Juíza Hardt pode responder por peculato, prevaricação e corrupção, aponta corregedor

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Contexto da homologação da Fundação Lava Jato traz para Hardt implicações para além da esfera administrativa, diz Salomão

Além de ter sido afastada do cargo de magistrada e enfrentar julgamento de representações disciplinares na esfera administrativa por conta de suas condutas na Lava Jato, a juíza Gabriela Hardt ainda pode responder criminalmente pela tentativa de criação de uma fundação privada com recursos bilionários, fruto de uma multa paga nos EUA pela Petrobras. É o que aponta o corregedor do Conselho Nacional de Justiça, ministro Luís Felipe Salomão, na decisão em que decidiu afastar Hardt de suas funções a partir do dia 15 de abril.

Segundo Salomão, “os atos atribuídos à magistrada GABRIELA HARDT, além de recair, em tese, como tipos penais – peculato-desvio (artigo 312 do Código Penal), com possíveis desdobramentos criminais interdependentes, prevaricação (artigo 319 do Código Penal), corrupção privilegiada (art. 317, § 2º, do Código Penal) ou corrupção passiva (artigo 317, caput, do Código Penal) –, também se amoldam a infrações administrativas graves, constituindo fortes indícios de faltas disciplinares e violações a deveres funcionais da magistrada.”

Na mesma decisão, a qual o GGN teve acesso, Salomão narrou que a hipótese de Hardt enfrentar um processo por peculato-desvio de recursos públicos, com “possíveis desdobramentos criminais interdependentes” – como responder por prevaricação, corrupção privilegiada ou corrupção passiva – é uma hipótese construída “com base nas informações obtidas ao longo dos trabalhos [da correição extraordinária na 13ª Vara], que indicam articulação entre os agentes e prática de atos atípicos pelo juízo, Ministério Público e outros atores.”

O caso da juíza deverá ser levado ao plenário do CNJ nesta terça (16) por Salomão. O ministro pretende apresentar aos colegas o relatório da correição extraordinária feita nos gabinetes da Lava Jato (13ª Vara Federal e 8ª Turma do TRF-4) e chamar ao julgamento três representações disciplinares que envolvem Sergio Moro, Gabriela Hardt, e os desembargadores do TRF-4.

Homologação do acordo

Hardt foi afastada do cargo por ter adotado conduta imoral e ilegal, nas palavras de Salomão, na homologação do acordo que iria constituir a fundação Lava Jato, uma fundação privada criada com recursos públicos que depois foram destinados aos cofres da União pela Suprema Corte, que anulou os efeitos da homologação.

Foi em janeiro de 2019, no exercício pleno da 13ª Vara, que Gabriela Hardt, pressionada por Deltan Dallagnol e seu time de procuradores, decidiu homologar o acordo inconstitucional e mal fundamentado, transferindo para uma instituição privada mais de 2 bilhões de reais que os EUA devolveram ao Brasil após assinar acordos de não-persecução com a Petrobras.

“A decisão da magistrada foi baseada exclusivamente nas informações incompletas (e até mesmo informais, fornecidas fora dos autos e sem qualquer registro processual) dos procuradores da força-tarefa da “Operação Lava Jato”, sem qualquer tipo de contraditório ou intimação da União Federal. Tal comportamento, como se percebe e foi demonstrado desde o relatório preliminar da correição (e agora apontado com mais detalhes pelo documento completo), fazia parte da estratégia concebida para recirculação dos valores repassados pelo juízo a Petrobras, posteriormente constrangida a celebrar o acordo nos EUA para o retorno do montante bilionário para a fundação privada”, pontuou Salomão.

A própria Hardt produziu a principal prova contra si mesma, ao confessar como foram feitas as tratativas informais com o Ministério Público Federal, em depoimento dado ao CNJ em 17 de junho de 2023.

