O projeto político do Estadão

O Projeto Político Do Jornal O Estado De São Paulo

O Estado de S. Paulo é o mais antigo dos jornais da cidade de São Paulo ainda em circulação. Em 4 de janeiro de 1875, ainda durante o Império, circulava pela primeira vez “A Província de S. Paulo” – seu nome original. Somente em janeiro de 1890, após o estabelecimento de uma nova nomenclatura para as unidades da federação pela República, receberia sua atual designação.

O jornal foi fundado por 16 pessoas reunidas por Manoel Ferraz de Campos Salles e Américo Brasiliense de Almeida Melo, concretizando uma proposta de criação de um diário republicano surgida durante a realização da Convenção Republicana de Itu, com o propósito de combater a monarquia e a escravidão.

A cidade de São Paulo desta época já se encontrava em franco desenvolvimento. A partir de 1865, quando a cidade contava com cerca de 25 mil habitantes, a ferrovia passou a influenciar decisivamente na aceleração da urbanização. Em 1875 existiam mais dois jornais diários de algum porte : o Correio Paulistano, fundado em 1854; e o Diário de São Paulo, de 1865 – ambos extintos.

A importância da fundação de A Província deve-se ao fato de ser o primeiro grande jornal engajado no ideário republicano e abolicionista, por meio dos textos contundentes de Francisco Rangel Pestana e Américo de Campos, seus primeiros redatores.

Em 1902, Júlio Mesquita, redator desde 1885 e genro de José Alves de Cerqueira César, um dos 16 fundadores, torna-se o único proprietário. Nesta época a cidade atingia a marca de 250 mil habitantes, metade dos quais italianos. Dois anos antes havia circulado o primeiro bonde elétrico e em 1901 inaugurada a primeira usina hidrelétrica para fornecimento regular de luz e força para a cidade. A modernização do jornal acompanhava o espantoso crescimento da cidade que havia decuplicado sua população nos 35 anos posteriores à chegada da ferrovia. Neste mesmo ano Júlio Mesquita e Cerqueira César lideram a 1ª dissidência republicana, iniciando a partir de então uma linha de oposição sistemática aos governos estadual e federal.

Durante todo o transcorrer posterior da chamada República Velha (até 1930) o jornal se colocou ao lado dos contestadores do viciado sistema eleitoral conhecido pejorativamente como “bico-de-pena”, caracterizado pelo voto em aberto e manipulação fraudulenta. Em 1909 apoia a candidatura de Ruy Barbosa à presidência da República, a chamada Campanha Civilista, em oposição ao candidato oficial, o Marechal Hermes, um militar. Em 1924, logo após a Revolução que ocupou a cidade de São Paulo por 23 dias, Júlio Mesquita foi preso a mando do governo federal apenas por ter dialogado com os revolucionários. Apesar da neutralidade de “O Estado”, concordante com as críticas dos revolucionários ao governo federal, mas discordante da sublevação militar como meio de contestação.

Em 1926 “O Estado” apoiou a fundação em São Paulo do Partido Democrático, de oposição ao PRP, então detentor do governo estadual e federal.

Em 1930 o jornal apoiou a Aliança Liberal e a candidatura de Getúlio Vargas à presidência, em oposição a Júlio Prestes, o candidato oficial do PRP. Neste mesmo ano atinge a tiragem de 100 mil exemplares e lança aos domingos um Suplemento em Rotogravura, com grande destaque às ilustrações fotográficas. Enquanto isto a população da cidade alcança a marca de 887.810 mil habitantes. Em 1932, “O Estado” e o Partido Democrático, inconformados com o autoritarismo de Getúlio Vargas e com o tratamento hostil reservado a São Paulo pelos “tenentes”, formam uma aliança com alguns setores do PRP e articulam a Revolução Constitucionalista de 32, a qual eclode em 9 de julho. A posição do jornal, da cidade e do estado de São Paulo é uma só : reivindicação de eleições livres e de uma Constituição. Em outubro, com a derrota dos revolucionários, Júlio de Mesquita Filho e Francisco Mesquita foram presos pela ditadura e expatriados para Portugal.

No ano seguinte, no mês de agosto, Getúlio Vargas convida Armando de Salles Oliveira para ser o interventor federal em São Paulo. Armando Salles, que era genro de Júlio Mesquita(já falecido então) impõe como condição para aceitar o posto a anistia aos revoltosos de 32 e a convocação de uma assembléia constituinte. Vargas concorda e Júlio de Mesquita FilhoFrancisco Mesquita, assim como dezenas de outros expatriados retornam ao país. Mesmo derrotados militarmente os constitucionalistas alcançaram seus objetivos políticos. Fonte Wikipédia

Nos bastidores de 32*

Gabriel Passetti
[email protected]

Quarto Ano – História/USP 

Durante as últimas décadas do Império e o início da República, havia duas principais linhas que se opunham à criação de Universidades. Os positivistas eram contrários devido aos seus princípios filosóficos, afirmando que o Ensino Superior deveria manter-se fundamentalmente técnico e profissionalizante, sem a “perda de tempo das aulas de filosofia metafísica”. Por outro lado, inúmeros parlamentares afirmavam que o Brasil deveria investir primeiro no Ensino Básico para depois pensar no Superior. Claramente ambas as linhas defendiam projetos políticos dentro dos quais as Universidades não entravam.

