O dia em que recusei um convite da Globo, por Luis Nassif

E foi assim que fui construindo e desconstruindo minha carreira jornalística

Num determinado dia da segunda metade dos anos 80, recebo um telefonema de Pinheirinho, em nome dele e de Woile Guimarães, convidando para um almoço na sede da Globo, no Rio de Janeiro.

A Abril Video havia encerrado o contrato com a TV Gazeta e, com isso, terminava o meu programa Cash, que cobria o mercado financeiro. Montei a pedido de Narciso Kalili, que substituiu Luiz Fernando Mercadante na direção da Abril Vídeo. Convidei, como repórteres, Salete Lemos – com quem trabalhara no Jornal da Tarde – e Mirian Leitão – na época, especializada em cobrir o Itamarati, e que havia sido colega de minha irmã Inês na coluna de Zózimo Barroso do Amaral.

Foi o início dela na Economia, apesar de, até hoje, ela atribuir a Sidnei Basile, diretor da Gazeta Mercantil.

Pinheirinho e Woile eram os responsáveis pela sucursal de São Paulo. O convite partira de Alice Maria e Armando Nogueira, os diretores de jornalismo da rede.

Na época, a coluna Dinheiro Vivo era publicado pela Folha e por mais de duas dezenas de jornais, inclusive o Jornal do Brasil. A proposta era de levá-la para O Globo.

Pouco depois, recebi o telefonema de um ex-colega de Veja, me festejando pelo convite ao almoço. Eu tinha sido foca dele. E ele pedia que não revelasse isso no almoço, para não revelar sua idade. Uma brincadeira, é claro!, mas que, em todo caso, me alertou para a pior parte das redações, o jogo político interno.

Pensei muito no convite. Duas coisas me incomodaram.

A primeira, é que sempre prezei, acima de tudo, meu direito à opinião. E a Globo, na opinião abalizada de Nelson Rodrigues, era a única redação em que o dono, Roberto Marinho, mantinha controle sobre seus jornalistas.

A segunda foi o receio do bom emprego. Aceitar o convite seria abrir caminho para palestras por todo o país, para a fama, a celebridade. E para o acomodamento. E lá na frente, quando não interessasse mais à emissora, qual o significado da queda de um veículo de projeção nacional.

Pensando nisso, desisti. Não fui ao almoço. Assistindo, agora, ao enorme passaralho da Globo, esses episódios me voltam à memória

Dias depois, recebi um telefonema de Gilberto Dupas, então presidente da Caixa Econômica Estadual, perguntando o que pretendia fazer com o programa. Fosse qual fosse o projeto, poderia contar com uma cota de patrocínio da Caixa.

Acabei montando o DInheiro Vivo, produção independente, contando com os parcos recursos da TV Gazeta. O programa durou até o governo Collor, quando foi tirado do ar por uma manobra dele com a Globo. Incomodado com as críticas que lhe fazia, combinou com a Globo ceder a à Gazeta seus blockbusters (filmes de grande audiência) com a condição de que tirasse meu programa do ar.

Pouco antes, fui demitido da Folha, por conta de um acordo do então Ministro da Justiça Saulo Ramos com Otávio Frias de Oliveira. Ao mesmo tempo, minha coluna no JB acabou, depois de uma matéria que enviei criticando Ronald Levinsohn, personagem de escândalos graúdos da época. A matéria foi editada pelo editor de Economia William Waack, que não sabia dos interesses dos Nascimento Brito com Levinsohn.

Na saída da Folha, fui procurado por Fernando Vieira de Mello, diretor de jornalismo da Jovem Pan. Acertamos começar no Jornal da Manhã, na época o de maior audiência da rádio.

Pouco antes de assinar o contrato, Fernando marca uma reunião onde, constrangido, informou que Antonio Carlos Magalhães, Ministro das Comunicações de Sarney, havia oferecido um canal a cabo para a Jovem Pan e Di Gênio, o dono do Objetivo. Por esse motivo, não daria para me contratar.

