Armando Coelho Neto
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.
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Na esquerda consentida, o desafio de Lula em ser ele mesmo, por Armando Coelho Neto

As cenas isoladas desse texto estão longe de esgotar os desafios, os sombrios bastidores que norteiam o restrito consenso sobre a volta de Lula

Ricardo Stuckert

Na esquerda consentida, o desafio de Lula em ser ele mesmo

por Armando Rodrigues Coelho Neto

Não está fácil nem vai ser. Se dependesse da opinião deste “pitaqueiro” informal do GGN, Lula teria ido para casa após a posse e desfrutar, com a alma lavada, a sua reabilitação moral. Houve quem o julgasse morto e muitos literalmente morto. Mas “quem traz no corpo essa marca possui a estranha mania de ter Fé na vida” (Milton Nascimento) e como no Hino Nacional, “Verás que um filho teu não foge à luta”.

Urdido na luta ele não sai da luta, enfrenta o vício errático das Forças Armadas que nunca entenderam o seu verdadeiro papel constitucional, com subvertido viés de proteger os interesses das “elites”, as quais jamais aceitariam que o Brasil se tornasse sequer uma Dinamarca ou Finlândia. O que querem mesmo é Casa Grande e Senzala, quiçá tornemos um Haiti em nome do combate ao comunismo.

A redenção de Lula coincide com a do Supremo Tribunal Federal, antes ameaçado por generais pilantras e acovardado pela pressão da mídia corporativa, em especial pelo cenário de esgoto do Jornal Nacional (Globo). É o Supremo que temos para hoje, a despeito do passado, que tenta suprir a abominável omissão da Procuradoria da República e do Congresso Nacional comprado com orçamento secreto.

Mas, Lula foi preso e solto por que o sistema (o tal “estado profundo”) e tentáculos internacionais consentiram. Para os mortais a pergunta de um milhão de dólares: quem move os fios? Quem aciona a “casa das máquinas” do condomínio chamado Brasil, no qual o povo é limitado a trocar o sindico de um condomínio de outrem. Eis o choque de realidade de quem não entende o conflito entre o ideal e o possível.

Nesse contexto, presumo bastidores e restrições para um líder que nem o selo das urnas liberta. A solitária imagem do guerreiro José Dirceu durante a posse sugere um pouco a dimensão do obscuro. Biden, repita-se, atormentado por Trump, diz sim a Lula, mesmo sabendo o que ele pensa sobre soberania e a guerra por procuração dos EUA contra a Rússia, via OTAN, tendo como palco uma Ucrânia neonazista.

Lula exsurge como esperança, tendo pela frente (ou por trás) militares guardiões das “elites”, bem representadas pela meritocracia do Grupo Americanas, com seu rombo de R$ 43 bilhões. Faz parte da agonia social presente nas joias da ex-primeira-dama, apreendidas pela Receita Federal e as tentativas de liberação por meio de tráfico de influência. O procurador Augusto Aras soube disso?

Os donos do capital, a despeito do discurso de eficiência, vivem de socorros de Proer, de Refis, Refis de Refis e outras generosidades do Estado. São os adeptos do capitalismo sem riscos, dependentes do estado, que o querem mínimo (só para eles, claro). São eles que querem definir o que é melhor para os pobres, responsabilidade fiscal com responsabilidade social zero.

O grupo Americanas também deixa nu o Brasil de capitalistas sem capital e latifundiários sem quintal – mentalidade vigente na classe média e parte da classe pobre, que tem medo do comunismo pois “vão perder tudo” mesmo tendo nada. Mas, como ensinam os pastores, “não tem mas poderá ter, e se o comunismo chegar nunca o terá”. Portanto, a luta é para garantir o direito de ter.

É simbólica a simpatia do pobre pela arma que nunca vai poder comprar. Isso torna maior o desafio de conquistar corações e mentes. A esquerda tem que lutar contra algoritmos das redes sociais, um terreno onde ela engatinha e a direita surfa. Precisa voltar às comunidades – das favelas da pisadinha às universidades onde calouros são hoje recebidos com o carnê da formatura, que titia ou vovó vão pagar.

A junção Forças Armadas-Americanas simboliza com primor o que o sociólogo Jessé de Souza chama de elite do atraso, e que pode dar resposta sobre quem move os fios. Com os maiores juros do planeta, querem definir o que é bom para o povo. É ela que se entende e se desentende, a ponto de, ainda que com ranhuras, concorde que Lula volte ao Palácio do Planalto – versão urnas limpinhas e cheirosas.

Mesmo sob selo das urnas paira no ar o mistério sobre os motivos que levaram o sistema a aceitar a volta do Lula, que enfrenta resistência em quarteis e grupos empresariais, ambos favorecidos nas gestões anteriores ao golpe de 2016, com Temer e até fim de 2022 e pelo ex-capitão banido nas urnas. Nada perderam e sim ganharam, mas o problema é o pobre nos açougues, aeroportos e faculdades.

Lula tem pela frente a bancada fascista de plantão e um Banco Central com números maquiados, sob supervisão de auditores tão eficientes quanto os da Americanas. Como dito, Lula poderia estar em casa, mas abraçou a luta e seu desafio será ser ele mesmo no exercício de uma esquerda consentida, se é que ainda pode ser assim chamado, mesmo que na paranoia militar ele represente uma ameaça comunista.

A lua de mel dos cem dias já não está tão doce. As cenas isoladas desse texto estão longe de esgotar os desafios, os sombrios bastidores que norteiam o restrito consenso sobre a volta de Lula, ainda que o ex-capitão tenha sido ruim demais. A elite do atraso não dá ponto sem nó. E, na impossibilidade do ideal, com o desconfiômetro ligado, resta torcer pelo possível.

Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

Armando Coelho Neto

Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.

5 Comentários

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  1. A PROPÓSITO DA GUERRA RUSSA UCRANIANA, ELA NÃO COMEÇOU NO ANO PASSADO COMO PENSAM OS MAIS APRESSADOS. TUDO COMEÇOU COM A DERROCADA DA EX URSS LÁ PELO FIM DE 1991. COM O FIM DO PACTO DE VARSÓVIA, O MESMO DEVERIA ACONTECER COM A OTAN. SÓ QUE OS AMERICANOS E SEUS ALIADOS EUROPEUS, RESOLVERAM NÃO SÓ MANTÊ-LA COMO EXPANDI-LA COOPTANDO PAÍSES DO LESTE EUROPEU. O QUE NA PRÁTICA, TRANSFORMOU A OTAN EM OTAR (ORGANIZAÇÃO DO TRATADO ANTI RUSSIA). ASSIM FOI DADO O PRIMEIRO PASSO PARA CERCAR AS FRONTEIRAS DA RUSSIA E O PRIMEIRO ATO DA FUTURA GUERRA RUSSA UCRANIANA. UMA VEZ CERCADA POR PAÍSES DA OTAR, RESTANDO APENAS PARA COMPLETAR O CERCO A ADESÃO DA UCRÂNIA À OTAN. SENDO A FRONTEIRA COM A UCRÂNIA A MAIS EXTENSA E MAIS SENSÍVEL FACE A EXISTÊNCIA DE POPULAÇÕES DE ORIGEM RUSSA, A RUSSIA SENTIU-SE EM SITUAÇÃO DE GRANDE PERIGO, CASO A ADESÃO DA UCRÂNIA SE CONCRETIZASSE. É SABIDO QUE AO INVADIR A UCRÂNIA, A RUSSIA VIOLOU OS ACORDOS INTERNACIONAIS, MAS UMA PERGUNTA SE FAZ NECESSÁRIA NESTE CONTEXTO: QUAL PAÍS QUE CERCADO POR INIMIGOS NAS SUAS PRINCIPAIS FRONTEIRAS EXCETO UM,E O MAIS IMPORTANTE, REAGIRIA DIANTE DE UM CERCO IMINENTE? SE AO INVÉS DA RUSSIA FOSSE OS EUA QUAL SERIA A REAÇÃO? BASTA LEMBRAMOS A REAÇÃO DELES NA CRISE DOS FOGUETES EM CUBA. EMBORA TIVESSEM FOGUETES INSTALADOS NA TURKIA APONTADOS PARA URSS, ELES NÃO ACEITARAM OS FOGUETES EM CUBA E FIZERAM BLOQUEIO TOTAL A CUBA QUE DURA ATÉ OS DIAS ATUAIS. QUE INVADIRAM O IRAQUE SOB PRETEXTO INFUNDADO, DO MESMO TER ARMAS QUÍMICAS. DIZ O DITO POPULAR QUE GATO ESCALDADO TEM MEDO DE ÁGUA FRIA. POIS BEM, A RUSSIA JÁ FOI INVADIDA PELOS SUECOS, FRANCESES, ALEMÃES. OUTRA PERGUNTA IMPORTANTE É: ALGUM PAIS DA OTAN JÁ SOFREU ALGUMA INTERVENÇÃO? NÃO! MAS A OTAN JÁ INTERVIU NO IRAQUE, SÍRIA,EGITO, AFEGANISTÃO, LÍBIA, SERVIA ETC. ELES E OS RUSSOS COMETERAM OS MESMO PECADOS, NÃO ADIANTA POSAR DE CUMPRIDOR DAS LEIS INTERNACIONAIS.

  2. Belo texto,Armando. De causar constrangimento e perplexidade a leniência do sistema persecutório brasileiro com os bandidos da direita.
    Não há UM sequer preso ou condenado. Algum bagrinho para alimentar a mídia obsequiosa.
    O barões ladrões das Americanas levaram quase 50 bilhões, isentos de impostos, golpearam a Eletrobras com a superficial crítica midiática.
    Essa está preocupada com a gastança do Bolsa Família um percentual menor na trasnferência ao andar de cima via BC.
    A tampa do esgoto aberta deixa à vista os horrores do desgoverno genocida, de tudo um pouco: dos escândalos dos cartões corporativos à retribuição pela entrega de refinaria.
    Como se sabe, ” as instituições estão funcionando” como sempre.
    Saiu, como rodou na rede, um balão de ensaio: não há condições de prender o demente. 700.000 vítimas da covid, o genocídio de um povo inteiro, a tomada de instituições em benefício dos parentes e amigos e outras diversas mumunhas não são o bastante.

  3. Maravilhoso texto, como sempre, tens o dom de apreender a realidade com facilidade…
    Por outro lado tenho dificuldade de aceitar o termo: “Esquerda Consentida”, é muito poder que vc transfere para a DIREITA…
    Não sobra nada para NÓS?!

  4. Armando disse tudo.
    Nesse triste país a cidadania plena jamais existiu para a esmagadora maioria da população. Penso que a maior vitória das elites e seus feitores foi inculcar na mente dos miseráveis, pobres e remediados aquilo que o articulista ressaltou: o medo pânico de qualquer transformação social. Então, temos isso: a grande mídia ataca sem piedade o governo recém empossado para defender a “liberdade”, a “isenção” e outras patacoadas, do Banco Central.

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