Os liberais, por outro lado, lutavam pela criação de Universidades, saindo inclusive do modelo profissionalizante personificado pelas Faculdades de Medicina, Direito e Engenharia. Defendiam uma Universidade com um núcleo de Filosofia para mudar o Brasil, tirando aquela parte da elite que chamava de oligarquia do poder e colocando em seu lugar uma elite intelectual na qual eles estavam incluídos. O projeto liberal-democrático pressupunha a Educação Superior para a formação destas elites, sendo que elas não seriam necessariamente as elites financeiras, mas sim aqueles considerados “os mais aptos”. 

No Estado de São Paulo havia um forte núcleo liberal encabeçado pelo grupo reunido em torno da família Mesquita e do jornal O Estado de São Paulo. Para tais pessoas, a aplicação do modelo liberal exposto no parágrafo acima ainda colocava o próprio Estado de São Paulo em destaque, “o jornal pode ser visto como tendo um ‘projeto’ para o Brasil, numa visão evolucionista da sociedade”[1] e “uma vez no poder, estabeleceriam no Brasil uma república liberal, para a qual tinham planos nos mais diferentes níveis. É um projeto no qual a hegemonia da nação está reservada a São Paulo” [2].

Este “Projeto” tinha um caráter evolucionista para a política, com ampla autonomia dos Estados, o que permitiria que cada um ao seu tempo alcançasse os níveis mais altos. Para eles, estava claro que naquele momento era São Paulo o topo da pirâmide da evolução brasileira, seguido por Minas Gerais e Rio Grande do Sul. 

Apesar da retórica liberal de livre-comércio, pouca intervenção estatal na economia e autonomia dentro da federação, “verifica-se que esses defensores do liberalismo procuravam adaptar a teoria à necessidade dos interesses que defendiam, integrando-se bastante livre-comércio e intervencionismo na ideologia de ‘OESP’ ” [3]. Ou seja, “na verdade, o conservadorismo, o elitismo e a postura de classe dominante são a tônica das propostas do jornal” [4].

A bibliografia que aborda o período que vai da década de 20 à de 30 do Século XX, ou seja, aquele no qual a oligarquia paulista racha em dois partidos (PD e PRP) é unânime em afirmar que a luta enquadrava-se somente no campo político, de qual grupo chegaria e se manteria no poder, conseguindo com isto as vantagens econômicas por isto proporcionadas. A disputa no campo ideológico não existia, sendo uma unanimidade o elitismo, o conservadorismo e a defesa dos interesses econômicos comuns, por vezes vestidos com alguns aspectos do liberalismo.

Segundo Vavy Pacheco Borges, no “(…) início de 32, ocasião da formação da Frente Única Paulista entre o PD e o PRP, que pode ser tomada como a prova histórica, a evidenciação concreta da unicidade da oligarquia paulista” [5]. Quando ambos os lados da elite paulista perderam o poder político, ou seja, mudanças nas estruturas gerada há décadas para o país, e consequentemente passaram a perder força econômica, juntaram-se em uma frente única para lutar contra o mal comum, para depois resolverem suas disputas internas pelo poder: “O ‘sentimento regionalista’ e o receio de mudanças nas estruturas de país, fizeram com que os liberais de ‘OESP’ atuassem como um dos principais articuladores do movimento de 1932” [6].

O racha oligárquico havia ocorrido quatro anos antes da Revolução de Getúlio Vargas, e a fundação do Partido Democrático era nada mais do que um racha dentro do Partido Republicano Paulista, no poder e controlador da máquina estatal e eleitoral. Júlio de Mesquita, proprietário de O Estado de S. Paulo procura não criar vínculos diretos com o Partido que havia colaborado na fundação e que continha inúmeras pessoas próximas, inclusive parentes, em seus quadros.

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“Eu era espião; era espião da vida no meio da morte. A guerra era demasiado estúpida para não me fazer sorrir, eu não reconhecia aliados nem inimigos; apenas via homens pobres se matando para bem dos homens ricos; apenas via o Brasil se matando com armas estrangeiras”. Ruben Braga, correspondente de guerra na revolução de 1932.

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Em 1964, “O Estado” junto com a ‘Folha de São Paulo’ apoiaram o movimento militar que depôs o presidente João Goulart *.

 

Luiz Antonio Dias – Doutor em História Social  (UNESP)

IV Congresso Latino Americano de Opinião Pública da WAPOR – World Association for Public Opinion Research.

 

O golpe de 1964. A trama*

Matérias, como as duas apresentadas abaixo (uma da Folha e outra do OESP), sobre a “Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade” não podem ser consideradas neutras ou meramente “informativas”.

“Poucas vezes ter-se-á visto no Brasil tão grande multidão na rua, para exprimir em ordem um ponto de vista comum, um sentimento que é de todos, como o que ontem encheu o centro da cidade de São Paulo (…). Ali estava o povo mesmo, o povo povo, constituído pela reunião de todos os grupos que trabalham pela grandeza da pátria (…)” (FSP, 20/03/1964).

“Meio milhão de paulistanos e paulistas, manifestaram ontem em São Paulo, no nome de Deus e em prol da liberdade, seu repúdio ao comunismo e a ditadura e seu apego a lei e a democracia”. (OESP, 20/03/64).

 

Além dos jornais, analisamos, ainda que forma superficial, as pesquisas realizadas  pelo IBOPE em março de 1964 – que só foram divulgadas em 2004 – que mostravam um grande apoio popular às Reformas de Base, por exemplo.

As pesquisas de opinião feitas no período, pelo IBOPE, que não foram divulgadas no período de sua execução, mostraram-se extremamente  importantes para esse debate. Essas pesquisas, inéditas, que estão sendo catalogadas pelo Arquivo Edgard Leuenroth (UNICAMP), mostravam que o apoio popular a Goulart era muito maior do que aquele divulgado pela mídia.

Foi interessante comparar as matérias sobre o suposto “repúdio popular” às reformas de Goulart com os dados colhidos pela pesquisa, que apontavam um apoio de quase 60% dos indivíduos pesquisados a essas mesmas reformas.

A Chamada para a golpe*.

Nas páginas desse matutino (OESP), nacionalismo, populismo e comunismo tornaram-se sinônimos. Figuras como Vargas e, posteriormente, João Goulart foram responsabilizados pela propagação dessas idéias. Qualquer proposta de reforma social ou mobilização dos movimentos sociais continuou a ser vista como obra dos comunistas”, só que dessa vez infiltrados no próprio governo.

Em editorial, de 08/02/1964, intitulado “E as Forças Armadas em tudo isso”, o jornal apresenta uma situação de caos social e preparação de um levante popular no campo. No dia seguinte o jornal continua denunciando o início do levante camponês; “(…) vamos hoje prosseguir na descrição e análise do movimento subversivo que já se acha em execução em três pontos de Goiás. Não evidentemente, porque tenhamos alguma esperança de sacudir o marasmo em que se encontram as autoridades do País diante do perigo que nos cerca por todos os lados. A bem dizer, essas autoridades têm perfeito conhecimento de todos os fatos que vimos relatando, e só não interferem no sentido de pôr côbro à  criminosa tentativa comunista de afogar a Nação num mar de sangue, porque elas próprias são cúmplices e coniventes nas manobras”

Tal como esses dois editoriais, outros no decorrer do governo Goulart acusaram-no de envolvimento com os comunistas e de estar preparando um golpe para manter-se no poder após o fim de seu mandato. Como em 1935 – quando apoiou a  implantação da LSN e pavimentou o caminho para o fechamento de 1937 – O Estado de S. Paulo com seu discurso alarmista também preparou, desde 1961, o terreno para um golpe militar.

O apoio ao golpe militar de 1964 rendeu um grande crescimento econômico à Folha no período pós-golpe. Recompensa oferecida pelos segmentos reacionários da sociedade.

Ao Estadão coube pensar um novo projeto para o país através da intervenção das Forças Armadas e posteriormente da eleição de Lacerda – projeto equivocado, pois os militares acabariam ficando no poder por mais tempo do que o previsto, inviabilizando a eleição (dada como certa pelo jornal) em 1965 de Carlos Lacerda. A despeito disso, o jornal participou diretamente na elaboração da nova ordem. Segundo Gaspari (Cf. 2002, 122) veio do jornalista Júlio de Mesquita Filho a proposta de reforma, que se tornou o primeiro Ato Institucional, sugerindo, dentre outras medidas, a dissolução do Senado e da Câmara e anulação de mandatos de governadores e prefeitos.

Nessa proposta fica clara a intenção do jornal em iniciar uma nova fase política, sem os “vícios” produzidos pela anterior. Os expurgos seriam fundamentais para “limpar o terreno” onde seria construída uma nova ordem.

“Em suma, os representantes do OESP viam na ‘Revolução de 1964’ a possibilidade de efetivação do seu projeto político-econômico. Perseguido e adiado havia décadas – pelo menos desde o final dos anos vinte – no início da década de sessenta o OESP vislumbrou a possibilidade, já muito acalentada, de levar à presidência um candidato cujo perfil tivesse sido delineado nas redações do ‘Bravo Matutino’” (FIGUEIREDO, 2001, 1810).

De fato, é evidente que o jornal vislumbrou nesse momento a possibilidade de finalmente implantar seu projeto – comum a um grupo significativo da sociedade brasileira – no entanto, mais uma vez foi frustrado. Quando o jornal percebeu que seu projeto seria, novamente, adiado passou a fazer oposição ao governo militar.

(*) obs do comentarista.

Luis Nassif

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