Acabei indo para a rádio Bandeirantes e para a TV. Alguns anos depois, João Saad, o dono do grupo, me convidou para ancorar o jornal das 20 horas. Recusei mais uma vez e, em meu lugar, foi convidado Paulo Henrique Amorim.

E foi assim que fui construindo e desconstruindo minha carreira jornalística, sem a comodidade da retaguarda de uma grande empresa mas, também, com o alívio por ter mantido meu direito à opinião.

Luis Nassif

21 Comentários

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  1. Propostas de pauta: escrever sobre Paulo Henrique Amorim, que, ao que parece, você encontrou em diversas esquinas de sua vida; e, não é possível fugir, escrever sobre a decisão do Grupo Globo de cortar/alterar seu perfil no jornalismo cotidiano. Talvez fazendo um análise com Rodrigo Vianna e Luiz Carlos Azenha.

  2. O canto da sereia…segunda metade dos anos 80. Nada de internet, redes sociais, plataformas, nada. Somente as grandes redes de comunicação. O suprassumo, o créme de la créme, a cereja do bolo. E o Nassif não quis nem saber de se mandar amarrar ao mastro, como Ulisses. Parabéns. Admirável, sob todos os aspectos.

  3. Maravilha ler seu depoimento. Eu era office boy e estudante de Matemática, lá pelo início dos anos 1980 (acho que foi em 1981) quando um depoimento meu foi publicado na FSP numa reportagem da jornalista Irede Cardoso, pupila do Perseu. Devido a isso tive minha primeira presença frente às câmeras e você estava lá, num teatro da TV Cultura que ficava na Av. Tiradentes (ao lado da Pinacoteca), dali em diante fui fazer jornalismo e acompanho sua carreira maravilhosa. Para mim você é da laia – no bom sentido, é claro – de Cláudio Abramo, Alberto Dines, Jânio de Freitas, Clóvis Rossi, Caco Barcelos, Juca Kfoury e a jovem guarda representada pela Cristina Serra, entre outros/as grandes jornalistas que consegui acompanhar.

  4. Esses mineiros duros de dobrar. Fico feliz por você por não ter vendido sua opinião, vendido apenas o espaço publicitário. Aliás, um bordão de uma rádio também mineira…

    Nós dos trás dos montes temos orgulho dessa energia, que muitos temos como força de caráter.

    Parabéns vencedor.

  5. Em breve, se o Lula 3 não for estúpido (e ninguém acha que é), Nassif vai enfim comandar com seus camaradas brancaleones, uma rede de comunicação pública e estatal como as européias e asiáticas. E não estarão sobre os ombros de anões marinhos, mas de gigantes nacionais

  6. Nassif é um exemplo de jornalista com ideais, moral, competente e motivado para informar intelligentemente e aumentar o grau de conhecimento dos leitores, para uma sociedade melhor e melhores escolhas políticas.
    No entanto, esse ideal e prática estão indo contra a tendência dominante. As principais agências de notícias, Globo e outras, foram reduzidas em propagandismo e fake news.
    O conceito de notícias falsas foi distorcido pelos órgãos oficiais de fake news, que tendo perdido com a Internet, o monopólio da desinformação, tentam barrar narrativas alternativas.
    O jornalista Matt Taibbi nos EUA está descobrindo a mesma tendência.
    O problema para um jornalismo honesto é obter dinheiro suficiente para sobreviver, enquanto as a
    oligarquias dominantes derramam as fake news com milhões.
    É o mesmo modelo da djvulgacao economica, as fake news neoclássicas são o propangadismo dominante.

  7. O duro do Brasil é isso. Tem um aí que te compara, elogiosamente, com a rádio Itatiaia! Creioemdeuspadre! Um dos veículos mais sujos, tóxicos e vendidos da história desse país. Como disse Adoniran: “paciência, Iracema, paciência. “

  8. Requer coragem manter o direito á opinião á custa de ótimos salários e maior estabilidade. Vc, Nassif, tem sido uma inspiração para mim pela capacidade crítica, profundo conhecimento político/econômico e clareza. Parabéns! Pouquíssimos tomariam as decisões que vc tomou…

  9. N’As 5 Dificuldades para se escrever a Verdade, o Bertolt Brecht disse:
    “A Coragem de Escrever a Verdade.
    Entende-se que o escritor deva escrever a verdade no sentido de que não deve suprimi-la ou silenciá-la, nem escrever inverdades, nem curvar-se perante os detentores do poder, muito menos enganar os fracos. Naturalmente, é muito difícil não se curvar diante dos poderosos e é muito vantajoso enganar os fracos.

