O cala boca já morreu: carta de apoio à jornalista de SC Schirlei Alves, por Lauro Mattei

Você ousou apontar o dedo para os verdadeiros usurpadores dos pilares básicos do sistema judiciário do país

O cala boca já morreu: carta de apoio à jornalista de SC Schirlei Alves

por Lauro Mattei¹

Parte da frase acima foi proferida pela Ministra Carmen Lúcia em 20.10.2016, na época Presidente do STF. Na verdade, foi uma reação ao questionamento de uma jornalista sobre o direito da imprensa de repassar informações aos cidadãos, especialmente quando restrições são impostas à população sob o argumento de que o processo corre sob “sigilo da justiça”. Registre-se que naquele momento o país passava por um momento político turbulento diante do golpe jurídico-parlamentar que acabara de ser sancionado sob as benesses da instância máxima do sistema judiciário do país (STF). Tal práxis (segredo de justiça) também é reveladora de uma ideia da supremacia das estruturas jurídicas institucionais e de seus representantes, os quais atuam e se sentem parte do andar de cima, sempre imunes a qualquer tipo de questionamento.

E isto nos remete à trajetória do sistema judiciário brasileiro que historicamente foi dominada pela cultura e pelos valores daqueles que se sentem e se posicionam sob o condão da supremacia. Normalmente esse fato é presenciado quando algum integrante do referido sistema é confrontado, sendo que quase sempre sua reação é questionadora: você sabe com quem está falando?

Com o passar do tempo essa práxis foi se enraizando em todas as esferas desse sistema, ao mesmo tempo em que a cultura da superioridade ganhou espaço no corporativismo que assola todas as diversas instâncias judiciais. Em grande medida, essa visão do andar de cima sobre o sistema judiciário do país pode ser facilmente observada no sistema prisional brasileiro, o qual é amplamente composto por pessoas do andar de baixo (pobres, famintos, pretos, negros, sem teto, sem terra, etc.).

Quando os fatos falam mais alto, lança-se mão da arrogância que tomou conta do exercício desses senhores: nós temos mecanismos de coibir “possíveis” desvios de conduta profissional, ao mesmo tempo em que também podemos reparar os erros cometidos. Na prática tentam enganar os cidadãos ao afirmar que a simples existência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já suficiente para fazer valer os preceitos
jurídico-democráticos. Registre-se, todavia, que tal instância do judiciário não passa de mais uma esfera para encobrir atitudes autoritárias e antidemocráticas de membros do sistema jurídico nacional, como temos visto diversos exemplos recentemente².

Santa Catarina não está imune a essa trajetória, ao contrário, nestas paragens também se reforçaram tais laços “jurídicos culturais”, talvez com até mais proeminência que em outros locais. Por isso, nesse estado é bastante comum algumas ideias bastante popularizadas: “não mexa com o advogado tal porque ele é de família importante”; não critique tal juiz ou promotor porque suas famílias têm ramos fortes no sistema judiciário estadual”; “é melhor ficar calado diante de injustiças impetradas por esses senhores para não se complicar”.

É exatamente isso que você não fez Schirley. E mais: você ousou apontar o dedo para os verdadeiros usurpadores dos pilares básicos do sistema judiciário do país que, quando confrontados com a realidade, tentam fazer valer suas tradições e suas leis: “não ouse atacar os componentes do andar de cima, pois podemos lhe imputar um preço caro”. Afinal, nós decidimos sua vida com nossa concepção sobre o que é certo ou errado, “independentemente” de nossa posição social.

Portanto, não espere nada dessa estrutura judiciária arcaica cristalizada no Brasil que sempre teve seu lado, como mostram os fatos que te envolveram nessa contenda. Se de fato tivéssemos uma estrutura jurídica realmente democrática, justa e digna, qualquer instância superior à 5ª Vara Criminal da Comarca de Florianópolis anularia imediatamente a decisão exarada e enviaria tais processos para os arquivos e indicando-os, inclusive, como referência histórica da má conduta da justiça. Mas não se engane, pois dificilmente será isso que irá acontecer.

Como dizia o Barão de Itararé: “de onde menos se espera, dali mesmo é que não sairá nada”. Por isso, neste momento cabe a todos nós um posicionamento firme e forte para que tais decisões autoritárias não continuem se repetindo. Ontem foi a UFSC e o Cancellier. Hoje está sendo a Schirlei. E amanhã quem será o próximo?

1 Professor Titular do curso de Graduação em Economia e do Programa de Pós-Graduação em
Administração, ambos da UFSC. Email: [email protected]

2 No dia 14.11.2023, em audiência na Vara do Trabalho em Xanxerê (SC), uma juíza substituta, aos
berros, assim se dirigiu a um cidadão que iria depor: “Eu chamei sua atenção porque o senhor tem que
falar assim: o que a senhora deseja excelência”? Atônito, o cidadão responde: não estou entendendo. Aí
a juíza complementa: “o senhor não é obrigado a falar assim. Mas se não fizer isso, seu depoimento termina
por aqui e será totalmente desconsiderado”.

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Redação

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