Crime, castigo e o formato da notícia

Sou usuário convicto de transporte coletivo. Hoje pela manhã o transito em Osasco estava caótico, em razão disto desci do onibus em frente a Matriz do Bradesco e caminhei até meu trabalho, que fica numa travessa da Rua Primitiva Vianco. No caminho comentei a situação do transito com uma amiga que trabalha na Prefeitura e ela me disse que o problema talvez fosse uma decorrência dos incêndios de onibus que ocorreram durante a madrugada. Cheguei ao trabalho e fui me inteirar sobre o assunto, mas deixei de refletir sobre o mesmo em razão de ter obrigações a cumprir.

 

A primeira coisa que chama atenção neste fato é uma coincidência: os incêndios de onibus começaram a se intensificar depois que as passagens foram reduzidas. Não vou acusar ninguém, apenas levantar alguns fatos. É evidente que com menos onibus rodando as empresas faturam mais gastando menos combustível, pois a quantidade de passageiros geralmente não diminui. Os veículos queimados provavelmente estavam segurados. Portanto, as empresas atacadas podem renovar suas frotas sem gastar muito dinheiro novo. A população beneficiada pela redução da tarifa é punida com a redução de coletivos em operação.

 

Ao noticiar o incidente em Osasco, o G1 não fez qualquer cogitação. Apenas reportou o ocorrido dando enfase muito grande ao que disse o Secretário de Segurança Pública de São Paulo:

 

“Em entrevista ao G1 no fim de janeiro, o secretário de Segurança Pública do estado de São Paulo, Fernando Grella, afirmou que a sequência de ônibus queimados virou estratégia de grupos para dar visibilidade a protestos com diferentes motivações. Grella disse também que apura se as ocorrências são provocadas pela ação de manifestantes ou se há ligação com facções criminosas organizadas.” http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/04/mais-de-30-onibus-sao-incendiados-em-osasco-na-grande-sao-paulo.html

 

A explicação parece satisfatória, mas não é. Primeiro, porque o fato concreto ocorrido ontem tem que ser explicado segundo as provas que forem colhidos na investigação que será especificamente feita para apurar o crime e não com base em ilações políticas feitas em janeiro. Atribuir a culpa automaticamente ao PCC só tem uma finalidade neste caso: desviar a atenção da população de outras hipóteses que poderiam ser levantadas conduzindo a outras linhas de investigação igualmente plausíveis. Não só isto, ao transformar o PCC em bode expiatório para todo e qualquer ataque semelhante, o G1 apenas forneceu palanque para o tucanato paulista (que como todos estão cansados de saber não tem nada a oferecer à população paulista além de medo do PCC e mais repressão policial).

 

O r7 também noticiou o fato, mas preferiu não fazer qualquer acusação ao PCC. Disse, porém, que:

 

“A polícia militar não confirma a ligação entre os casos, mas os ataques podem ter ocorrido por causa da morte de um homem ocorrida por volta das 19h30 de segunda-feira (21). De acordo com a PM, a vítima estava em um bar da rua Renato Marchiono quando desconhecidos passaram de carro e atiraram. Policiais Militares foram acionados para a ocorrência, levaram o homem para o pronto-socorro do Hospital Helena Maria, mas ele não resistiu aos ferimentos e morreu.” http://noticias.r7.com/sao-paulo/mais-de-30-onibus-sao-incendiados-dentro-de-garagem-em-osasco-22042014

 

O problema aqui não é propriamente a forma como a notícia foi dada. Mas o que ela omitiu. Há bem pouco tempo a imprensa noticiou que grupos de extermínio compostos por PMs atuavam em Osasco. A forma como o rapaz morreu é semelhante ao padrão de operação destes grupos de extermínio. Há policiais envolvidos no homicídio? A pergunta plausível não foi feita pelo jornalista.

 

No Portal Terra a enfase foi dada à explicação fornecida pelo dono da empresa atacada:

 

“O fogo na garagem começou por volta de 1h10, quando um grupo de criminosos invadiu o local e ateou fogo nos veículos. Em entrevista à rádio CBN, o gerente de operações da Urubupungá, Miguel Albuquerque, disse que o ataque foi uma resposta à morte de uma pessoa na região. “A gente sabe que houve um assassinato por volta das 23h. Quando foi por volta de meia-noite, dois ônibus que estavam recolhendo sofreram tentativas de incêndio, mas ficaram apenas chamuscados. Quando íamos registrar essas ocorrências, invadiram a nossa garagem e incendiaram os outros veículos”.” http://noticias.terra.com.br/brasil/policia/sp-homens-invadem-garagem-e-queimam-onibus-em-osasco,cdeb35f81f785410VgnVCM3000009af154d0RCRD.html

 

A ligação entre o assassinato e o ataque à empresa é uma explicação tão plausível quanto um golpe meticulosamente planejado contra a seguradora. O Terra, porém, não foi fundo na questão. Apenas reportou burocraticamente a versão do empresario, que obviamente o ajudará a receber o seguro. O portal poderia ter feito mais. Investigar como está a situação financeira da empresa após a redução das tarifas. Procurar saber como o empresário reagiu pessoalmente à redução de seus lucros imposta pela revogação do aumento que já havia lhe sido conferido pela Prefeitura de Osasco.

 

O Portal IG também noticiou o ocorrido. Ao contrário do G1, r7 e Terra, o portal foi mais cuidadoso. Apenas noticiou aquilo que até o presente momento se sabe e que foi resumido no subtitulo da matéria:

 

“Criminosos invadem garagem de onibus em Osasco e atearam fogo a coletivos. Vinte e três foram totalmente destruídos.” http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/sp/2014-04-22/mais-de-30-onibus-sao-incendiados-em-garagem-de-empresa-na-grande-sao-paulo.html

 

De todos as matérias citadas a menos danosa é a do IG. O G1 explica um fato presente por uma ilação antiga a fim de subsidiar o discurso eleitoral do PSDB. O r7 deu apenas a versão da polícia, se esquecendo de que há grupos de extermínio de policiais atuando em Osasco. O Terra limitou-se a dar voz ao empresário, sem se perguntar como a empresa dele reagiu à redução das tarifas em razão das manifestações. O único que não fez ilações estúpidas, noticiou versões empresariais confortáveis e deu a notícia sem possibilitar acusações de omissão foi o IG. A notícia aparentemente mais incompleta é a melhor, pois permite às Autoridades Policiais investigar todas as hipóteses plausíveis para o crime. À medida que os fatos forem sendo apurados e revelados o IG poderá seguir reportando o ocorrido sem medo de ter sua notícia apropriada para fins político partidários.

 

O crime enseja o castigo, mas apenas para o verdadeiro culpado. O jornalismo, por outro lado, não poderia fazer “cortesia jornalística”  às pessoas, partidos, empresas ou instituições de sua predileção e deveria ser castigado de alguma maneira (com redução de verbas estatais de propaganda, por exemplo) sempre que transformasse crime em palanque eleitoral, em propaganda da PM ou reportasse versões que beneficiam economicamente aqueles que poderiam muito bem ser consideradas suspeitas.

 

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

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