Sergio Moro criou processo secreto para movimentar dinheiro da Lava Jato sem prestar contas a ninguém

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Procedimento concentrava dinheiro das multas aplicadas na Lava Jato, que Moro redistribuía sem dar transparência

Sergio Moro em evento da Ajufe. Foto: Agência Brasil
O ex-juiz da Lava Jato, Sergio Moro: Foto: Agência Brasil

Na condição de juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, o hoje senador Sergio Moro foi o responsável por criar um esquema ultra secreto para movimentar verbas bilionárias angariadas com a ajuda da força-tarefa do Ministério Público Federal no Paraná, a partir de multas aplicadas nos acordos de leniência e delação premiada firmados com as empresas ou pessoas físicas investigadas na Operação Lava Jato.

A conta judicial que concentrava os recursos financeiros está associada ao procedimento criado por Moro nos autos do processo nº 5025605-98.2016.4.04.7000/PR, que por muitos anos ficou guardado a sete chaves, com “grau máximo de sigilo”. A partir desse procedimento secreto, Moro e depois a juíza Gabriela Hardt administravam e redistribuíam as verbas sem transparência ou prestação de contas.

Somente quando o Supremo Tribunal Federal lançou um olhar questionador sobre a tentativa do ex-procurador Deltan Dallagnol em usar os recursos de uma multa paga pela Petrobras nos Estados Unidos para criar uma fundação privada, é que juíza Gabriela Hardt decidiu levantar o sigilo.

As informações constam no documento em que o corregedor do Conselho Nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, decidiu afastar Hardt da magistratura a partir de 15 de abril de 2024. As apurações ocorreram no âmbito da correição extraordinária promovida pelo CNJ nos gabinetes da Lava Jato (13ª Vara e 8ª Turma do TRF-4). O GGN teve acesso à decisão de Salomão.

Segundo o corregedor, a correição identificou que mais de 2 bilhões de reais passaram pela conta judicial secreta administrada por Sergio Moro. O valor total ainda não foi divulgado. A Corregedoria falou em “gestão caótica” dos recursos e ainda apontou “diversas irregularidades e ilegalidades ocorridas nos fluxos de trabalho desenvolvidos durante diversas investigações e ações penais que compuseram o que se denominou ‘Operação Lava Jato'”.

Salomão chamou atenção especial para os “mecanismos de controle e prestação de contas nos autos da representação criminal nº 5025605-98.2016.4.04.7000/PR, procedimento instaurado de ofício e com grau máximo de sigilo – só com acesso do juiz e Ministério Público-, referentes aos repasses de valores depositados em contas judiciais à Petrobras, decorrentes dos acordos de colaboração premiada e de leniência homologados pelo juízo da 13ª Vara, identificando uma correspondência com a subsequente homologação, em janeiro de 2019, de acordo de assunção de compromissos entre força-tarefa e a companhia [Petrobras].”

O acordo de assunção citado por Salomão foi homologado por Gabriela Hardt depois que Moro abandonou a magistratura para ser ministro do governo Bolsonaro. O acordo estabelecia as bases para a criação de uma fundação privada com dinheiro de uma multa paga pela Petrobras aos Estados Unidos.

Cash Back: O esquema de recirculação de valores

Salomão observou que a partir do procedimento secreto instaurado por Moro de ofício, criou-se na Lava Jato um esquema de “recirculação de valores”, que o ministro chamou também de esquema de “cash back”.

Na prática, o esquema consistia na aplicação de multas com valores exorbitantes aos investigados da Lava Jato. Essas multas constavam dos acordos de delação e leniência negociados com os réus pela turma de Deltan Dallagnol, e depois homologados por Moro ou pela juíza Gabriela Hardt.

As multas eram destinadas a ressarcir os cofres da Petrobras pelos “prejuízos” que ela sofreu em decorrência da corrupção praticada pelas empreiteiras ou ex-gestores. Salomão observou que a Lava Jato declarou a Petrobras a “vítima universal”, sem considerar que a União, como principal acionista, também teria interesse nas causas e direito ao ressarcimento.

Uma vez em posse dos valores recebidos a títulos de ressarcimento, a Petrobras poderia fazer frente à multa bilionária que recebeu de autoridades dos Estados Unidos justamente por conta das denúncias de corrupção forjadas no bojo da Lava Jato. Os EUA decidiram devolver uma parte da multa – cerca de 2,5 bilhões em valores da época – para as “autoridades brasileiras”. O time de Deltan Dallagnol tentou criar uma fundação privada para gerir os recursos. O acordo inconstitucional entre MPF e Petrobras chegou a ser homologado por Hardt – em juízo incompetente – em 2019.

Para Salomão, Moro criou as bases desse esquema, mas Hardt seguiu atuando “em processo autônomo (instaurado de ofício, com absoluto sigilo e sem a participação dos interessados) para suposto controle e destinação de valores oriundos de acordos de colaboração e leniência, inclusive referentes a ações penais sem sentença e, também, sem trânsito em julgado, estabelecendo critérios sem fundamentação legal, eivados de contradição e sem transparência, atingindo montantes superiores a 5 bilhões de reais.”

O fim do sigilo

“É de se ressaltar ainda que os autos 5002594-35.2019.4.04.7000/PR, instaurados justamente sob pretexto de controle da destinação dos vultosos valores depositados nos processos da Lava Jato, foram classificados com grau de sigilo 3 em sua instauração pela então diretora de secretaria da 13ª Vara Federal de Curitiba, assim permanecendo até 25 de julho de 2019, quando só então a juíza GABRIELA HARDT mudou para o nível 0 (sem sigilo)”, pontuou Salomão.

O corregedor frisou que o “esforço de dar transparência” só foi realizado após o Supremo Tribunal Federal anular a homologação do acordo que daria vida à Fundação Lava Jato, no âmbito do julgamento da ADPF 568.

“A mesma situação é identificada em relação à inclusão da Advocacia-Geral da União nos autos: o órgão recebeu sua primeira intimação para se manifestar na representação criminal no dia 21 de outubro de 2019, também após o questionamento do acordo pela PGR e em razão da primeira discordância da Petrobras em relação a um pedido da força-tarefa de destinação de R$ 35.288.641,94 para a União“, acrescentou.

Em sessão do CNJ na terça (16), a maioria dos conselheiros decidiu revogar o afastamento de Gabriela Hardt. O corregedor Luís Felipe Salomão propôs desmembrar todas as acusações envolvendo Moro e julgar primeiro a representação contra Hardt. Ele defendeu instauração de PAD (procedimento administrativo disciplinar). O CNJ retomará o julgamento nas próximas semanas.

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Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

3 Comentários

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  1. É de autoria do ex juiz a frase “O dinheiro é meu e o boi não lambe”?
    Seria o barrento sócio na dinheirama?
    De qual lado está a globo nessa história?

  2. “A democracia em uma sociedade livre exige que os governados saibam o que fazem os governantes, mesmo quando estes buscam agir protegidos pelas sombras”. – $érgio Moro

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