Justiça abre inquérito para apurar denúncias do ex-delegado

De O Globo.com

Justiça abre inquérito para apurar sumiço de militantes

Motivo são fatos revelados em livro de ex-agente da repressão

SÃO PAULO – Três novos endereços de cemitérios clandestinos revelados no livro de memórias do ex-agente da repressão aos opositores do regime militar, Cláudio Antônio Guerra, já são alvo de investigação da Polícia Federal. A pedido do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, um inquérito foi aberto para apurar as circunstâncias do desaparecimento de militantes de esquerda citados por Guerra na publicação. No último mês o ex-delegado prestou depoimento formal em Vitória (ES) e levou os policias à uma usina de açúcar em Campos (RJ), onde afirma que pelo menos dez corpos teriam sido incinerados.

A PF também acompanhou Guerra em um endereço da estrada de Petrópolis (RJ), onde segundo ele funcionaria uma segunda Casa da Morte, a poucos quilômetros do endereço onde funcionava o já famoso cárcere privado mantido pelo Centro de Informações do Exército (CIE). Foram também a uma mata próxima a Belo Horizonte (MG), onde teria enterrado três militantes, e a um penhasco da Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro, onde diz terem sido jogados corpos.

“Eu estava assumindo uma missão naquela área quando Perdigão me revelou a existência dessa outra casa (…). A Casa da Morte era um aparelho de tortura, enquanto essa outra era o cemitério clandestino”, disse o ex-delegado em depoimento aos jornalistas Rogério Medeiros e Marcelo Netto, em trecho do livro com referência ao coronel da cavalaria do Exército Freddie Perdigão Pereira. Freddie trabalhava para o Serviço Nacional de Informações (SNI), atuava como seu superior hierárquico e morreu em 1996.

Uma mata próxima a Belo Horizonte, na estrada para Itabira (MG), é citada como o local onde Guerra diz ter matado o militante Nestor Veras em abril de 1975, depois dele ser preso na capital mineira. Outras duas pessoas teriam sido enterradas por ele na mesma mata, mas Guerra não sabe dizer quem são elas.

“Ajudei a atirar corpos por um penhasco da Floresta da Tijuca. (…) Ali também era feita a desova de corpos de criminosos comuns, que a Scuderie Le Cocq usava frequentemente”, diz o ex-delegado na publicação.

Ao saber das novas revelações, ex-colegas do linha dura teriam enviado a Guerra ameaça de morte dizendo que ele “já estava fedendo”, o que motivou a PF a oferecer proteção a ele.

Há cerca de três anos, quando ainda estava preso em Vitória, o ex-policial pediu para falar com o então subsecretário Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Perly Cipriano, que o criticava pelo envolvimento com os grupos de extermínio no Espírito Santo.

— Ele havia se tornado evangélico e dizia que confiava em mim, embora sempre estivéssemos em campos diferentes. Ele percebeu que tinha uma contribuição para dar às famílias dos militantes, para a a história do país e para se encontrar consigo mesmo – diz Cipriano, que nas visitas passou a ser acompanhado pelo jornalista Rogério Medeiros, um dos autores do livro.

Ex-ministro de Direitos Humanos no governo Lula, o ex-preso político Paulo Vanucchi considera o livro “um último e quase irrecusável pedido” para que a presidente Dilma Rousseff instaure a Comissão da Verdade. Depois de ler o livro, ele diz ter encontrado tantos pontos pertinentes com a história como informações dissonantes. Entre os pontos coincidentes, estão os relatos sobre as mortes de alguns dirigentes políticos. Por outro lado, Vanucchi estranha trechos que falam sobre atentados em Angola e a conspiração pela morte do delegado Sergio Paranhos Fleury.

— É difícil saber o que é verdade, projeção da memória no tempo e o que é delírio. O livro, em si, é um fato muito importante e bate à porta da presidente Dilma para nomear logo a Comissão da Verdade. Que apareçam 200 livros, quanto mais melhor — diz.

Luis Nassif

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