Como o Peru de Fujimori inspira Milei para seu ‘ajuste de choque’ sem maioria no Congresso

Renato Santana
Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.
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A maior parte das medidas anunciadas em matéria de privatizações tem de passar pelo Congresso, onde o futuro governo não tem maioria

Javier Milei liderará um governo sem maioria no Congresso, e terá de ceder às vontade de Maurício Macri e Patricia Bullrich se quiser levar adiante seus planos ultraliberais. Foto: Telám

“Vou fazer um ajuste de ‘choque’ e vou colocar a economia em equilíbrio fiscal”, disse Javier Milei na terça-feira (21) em programa da rádio Neura. “Fiz campanha dizendo que vou fazer o reajuste e que o reajuste não é pago por pessoas de bem, é pago por criminosos, é pago pela casta”, acrescentou.

Ocorre que Milei terá uma dificuldade fundamental: trabalhar como minoria no Congresso bicameral argentino. Um cenário semelhante ao de Alberto Fujimori, presidente do Peru na década de 1990, que superou esse obstáculo e rapidamente optou por eliminar os subsídios, liberalizar preços e privatizar empresas, entre outras ações.

A semelhança é traçada pelo colunista Adolfo Cuicas Castillo em artigo publicado nesta sexta-feira (24) na agência RT. 

Castillo explica que o então candidato presidencial peruano Mario Vargas Llosa, escritor laureado com Prêmio Nobel, propôs uma política de choque para resgatar a economia peruana arruinada. 

Fujimori o derrotou nas urnas, mas aproveitou muitas das ideias de Llosa para lidar com o fato de que não possuía maioria no Congresso. 

Análise comparada: Argentina x Peru

A situação no país andino era muito pior do que a da Argentina hoje, com uma hiperinflação mais dura, caos político e violência interna. Mas há paralelos, e Milei propõe reformas liberais muito semelhantes às de Fujimori: redução na emissão de pesos, redução do déficit fiscal e privatização de empresas.

Embora o presidente eleito conte com a bancada de seu partido, A Liberdade Avança, e com as forças do bloco lideradas pelo ex-presidente Mauricio Macri e pela ex-candidata presidencial Patricia Bullrich, ele precisará construir novos apoios na Câmara e especialmente no Senado, analisa Castillo.

No caso de Fujimori, ele conseguiu as alianças necessárias para levar a cabo as reformas econômicas, o que pode haver a partir de um diálogo com Macri e Bullrich, mas também com o peronismo de direita.

Num documento oficial do Ministério da Economia e Finanças do Peru, por ocasião do seu bicentenário como nação soberana, observou-se que “a partir da década de 1990, foi implementada uma série de reformas que permitiram fortalecer a gestão macroeconómica do Peru”.

Castillo conta que no Peru o primeiro grande ajustamento foi dar autonomia a cada entidade para melhorar e eliminar a dominância fiscal. A nação andina apresentou uma notável melhoria econômica, com um crescimento constante do Produto Interno Bruto (PIB), a criação de uma moeda que acabou por se fortalecer (sol) e uma diminuição progressiva da pobreza. 

No entanto, lembra o jornalista, a desigualdade piorou, com uma classe alta instalada em Lima e províncias que ganharam o rótulo de “Peru profundo”, onde os serviços básicos são escassos.

Privatizações: a cartilha neoliberal 

Na segunda-feira (20), em outra entrevista à mesma rádio, Milei confirmou que assim que se instalar na Casa Rosada, em 10 de dezembro, ativará seu projeto de privatização, que inclui a empresa Yacimientos Petrolófilos Fiscales (YPF), a empresa de aviação comercial Aerolíneas Argentinas e a agência de notícias Telam.

“A maior parte das medidas anunciadas em matéria de privatizações tem de passar pelo Congresso”, alertou o cientista político argentino Facundo Cruz ao colunista da RT . “A YPF, por exemplo, exige 2/3 de ambas as Câmaras”, destacou.

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Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.

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