O poder da ágara ou dos mercados?

Reconheço que o jornal do Grupo RBS (ZH), edição de hoje, foi relativamente plural. Tem as excelentes entrevistas do ex-governador Tarso Genro e do repórter Caco Barcellos e, de lambuja, a matéria sobre os guarani-kaiowá, de lavra da antropóloga Bárbara Arisi e do historiador Clóvis Brighenti.

Faço esse destaque para tentar ser minimamente justo com a RBS, que sempre investe forte na edificação de um manto ideológico em favor das políticas neoliberais e contra os governos de esquerda (de centro-esquerda, esquerda moderada ou esquerda-esquerda).

E esse comportamento reiterado da RBS também se concretiza nessa edição dominical. ZH traz duas entrevistas e um artigo de dois cientistas políticos e de um sociólogo para avaliar a crise política brasileira, a possibilidade de impedimento da presidenta, o grau de responsabilidade de Dilma na crise e possíveis saídas para superar o atual quadro de dificuldades políticas e econômicas pelas quais passa o Brasil.

Não pretendo aqui nessa pequena crônica impugnar os argumentos dos especialistas que se manifestaram em veículo da RBS, apenas destacar como, em suas análises, o mundo do trabalho, a esfera dos excluídos e a cidadania em geral não tem qualquer relevância.

Com efeito, nas análises disponibilizadas pela grande mídia empresarial, que ponderam as raízes e saídas da crise política, é corriqueira a anotação da vontade dos “mercados” como critério referencial central. Ou seja, tudo passa pelos humores das relações de oferta e procura, operadas pelos mercados (principalmente pelo mercado financeiro, na oferta de crédito a juros).

Assim, o trabalhador é reduzido a mero consumidor, que tem alguma utilidade para os mercados quando se movimenta para consumir.  E os excluídos, aqueles que sequer têm um emprego e renda, bom esses são res nullis, nada importam, só estorvam os mercados, já que o Estado vai gastar dinheiro dos contribuintes para executar programas sociais de inclusão (e esse dinheiro sai da ciranda financeira, pelo menos num primeiro momento).

O que se conclui dessas análises, pela visão que disseminam, é que a política subordina-se naturalmente aos mercados. Ou seja, poder econômico é hegemônico em relação ao poder político. Somos consumidores e não cidadãos. Lutamos por mercadorias e não por pessoas e causas (igualdade, fraternidade e liberdade). Nossos representantes no Legislativo e no Executivo não nos representam, mas devem explicações aos mercados.

Trata-se, assim, de construir um cenário que ignora a ágara, a esfera pública, espaço que os cidadãos reúnem-se em eclésia (assembleia), o espaço da cidadania.

Talvez esteja enganado, mas percebo no mundo inteiro – e aqui no Brasil, também – a ágara viva. O mundo do trabalho e os excluídos, ainda que de forma fragmentada, tem aparecido na ágara, mostrando sua cara e lutando pelos seus direitos. São lutas sindicais, dos sem-terra, das margaridas, dos sem-teto, dos despossuídos e dos diversos movimentos populares. Até pessoas que defendem valores ultraconservadores foram às ruas!

Aqui mesmo em São Luiz Gonzaga, em curto espaço de tempo, foram às ruas e praças os pequenos agricultores, moradores de bairros, servidores do Poder Judiciário, servidores públicos municipais e estaduais (entre outros).

A cidadania está dispersa, fragmentada, resultado do mundo pós-moderno em que vivemos. Mas não sucumbiu. Tem momentos de revigoramento, em que se renova.

Os mercados não podem ditar as regras para a cidadania, aviltá-la e, por fim, domesticá-la. Não podemos aceitar isso!

Mesmo a democracia representativa, em absoluta crise, tem mais legitimidade dos que os mercados para o exercício do poder político.

Todo poder legítimo emana do povo, não dos mercados e de seus reais senhores, os donos do capital.

Redação

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