O declínio e queda de um vilão lavajateiro, por Fábio de Oliveira Ribeiro

No auge da Lava Jato, Deltan Dallagnol era retratado de maneira extremamente positiva pela imprensa antipetista.

Fernando Frazão – Agência Brasil

O declínio e queda de um vilão lavajateiro

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Não entrarei aqui no mérito da decisão proferida pelo TSE que determinou a cassação do mandato do deputado Deltan Dallagnol. A controvérsia jurídica não existe, pois a decisão foi unânime. Caso se sinta prejudicado, o deputado cassado poderá recorrer ao STF. Mas para obter uma nova decisão o advogado dele terá que demonstrar satisfatoriamente que interessa à Suprema Corte conhecer e julgar um caso que me parece constitucionalmente irrelevante. Se existir, a violação da constituição foi reflexa e não compete ao STF reexaminar o caso sob a ótica de uma eventual interpretação inadequada da Lei da Ficha Limpa.

O que me desperta atenção no caso Dallagnol é a semelhança dele com dois episódios históricos.

Na carta que enviou ao rei de Portugal em 10 de junho de 1555, D. Duarte da Costa narra a guera contra os índios na Bahia. Após as tropas dos colonos atacarem e incendiarem algumas molocas, informa D. Duarte da Costa que, temerosos do que lhes podia acontecer, os indígenas “… da banda de Tapoaam me mandarom dizer, que elles nom forom os que fizerom o mal, que nom quisesse bolir com elles, que nos guardarião as nossas Roças; e por se mostrarem muito amigos, me trouxerom loguo alguns Escravos, que faltavam, e queimaram algumas Aldeas dos que começarom a guerra, que estavão despovoadas: Eu lhe tenho por agora concedido paz pera despois do Socidimento da Guerra a assentar com as condições que bem parecerem.” (Historia Geral do Brasil, volume 1, Francisdo Adolfo Vernhagen, Edições Melhoramentos, São Paulo, 1948, p. 346)

Quando os holandeses invadiram o nordeste da colônia, acreditando que poderiam enriquecer, vários brasileiros preferiram se bandear para o lado dos invasores. Alguns deles pegaram empréstimos da West-Indische Compagnie ou WIC  para comprar engenhos de açúcar que haviam sido expropriados dos brasileiros pelas tropas batavas. Após a derrota de Nassau, muitos deles sofreram represálias duríssimas, inclusive por intolerância religiosa.

“… O vício de certa indiferença religiosa converteu-se em fanatismo contra os protestantes e judeus. O padre Manuel de Morais, filho de São Paulo, e que, sendo jesuíta, se fizera calvinista, e se casara com mulheres dessa seira, pelo que fora já queimado em estátua na inquisição de Lisboa no auto de 06 de abril de 1642, apresentando-se arrependido aos restauradores de Pernambuco, e sendo por estes recomendado á Corte, foi condenado a hábito perpetuo, sem remissão, com fogos, e suspenso para sempre das ordens, no auto de 15 de Dezembro de 1647, em que saíram condenados por judaísmo mais cinco moradores de Pernambuco. Em 1644 haviam sido relaxados em estátua mais dois colonos da mesma província, Manuel Rodrigues Monsanto e Pedro Álvares da Fonseca, ‘ausentes nas partes do Norte’.” (Historia Geral do Brasil, volume 3, Francisdo Adolfo Vernhagen, Edições Melhoramentos, São Paulo, 1948, p. 94)

No auge da Lava Jato, Deltan Dallagnol era retratado de maneira extremamente positiva pela imprensa antipetista. Ele viajava frequentemente para os EUA e era recebido por autoridades do FBI e do DOJ como se fosse uma espécie de administrador brasileiro dos interesses norte-americanos no Brasil. O ex-procurador firmou acordos com seus colegas estrangeiros como se pudesse usurpar a competência do Itamaraty e ignorar a competência do Ministério da Justiça.

Os índios de Tapoaam que se submeteram a D. Duarte da Costa foram assimilados e desapareceram nas brumas da História do Brasil. Os descendentes deles perambulam pelo país e provavelmente não sabem o papel que os ancestrais deles desempenharam em 1555. Caso tivessem combatido os colonos a sorte de D. Duarte da Costa poderia ter sido diferente. Como vários brasileiros que preferiram negociar com os holandeses e se aproveitar da desgraça dos brasileiros que tiveram seus engenhos confiscados e vendidos pela West-Indische Compagnie, o padre Manuel de Morais foi tratado como um traidor da fé católica, da Coroa portuguesa e da colônia. A história dele continuará a ser contada como um exemplo deprimente de conduta que não deveria ser imitada pelos brasileiros.

Agora que caiu em desgraça, Deltan Dallagnol provavelmente será ignorado pelos norte-americanos. Para a Embaixada dos EUA, que está tendo que se esforçar bastante para reparar o mal que fez ao Brasil ao instigar o golpe de estado de 2016, o ex-procurador e ex-deputado federal não existe. Nem o DOJ nem o FBI podem fazer qualquer coisa para salvar a carreira de Deltan Dallagnol. A imprensa não pode mais tratá-lo como um herói, porque para fazer isso teria que atacar ferozmente o TSE.

Durante algum tempo, Dallagnol será achincalhado na internet pela esquerda. Ele fez por merecer, pois quando liderava a Lava Jato e perseguia Lula ele agiu de maneira extremamente arrogante. Mas depois de algum tempo, Deltan desaparecerá nas brumas da história dos memes. Apenas alguns evangélicos continuarão a defender o legado infernal do procurador-pastor lavajateiro. Adeptos da teologia do sucesso, a maioria dos pastores evangélicos vai rapidamente se afastar de Deltan Dallagnol. Ele fracassou e não tem mais nada a oferecer a ninguém.

Deltan saiu do anonimato para entrar na história como um duplo moderno do padre Manuel de Morais. O futuro dele é carregar o peso extremo de um passado infame que será eterno.

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. A publicação do artigo dependerá de aprovação da redação GGN.

Fábio de Oliveira Ribeiro

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador