“A Lava Jato atuou dentro da Petrobras, fora de seus limites”, diz coordenador da FNP

Renato Santana
Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.
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Coordenador da Frente Nacional dos Petroleiros (FNP), Adaedson Costa, ressalta papel da Lava Jato no desmonte da Petrobras

Foto: Ascom/Petrobras
Foto: Ascom/Petrobras

Um dos coordenadores da Frente Nacional dos Petroleiros (FNP), Adaedson Costa, lembra que por volta de 2014 e 2015 a categoria começou a notar mudanças na relação da direção da empresa com os funcionários depois da operação Lava Jato ganhar o noticiário. 

Denúncias chegavam relativas a pressões, petroleiros inquiridos, sem compliance, um ambiente tenso eivado de desconfianças mútuas, delações e também de cobranças indevidas aos caixas da empresa, como o do caso de investidores americanos que cobravam prejuízos de até R$ 60 bilhões.  

“A Lava Jato atuou dentro da Petrobras, fora de seus limites. E isso era um golpe, e o golpe era contra a população, contra o Brasil, interesses bem além do combate à corrupção. Muito além do combate à corrupção (…) era o neoliberalismo destruindo a empresa para que fosse privatizada”, diz Adaedson. 

Petroleiro com décadas de militância sindical atrelada ao Sindicato dos Petroleiros do Litoral Paulista (Sindipetro-LP), Adaedson lembra que houve “estardalhaço de que a Petrobras estava quebrada. Era um absurdo, mentiras, sabíamos que o mercado da empresa, a reserva, produção: nada indicava isso”.

Ele explica que o movimento sindical petroleiro entende que a Lava jato foi uma ferramenta contra o Brasil, “mas também ao neoliberalismo para dizer que ela (Petrobras) tinha de ser privatizada. Muita gente nos chamou de alarmistas, mas hoje se provou a verdade. O que falávamos se concretizou”, lamenta. 

Desmonte 

A intenção do último governo era privatizar a Petrobras, tanto que nos dois últimos anos do governo o movimento sindical petroleiro, que conta também com a Federação Única dos Petroleiros (FUP), travou uma queda de braço com o Congresso Nacional para impedir a ideia de prosperar no apagar das luzes.

A Petrobras Biocombustível S.A. (PBIO) conseguiu se manter sob controle da Petrobras, e a própria Petrobras não foi privatizada. Já a BR Distribuidora e a Liquigás foram vendidas. 

Como a Lava Jato conseguiu sabotar a empresa, enquanto dizia estar prendendo corruptos e recuperando bilhões, os governos Michel Temer e Jair Bolsonaro aproveitaram para dar seguimento à privatização. 

“O resumo da ópera é o seguinte: de 100% da empresa, a empresa foi reduzida a 40%. Transformou a empresa numa exportadora de petróleo, de commodities. Desarticulou completamente a empresa com os vários setores da economia.  Reduziu a produção de refino para abrir espaço para importadores”, conta Adaedson.

Plano de Demissão Voluntária 

Nesse contexto de que a ideia era privatizar, os novos gestores da Petrobras e subsidiárias sob os governos de Temer e Bolsonaro passaram a esvaziar a Petrobras com o Plano de Demissão Voluntária (PDV) para que os trabalhadores com idade de se aposentar pudessem sair. 

“Teve um prejuízo técnico considerável. Por que nós somos contra o PDV? A empresa perde trabalhadores experientes, com conhecimento. Na nossa visão ele só pode ocorrer com concurso e depois da transmissão do conhecimento dos mais velhos para os que chegam”, explica Adaeson.  

O escape de conhecimento pode provocar danos graves, erros técnicos e acidentes de trabalho. “Muitos acidentes de trabalho, depois disso, a Petrobras passou a colocar como incidente por conta dessas mudanças. Não são demissões voluntárias, mas pagas e incentivadas”, diz. 

PDV como ameaça e privatização 

O coordenador da FNP cita os casos da BR Distribuidora e Liquigás. “Quando a Vibra Energia comprou a BR, soltou um PDV. Caso não atingisse a meta, iriam demitir. Na Transpetro houve um PDV, mas poucas pessoas saíram”, explica. No caso da Transpetro, Adaedson faz uma ressalva. 

“Tem uma força de trabalho que chamamos de cedidos, que são pessoas que passam no concurso da Petrobras e depois são cedidos para a Transpetro. Boa parte desses trabalhadores na Transpetro eram cedidos e a Petrobras os chamou de volta, simplesmente”, lembra.  

Marca sobretudo o período de Bolsonaro na Presidência, o sindicalista lembra que houve perseguição aos trabalhadores, sindicatos e gerentes não alinhados. Na Petrobras, pessoas foram transferidas para lugares distantes da família e o PDV se tornou um instrumento de intimidação. 

“Notadamente: quem não aderiu (ao PDV) sofreu consequências. Os termos que o pessoal tinha que assinar para aderir, além do dinheiro para incentivar a pessoa a sair, ficava na mão da empresa. Até o dia em que a pessoa ia sair. Muitos que queriam ficar saíram no dia seguinte, muitos que queriam sair ficaram esperando. Quem decidiu ficar, acabou demitido”, conta.  

Reconstrução

Há quem afirme que no período de Bolsonaro a empresa teve bilhões de lucro. Adaedson diz que é “porque (o governo) vendeu seus ativos. Teve ainda uma política de paridade nos preços dos combustíveis que sacrificou a população e principalmente os empresários”, afirma. 

Para Adaedson, um desastre para o país, mas uma grande oportunidade para os rentistas e quem investe na Bolsa de Valores. “Tirou investimento da cultura, do lazer, do esporte, do conhecimento, dos empregados, da transição energética”, diz. Ele lembra que as mudanças atuais da Petrobras mantém as ações da empresa em alta na Bolsa, contrariando quem achava o contrário. 

As mudanças realizadas pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva são o começo da reconstrução. E é ela, a reconstrução, a principal reivindicação do movimento sindical ao Palácio do Planalto de hoje. 

Para a categoria petroleira, a Petrobras precisa se reintegrar aos setores da economia e financiar a melhora de vida da população brasileira.  

Transição Energética 

“Queremos uma reconstrução da Petrobras integrada, que seja a força motriz para a transição energética, que volte a descentralizar, estar no país inteiro, desenvolvendo as regiões, com petroquímicas, fábricas de fertilizantes, sua logística, transporte”, opina.

Para a FNP, a Petrobras precisa voltar a investir nas energias renováveis, como fez até 2016,  e voltar ao seu portfólio plural e integrado a vários setores da economia. O abandono dessa perspectiva para vender a companhia trouxe prejuízos e atrasou o Brasil nesse ponto. 

Outro ponto que mudou a partir de 2016 se trata dos direitos trabalhistas. Acabou o pagamento de hora extra e, além disso, algo que contradiz a ideia bolsonarista, cada vez mais falaciosa, de que “acabou a mamata”. 

“O chão de fábrica recebe duas vezes seu salário com a PLR (Participação de Lucros e Resultados) e os gestores recebem 20 vezes seus salários, nos cargos comissionados. Há também muito adoecimento, precisamos retomar o emprego digno, sem exploração. Petroleiro passou a trabalhar 48 horas direto na operação, o governo Lula precisa acabar com isso”, conclui Adaedson.  

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Renato Santana

Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.

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