Poder, dano e quem toma conta do guardião, por Luís Antônio Waack Bambace

Hoje, o Conselho Nacional de Justiça, CNJ, só age quando há acusações formais contra alguém.

5.0.2

Poder, dano e quem toma conta do guardião

por Luís Antônio Waack Bambace

     Problemas gerados por juízes de má índole são muito antigos, são inclusive tratados na Bíblia no livro do profeta Daniel, capítulo 13, que fala deste fazendo os juízes darem testemunho em separado do ocorrido, e perguntando debaixo de que árvore cada um dos dois tinha visto a cena, mostrou que ambos mentiam. Fossem as duas árvores uma do lado da outra, seria difícil caracterizar a mentira, mas se um lado do riacho só tivesse um tipo de árvore e do outro lado o outro tipo, e aí a inconsistência ficaria patente. Quem combina um depoimento, o faz nas linhas principais, detalhes podem ficar de fora, e aí o nível de inconsistência é crucial para ver se os testemunhos são verdadeiros ou falsos. Hoje usam-se em empresas tanto para decisões técnicas, como em auditorias e apuração de responsabilidades os indicadores de discordância, que em caso de concordância exageradamente alta, ou exageradamente baixa indicam claramente que o depoimento foi combinado, ou que há conluio em relação a uma opção técnica ou no caso do outro oposto que os estudos são muito preliminares e inconclusivos. Notar que o aumento abrupto de discordância quando se sai do que foi combinado, indica problemas. No Lucas 18, do Juiz iníquo, já se fala da pressão da viúva sobre tal juiz, que não temia nem a Deus nem aos homens. Uma dica que para que se garanta a boa ação de juízes eles devam temer a alguma coisa. Este evangelho também fala que a pressão altera a posição de juízes.

     Lá pelo final da década de 1960, circulou no boca a boca em Santos uma estória que nunca soube se era verdadeira ou não. Podia por exemplo ser uma acusação falsa para sacanear com algum juiz. Nesta estória dizia-se que advogados ficavam na porta do INPS na época, para aliciar quem tivesse negados benefícios de aposentadoria por invalidez e licenças. Aí o processo ia para o judiciário, e o juiz amigo dos advogados nomeava alguém para dar o voto de minerva quanto a questão médica, e claro, quem do esquema dava o voto, dava sempre contra o INPS. Isto apesar do segurado ter antes passado por um perito, não concordando por uma junta médica local e depois numa segunda junta médica em São Paulo. Caso a estória seja verdadeira, seria possível a este juiz, manter o esquema se quando o recurso chegasse a uma instância superior, este o fosse julgado com isenção? Fossem sorteados os juízes que julgariam o recurso, cairia ou não a chance de um eventual esquema destes acorrer? Fossem sorteados os tribunais federais ou estaduais de recurso, cairiam ou não os abusos, caso ocorram, em varas criminais e cíveis federais ou estaduais? É a questão do artigo de 1981, Quem toma conta do guardião, de Leonid Hurwicz, Nobel de economia de 2007, junto com Myerson e Maskin, que fizeram trabalhos complementares à ideia original. Com produto de risco de falha e perda em caso de falha de uma ação dividido pelo produto da chance de sucesso desta ação pelo ganho neste caso menor que um, toda e qualquer pessoa racional evita a ação. Aí apenas as pessoas não racionais ou sem meios efetivos para avaliar a situação vão fazer a ação se este indicador for menor que um. Caso a estória de Santos seja verdadeira, ela deve ter gerado a perda de dezenas de atendimentos face a peritos terem de ir aos fóruns e lá permanecerem muito tempo durante a análise dos eventuais processos.

