Tragédias e racionalizações, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Listo abaixo algumas tragédias bem conhecidas que renderam Ibope (e lucro) para as empresas de comunicação:

03/07/1998 – militares norte-americanos abatem um Airbus A300 de passageiros do Irã

11/09/2001 – dois Boeings de passageiros são utilizados como bombas voadoras nos EUA

29/09/2006 – Legacy pilotado por norte-americano colide com um Boing da Gol fazendo-o se espatifar na selva amazônica.

17/07/2007 – Airbus da TAM passa pela pista de Congonhas e se espatifa num depósito da empresa

25/03/2015 – piloto alemão suicida mata todos num Airbus na França

Toda aterrissagem é uma queda controlada. O controle (do piloto ou dos equipamentos) define onde, quando e como o avião vai cair num local apropriado e tocar o solo com o trem de pouso rodando na pista até parar para que os passageiros cheguem ao seu destino.  Os cinco acidentes aéreos acima exemplificam cinco formas diferentes de um avião de passageiros  cair de maneira inapropriada: perversidade militar, terrorismo, erro humano, falha técnica e suicídio do piloto.

As estatísticas comprovam que os acidentes de carro matam mais gente do que acidentes de avião. Num avião, entretanto, morrem centenas de pessoas de uma única vez. Vem daí o interesse jornalístico para estes eventos e a comoção pública que eles produzem.

Acidentes são eventos indesejados e, no entanto, previsíveis. Quando inventou o barco o homem inventou também o naufrágio. Nenhum marinheiro quer naufragar, mas na Igreja de Nossa Senhora dos Navegantes não há ex-votos deixados pelos que pereceram no mar. Todos os passageiros das companhias aéreas gostariam de chegar ao se destino.

O destino de alguns usuários de transporte aéreo, porém, é chegar rapidamente ao cemitério num caixão lacrado (muitas vezes vazio). Não é esta a finalidade da construção, manutenção e utilização de aviões de passageiros. Quedas descontroladas, entretanto, fazem parte do risco da atividade. Aviões modernos caem assim como o Costa Concórdia, um barco moderníssimo, afundou matando 32 pessoas.

As companhias aéreas e os operadores de embarcações de cruzeiro fazem intensa propaganda de sua atividade. Aqueles que vendem sonhos geralmente escondem os riscos e os pesadelos que podem ocorrer. Quem entra num avião ou num barco quer se sentir seguro e isto é “fabricado” pela propaganda. Não conheço ninguém que tenha sido salvo de um acidente aéreo em razão da propaganda ou da sensação de segurança que tinha quando entrou no avião. As empresas, contudo, temem a verdade e deliberadamente a escondem do “respeitável público”.

No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor obriga o fornecedor do serviço potencialmente nocivo ou perigoso à saúde ou segurança do consumidor a “…informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto. (art. 9º, CDC). Raramente vemos este dispositivo ser respeitado nas propagandas das companhias aéreas. É por isto que defendo a tese de que as companhias aéreas são sempre responsáveis e que o dever delas de indenizar os passageiros nunca pode ser afastado.

Quais são as lições da tragédia na França: a mais evidente é que o risco está presente em tudo que fazemos e que até mesmo um europeu pode agir como um terrorista. Aqueles que esquecem os riscos das viagens aéreas provavelmente ficarão mais chocados quando algo lhes acontecer. Os que lucram escondendo estes riscos (publicitários, CEOs de empresas de aviação, etc…) deveriam sentir um pouco de vergonha e começar a pensar uma outra maneira de se relacionar com os consumidores. 

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

12 Comentários

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  1. Os quatro acidentes aéreos

    Os quatro acidentes aéreos acima exemplificam quatro formas diferentes de um avião de passageiros  cair de maneira inapropriada: perversidade militar, terrorismo, erro humano, falha técnica e suicídio do piloto.

    Eu contei cinco…

    1. Verdade. Acidentes textuais
      Verdade. Acidentes textuais também ocorrem. Felizmente eles não matam ninguém. Apenas arranham a credibilidade do autor e afiam a inteligência do leitor. Farei a correção, obrigado.

    2. Perversidade militar e

      Perversidade militar e terrorismo podem ser consideradas como equivalentes. Vide alguns outros episódios emblemáticos: Agente laranja no Vietnan, bombas com uranio empbrecido no Iraque, bombas incendiárias em Tóquio e Dresden, bombardeio indiscriminado em Gaza, e por ai vai…. Todos são verdadeiros atos terroristas devido à perversidade militar. 

      1. “Perversidade militar e

        “Perversidade militar e terrorismo podem ser consideradas como equivalentes.” Verdade. Fiz a distinção porque a mesma é feita pelos “militares perversos”. 

  2. Salvem o Consórcio…

    De repente vem a informação de que o culpado não é o mordomo, mas o co-piloto. Mais um acidente de largas proporções que atinge o Consórcio europeu Airbus e que, tudo indica, não será ainda desta vez que a luz amarela piscará de forma intermitente sinalizando que algo muito estranho pode estar acontecendo com os produtos deste Consórcio. Parece-me (repito, parece-me…) que todos os investigadores deste acidente, inclusive a grande Imprensa européia, tem algum interesse em que o Consórcio saia ileso em relação à credibilidade de seus produtos. Claro que não se pode descartar um ato insano do co-piloto; os alemães quando cismam de ser doidos, são os doidos mais eficientes e competentes do mundo. Mas conhecendo a mídia como conhecemos, e os investigadores também conhecem, acho muito cedo para conclusões definitivas…

    1. Duvido muito que este

      Duvido muito que este acidente gere mais que algumas indenizações para as famílias dos mortos. Talvez algumas revisões técnicas sejam feitas; novas normas regulando a seleção e o trabalho de pilotos provavelmente serão aprovadas. As pessoas continuarão viajando de avião e outros acidentes ocorrerão. O risco da atividade nunca vai deixar de existir. 

      O que é mais surpreendente nesta história é o cinismo da imprensa européia. Quando um avião caiu na Ucrania a imprensa imediatamente culpou a artilharia de Putin. Ninguém sequer sonha em culpar a artilharia de François Holland. Um ou outro talvez até aponte novamente para o Putin, assim como na imprensa brasileira todos apontam para Dilma (muito embora FHC tenha assinado o Decreto que liberou a corrupção na Petrobrás).

  3. um bom post de inteligente

    um bom post de inteligente argumentação…

    lembraria somente de duas considerações pertinentes que me acometem neste momento da leitura:

    1. desastres aéreos (e outros) e cataclismas naturais nunca ocorrem de um fator único isolado, mas sim, de uma fortuita configuração transcendental de eventos simultâneos aleatórios não previstos – de modo exato preciso repetitivo – como os que ocorrem nos testes e nas simulações de fábrica e que também não são previstos – à imagem de Deus onisciente onipresente onipotente – nos manuais e normas de segurança e perigo das companhias e das máquinas velozes e, nos finalmente do é tudo mercado!, também não estão previstos nos escaninhos subliminares dos contratos de risco e lucro das seguradoras.

    2. a prudência extremosa, a cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém e o temor a Deus em todos os atos em vida professados pelo nobre senador tucano, doutor José Serra, que tem pavor preventivo de viajar de avião suspenso no ar e que, por isso, só viaja em última instância decisiva de poder e glória.

    1. Deus, meu caro, é apenas uma

      Deus, meu caro, é apenas uma palavra genérica usada por aqueles que são incapazes de admitir que todos os seres humanos nascem condenados a privação, sofrimento, humilhação, doença, frustração, carência e morte. Não me interesso por esta palavra genérica, o que a vida me oferece eu aceito sem temor. 

  4. História bem estranha

    Em qualquer acidente aéreo a primeira coisa que os investigadores falam é que não se pode chegar a conclusões precipitadas. Nesse caso, em que não há caixa preta de dados, com apenas alguns dias de acidente, as autoridades francesas afirmam com convicção que foi o copiloto que matou tudo mundo.

    No vôo da Air France RIO-PARIS falaram que o piloto não estava na cabine quando começou o problema, e que os procedimentos corretos não foram adotados.

    Se houvesse gravação de dados de vôo mostrando que o avião estava perfeito e ele o guiou propositadamente contra a montanha, tudo bem, seria plausível.

    Qual vocês acham a hipótese mais razoável: uma aeronave velha, quase aposentada, em rota de baixo custo, em empresa de baixo custo, no meio de uma greve da Lufthansa, ter apresentado falha mecânica, ou um piloto ter se suicidado (matando dezenas de inocentes) sem ter deixado nenhuma mensagem ?

    1. É óbvio que a empresa vai
      É óbvio que a empresa vai tentar se safar das indenizações. Mas alegar culpa exclusiva do suicida/homicida neste caso é estupidez. O piloto era mentalmente perturbado e não devia estar trabalhando. O empregador que o colocou na cabine do avião é sem dúvida alguma culpado pela tragédia.

  5. Apertem os cintos, que os pilotos enloqueceram!

    Fabio, é isso ai. Mas o homem nem agora, e até o fim do planeta Terra, não conseguira racionalizar sua vida, ‘destino’ e tragédia. 

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