Observatorio de Geopolitica
O Observatório de Geopolítica do GGN tem como propósito analisar, de uma perspectiva crítica, a conjuntura internacional e os principais movimentos do Sistemas Mundial Moderno. Partimos do entendimento que o Sistema Internacional passa por profundas transformações estruturais, de caráter secular. E à partir desta compreensão se direcionam nossas contribuições no campo das Relações Internacionais, da Economia Política Internacional e da Geopolítica.
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Dom Quixote em chamas, por Felipe Bueno

O Brasil pareceu esquecer que sua população negra continua sendo vítima do racismo estrutural que a violenta há séculos

Cândido Portinari

do Observatório de Geopolítica

Dom Quixote em chamas, por Felipe Bueno

Na quinta-feira 12 de junho de 2014, em São Paulo, a seleção brasileira de futebol venceu um jogo de virada pela última vez em uma Copa do Mundo: 3-1 sobre a Croácia, numa tarde em que as arquibancadas adiantavam que tempos sombrios estavam chegando.

Maio de 2023: em uma disputa diferente, ainda que num cenário futebolístico, o Brasil ensaiou tentar uma virada, mas se esqueceu do seu saldo negativo de gols e de seus inúmeros cartões amarelos e vermelhos.

A nação que tem em sua certidão de nascimento a exploração de cinco milhões de negros africanos e em sua adolescência uma abolição que simplesmente jogou milhares de ex-escravos nas ruas, sem apoio e sem futuro, levantou sua voz justamente por ter um de seus cidadãos vítima de racismo na Espanha.

Espanha que, reconheçamos, assim como Portugal, tem débitos que nunca serão pagos aos povos africanos e também aos americanos originários.

No Brasil, do norte ao sul, por alguns dias, parte da sociedade, especialmente a mais visível nas redes sociais e imprensa, pareceu se esquecer do fato de que a sua população negra continua sendo vítima do racismo estrutural que a violenta há séculos.

Já imaginei a distopia: paellas e gazpachos fora dos cardápios; livros de Miguel de Cervantes incendiados em praça pública.

“Com racismo não tem jogo”, bradou a CBF.

Mentira. Infelizmente sempre teve jogo, provavelmente ainda haverá por um bom tempo.

Aranha, Gerson, Michel Bastos, Arouca, Paulão, Obina, Diego Maurício, tantos outros, até o menino Luiz Eduardo, então com 11 anos de idade, sabem disso.

O Brasil da “democracia racial” não existe, com todo o respeito devido a Gilberto Freyre.

Quando os redemoinhos das redes sociais levarem para as profundezas as superficiais bravatas de mais este escândalo – o que é terrível também por colocar na vala comum gente séria que debate o tema do racismo há décadas – os problemas da Espanha, que são muitos, continuarão, numa Europa cada vez menos humanizada e harmonizada consigo mesma e com o mundo que ajudou a desenhar, muitas vezes à força e com violência.

Quanto a nós, talvez alguma voz se preocupe em buscar numa estante do passado o livro O Negro no Futebol Brasileiro, de Mario Filho, ainda hoje uma das maiores aulas sobre o que é este país.

Talvez outra voz se recorde de ter ouvido alguma história sobre o negro Barbosa, goleiro da Copa de 1950 que morreu carregando nas costas a culpa pela derrota para o Uruguai.

Talvez uma terceira voz aproveite para ponderar que o Brasil tem um contingente atual de mais de um milhão de trabalhadores e trabalhadoras em situação análoga à de escravidão, dados do próprio governo federal.

Depois do barulho gerador de likes e engajamentos, todos dormiremos. Vamos acordar no dia seguinte lembrando que somos o país do elevador de serviço e do quarto de empregada.

Felipe Bueno é jornalista desde 1995 com experiência em rádio, TV, jornal, agência de notícias, digital e podcast. Tem graduação em Jornalismo e História, com especializações em Política Contemporânea, Ética na Administração Pública, Introdução ao Orçamento Público, LAI, Marketing Digital, Relações Internacionais e História da Arte.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. A publicação do artigo dependerá de aprovação da redação GGN.

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