“Senhores juízes: Nunca Mais!”, por Pablo Parenti

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Do BAE Negócios

“Senhores juízes: Nunca Mais!”

A opinião de Pablo Parenti *

Por estes dias não deixo de pensar que aquela frase que finalizava a alegação do Ministério Público no julgamento histórico das articulações pode ser entendida de forma diferente.

O avanço dos estudos está permitindo documentar plenamente o papel do sistema judiciário no terrorismo de Estado. Não somente se está pondo em cheque a idéia de que o terrorismo de Estado foi apenas o poder militar (idéia que ainda perdura), sendo que começa a derrubar o mito de que o Poder Judiciário era simplesmente impotente frente a esse poder avassalador. Mito que não é somente falso, mas que é perverso pois em ambos subverte os papéis e pretende colocar no lugar das vítimas os funcionários que, de diversos modos, endossaram o terrorismo de Estado.

Se a CONADEP questionou duramente o papel do sistema judicial, agora temos mais evidências sobre as diversas formas de integração do sistema judicial ao terrorismo de Estado em quase todo o país: negações maciças de habeas corpus (mais de 14.000 na Capital e província de Buenos Aires), muitas vezes com custas, sistemática falta de investigação de fatos denunciados ou evidentes (como o número de cadáveres “aparecidos” nas ruas, validação de detenções em condições desumanas e tortura de presos à disposição de juízes, uso judicial de declarações obtidas sob tortura, funcionários judiciais que também participaram em torturas ou visitaram lugares de detenção clandestina; assassinato de presos “legais” em alegadas tentativa de fuga; roubo de filhos de desaparecidos mediante trâmites de adoção manipulados; milhares de detenções por decretos PEN, em que se renunciava ao controle judicial (verdadeiras penas sem julgamento) e muitas outras variações.

Isto não chama a atenção se se presta atenção na história do Poder Judiciário na validação de golpes de Estados, perseguições e massacres (exemplos: acordos de 1930 e 1943; a Corte e o Procurador Soler decidindo a competência militar no massacre de 1956 em José L. Suárez; o “Camarón” formado em 1971; o juiz Quiroga e o Massacre de Trelew, etc), e nos “ajustes” feitos pela ditadura em todo o sistema judicial, especialmente nos tribunais criminais. A ditadura tirou os cargos dos juízes da Corte e dos tribunais superiores, comissionou todos os juízes e decidiu quais seguiriam, quais deixariam seus postos e quais regressariam (muitos se foram em 1973 durante o governo de Cámpora) ou eram chamados para ocupar posições-chave. O Poder Judiciário da ditadura foi um poder reconfigurado para atendê-la. Isto não significa igualar todas as situações, nem impede o reconhecimento de diferenças, muitas vezes importantes (nem todos os juízes atuaram da mesma forma e nem todos estiveram em posições sensíveis) e até encontrar atitudes positivas, como do juiz Pagliere no caso do advogado Carlos Moreno.

Com certeza, tampouco foram iguais as motivações que levaram a tantos funcionários adaptar-se às necessidades do regime: alguns sem dúvida compartilhavam seu ideário, outros preferiram acomodar-se e manter-se em seus postos, em vez de renunciar. Mas além das diferenciações e matizes, não é possível negar hoje que o sistema judicial foi uma das caras do terrorismo de Estado. E isto não é privativo da Argentina. Há poucos dias escutei um promotor brasileiro dizer que o Ministério Público do país teria que pedir perdão às vítimas por ter validado as atrocidades da ditadura.

Por todas essas coisas, não deixo de pensar que aquela frase (“Senhores Juízes: Nunca Mais”) incluída nas alegações finais do julgamento das juntas [militares] e lidas por um promotor – antes promotor federal da ditadura-, retorna como um bumerangue cautelar: “Senhores juízes – e senhores promotores-: Nunca Mais!”.

*Coordenador da Unidade Especializada em casos de roubo de crianças durante o terrorismo de Estado (Procurador Geral da Nação)

Tradução: Jornal GGN

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

3 Comentários

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  1. Fenômeno ainda mais

    Fenômeno ainda mais monstruoso ocorreu no nosso país. Cá o judiciário validou todos os A.I.s proferidos pela ditadura apesar de eles não terem qualquer validade jurídica à luz da CF/46 e da CF promulgada pelos próprios ditadores. Não só isto, os Juízes também se negaram a conceder HCs e fizeram de conta que a tortura não existia. Canalhas de toga, todos eles. 

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