reclama.

No próximo 25 de setembro mais uma vez o povo italiano fará sua escolha definindo como suas tradições e instituições deverão ser manejadas. Que as propostas voltadas à promoção das melhores virtudes individuais e coletivas possam imperar sobre os vícios que teimam em amesquinhar a vida social e que o futuro possa ser desejado e não temido.

*Arnaldo Cardoso, sociólogo e cientista político formado pela PUC-SP, escritor e professor universitário.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem um ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

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