    Desagradar o proprietários quer dizer, renunciar à posse de bens. Renunciar ao pagamento de determinado trabalho significa em certas circunstâncias renunciar ao trabalho. Recusar a glória dos potentados quer dizer renunciar de vez a glória. Isto requer coragem.

    Os tempos de máxima opressão são aqueles em que quase sempre se fala de causas grandiosas. Em tais épocas, é necessário ter coragem para falar de coisas pequenas e mesquinhas como a comida e a moradia dos que trabalham, no meio do palavreado homérico em que o espírito de sacrifício é agitado como estandarte glorioso.

    Quando se derramam homenagens sobre os camponeses, é corajoso falar em máquinas agrícolas e forragem barata, que tornarão mais fácil o seu tão louvado trabalho. Se todas as emissoras berram que o homem sem cultura e sem instrução tem mais valor que o instruído, então é corajoso perguntar: tem valor para quem ?

    Se falam de raças inferiores e superiores, então é corajoso perguntar se não é a fome, a ignorância e a guerra que provocam deformações graves.

    Também é preciso ter coragem para falar a verdade sobre nós mesmos, sobre os vencidos. Muitos dos que estão sendo perseguidos perdem a capacidade de reconhecer seus erros. A perseguição parece-lhes a maior injustiça. Os perseguidores, porque perseguem, são os maus, e os perseguidos terminam caçados por causa de sua bondade. Mas essa bondade foi derrotada, impedida, vencida. Então era uma bondade fraca, uma bondade ruim, insustentável, desmerecedora de confiança. Porque não é admissível aceitar a fraqueza como parte intrínseca da bondade, assim como se constata a umidade na chuva. Dizer que os bons são vencidos, não porque sejam bons, mas porque são fracos, isto requer coragem. Naturalmente, a verdade deve ser dita na luta contra a mentira e não cabe disfarçá-la em algo generalizado, sublime, sujeito a múltiplas interpretações. A inverdade é feita precisamente desse caráter genérico, sublime e ambíguo.

    Se de alguém se diz que falou a verdade, é porque, antes, alguns ou muitos, ou um só, falaram algo diferente, uma mentira ou qualquer generalidade. Ele, porém, falou a verdade: algo prático, efetivo, inegável, aquilo de que se tratava. Não é preciso grande coragem para queixar-se da maldade do mundo, do triunfo da crueldade em geral, e de acenar com O triunfo do espírito e uma parte do mundo onde isto ainda é permitido. Aí muitos se comportam como se fossem alvo para canhões. Na realidade, estão servindo apenas como alvo de binóculos de teatro. Proclamam suas exigências vagas perante uma platéia ingênua. Exigem uma justiça em geral pela qual jamais fizeram qualquer coisa; uma liberdade genérica, para obter uma parte do que já há muito tempo foi partilhado com eles. Acham que verdade é o que soa bem. Se a verdade vem expressa em cifras, como algo árido e consiste em dos, então essa verdade não lhes serve, não consegue entusiasmá-los. Têm apenas o comportamento exterior dos que dizem a verdade. Sua desgraça é ignorar a verdade.

  10. Que bela trajetória Nassif. As escolhas revelam o grande caráter que você tem. Agradecemos pelo trabalho feito pela verdade e pelo Brasil!

  11. Não existem jornalismos, não existem jornalismo a, b ou c, só existe uma tipo de jornalismo: aquele comprometido com a verdade dos fatos, que é, no caso, o que faz o nassif desde sempre
    Seguir ordem de patrão nunca foi, não é e jamais será jornalismo

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