“O que a correição descobriu, juntando as pontas e os fatos, é que a homologação do acordo cível (em juízo criminal absolutamente incompetente) ocorreu após a juíza GABRIELA HARDT discutir e analisar, previamente e fora dos autos, por meio de conversas por aplicativo de mensagens (admitido em depoimento prestado pela magistrada durante a Correição), os termos de ‘acordo de assunção de compromisso’ que estava sendo articulado entre Ministério Público Federal e a empresa Petrobras, estabelecendo condições para sua homologação, quando apresentado ao Juízo, e antecipando decisão favorável”, acrescentou Salomão.

No plano de Dallagnol, a força-tarefa da Lava Jato no MPF e organizações da sociedade civil teriam poder de decidir onde seriam investidos os recursos bilionários. Quando cancelou o acordo, o Supremo Tribunal Federal remeteu a verba para quem de direito: a União, que aplicou parte em esforços contra a Covid-19 e outras áreas de interesse público.

Recirculação de valores

Segundo Salomão, a ideia de criar uma fundação privada com recursos públicos era parte da estratégia de “recirculação de valores” criada pela Lava Jato desde os tempos em que Sergio Moro era juiz.

O esquema da Lava Jato consistia em multar no Brasil e ou fazer empresas e investigados serem multados por órgãos de outros países, para depois reter parte da multa e devolver à Petrobras, que assim poderia fazer frente à multa bilionária que recebeu nos EUA, e cujo valor quase foi desviado para a tentativa da criação da Fundação Lava Jato.

“Segundo exposto no aludido relatório complementar da Correição Extraordinária nº 0003537-28.2023.2.00.0000, a prática e as circunstâncias da mencionada “recirculação de valores” constituem hipótese criminal (asserção lastreada em evidência, o que a distingue de uma mera suposição ou ilação), no caso específico da reclamada GABRIELA HARDT, a atuação da magistrada recairia, em tese, nos tipos penais do art. 312 do Código Penal (apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio), art. 317, § 2º, do Código Penal (praticar, deixar de praticar ou retardar ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem), art. 319 do Código Penal (retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal), sem prejuízo de outros desdobramentos
conforme será demonstrado”
, descreveu Salomão.

Gestão caótica de valores

Para além de aprofundar o caso da Fundação Lava Jato, a correição extraordinária identificou também “graves condutas” adotadas pela juíza Gabriela Hardt como juíza substituta da 13ª Vara Federal de Curitiba, que configuram, nas palavras de Salomão, “gestão caótica de valores provenientes de acordos de colaboração e de leniência e outros” – uma herança de Sergio Moro, que foi o criador do sistema.

Moro criou um procedimento ultra secreto para controlar os depósitos dos recursos pagos pelas empresas e investigados, e posteriormente fazer sua distribuição, sem prestar contas a nenhuma instituição. Hardt deu continuidade ao método de Moro, e só retirou o sigilo do procedimento quando o STF já estava no encalço da Fundação Lava Jato.

Salomão observou que houve “a atuação da Juíza em processo autônomo (instaurado de ofício, com absoluto sigilo e sem a participação dos interessados) para suposto controle e destinação de valores oriundos de acordos de colaboração e leniência, inclusive referentes a ações penais sem sentença e, também, sem trânsito em julgado, estabelecendo critérios sem fundamentação legal, eivados de contradição e sem transparência, atingindo montantes superiores a 5 bilhões de reais.”

Afastamento

Para justificar o afastamento de Hardt, Salomão afirmou que a “a natureza da atividade desenvolvida pela reclamada exige e impõe atuar probo, lídimo, íntegro e transparente, sendo inaceitável que, aparentemente descambando para a ilegalidade, valha-se da relevante função que o Estado lhe confiou para fazer valer suas convicções pessoais.”

“Faz-se, portanto, inconcebível que a investigada possa prosseguir atuando, quando paira sobre ele a suspeita de que o seu atuar não seja o lídimo e imparcial agir a que se espera. Nessa ordem de ideias, o afastamento atende à necessidade de resguardo da ordem pública, seriamente comprometida pelo agir irregular dos reclamados, assim como, atende à necessidade de estancar a conduta aparentemente infracional”, finalizou.

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Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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