     Infelizmente só 20% das pessoas são incorruptíveis, 20% das pessoas são absolutamente corruptas e só são contidas quando vem que não tem como se dar bem ao fazer algo errado, os outros 60% nada fazem errado a menos que pressionados, e esta parte é distribuída igualmente entre os que só fazem algo errado com muita pressão, com pressão média e pressão baixa. A seleção de uma entidade faz seu total de corruptos cair, só que ainda não se conhece um método de curto prazo capaz de fazer a taxa de corruptos cair a menos 5%. Quando se restringe o acesso a posições-chave pela exigência de longo histórico de carreira as coisas melhoram, se quem promove é sério e tem pleno acesso ao histórico do candidato. Aí vem a estória das Bics levadas para casa contra a canetada do chefão da Enron, a gigante de energia norte americana, cujas fraudes administrativas geraram US$ 25 bilhões em perdas de acionistas minoritários, e ainda 13 bilhões em dívidas não pagas aos credores, conforme o site Metrópoles. Segundo este site, em 2002, na esteira do escândalo que liquidou a Enron, o Congresso americano aprovou o Sarbanes-Oxley Act (SOX), alterando o Código de Ética do Conselho de Normas de Contabilidade Financeira. Como uma caneta Bic pouco vale e um balanço fraudado, ou um pagamento indevido são estragos bem maiores, no caso da Enron as perdas comprariam na Kalunga hoje, 172 bilhões de canetas Bic, por isto se diz que 98% das fraudes são de pessoas sem poder e face a isto respondem só por 2% das perdas das empresas, mas os 2% restantes, feitos por poderosos, geram 98% das perdas. Assim, é necessário melhorar tanto mais os mecanismos de fiscalização e controle, quanto mais poder uma pessoa tiver seja numa empresa, seja na esfera pública. E aí só há um caminho: combinar a redução de ganhos de quem age mal com o aumento de risco para quem age assim. São as corregedorias da polícia, as câmeras em uniformes de policiais, os GPS nas viaturas que impedem o policial de dizer que está longe da ocorrência quando isto não ocorre de fato.

     Hoje, o Conselho Nacional de Justiça, CNJ, só age quando há acusações formais contra alguém. Não há no seu regulamento nada sobre busca ativa de problemas dentro do judiciário. O CNJ poderia usar múltiplos indicadores de discordância, avaliar se algum deles não se aplica a situação com métodos estatísticos como o método de Kendall, criado para avaliar a lisura de juízes de concursos de vinhos e afins. Havendo alta chance de problemas, este órgão investigaria o caso, para depurar o judiciário. Aí talvez as pessoas de má-fé, medindo ganhos e riscos, deixassem o órgão onde trabalham em busca de um lugar onde fosse mais fácil fazer malandragens. Algo que deve acontecer hoje, já que estas pessoas podem se sentir atraídas por oportunidades, mas num nível muito menor do que se estas se sentissem com dificuldades para usar indevidamente de seu poder. Nos USA há decisões via tribunal de juri até em algumas questões cíveis, como indica o filme de Gary Fleder: O Juri, sobre fazer a indústria de armas indenizar as famílias das vítimas de um massacre. Nas empresas se procura maximizar o número de cargos que um grupo de má-fé tem de ocupar para ter controle de situações o suficiente para cometer desvios. É o análogo à distância de Hamming em telecomunicações. Estoque, recebimento e despacho de cargas na mão de um grupo de amigos é um risco, mas se valores a receber, caixa e pagamento forem de outro grupo, pode ser que numa destas 3 áreas se detecte o problema. Duas instâncias e independência do Ministério Público, MP, exigem ao menos 3 pessoas em comum acordo. Instâncias independentes no MP em diferentes fazes do processo reduziriam o risco de problemas?

     Outro item crítico para nosso país são leis que não separam o joio do trigo. Será que o joio do sujeito que bate no peito dizendo-se o esperto que invadiu terras públicas, expulsou índio a bala, obteve ilegalmente titulação da terra, diz que nunca plantou nada mas espera ganhar com a venda da terra e vai expulsar a bala quem quer que seja que tente invadir sua terra, pode ser tratado como o trigo do coitado que foi no cartório e comprou um sítio de alguém que fez algo errado há 30 anos? Se isto ocorrer, os otários que compraram terras de boa fé vão se aliar aos malandros para não serem prejudicados e o país vai ficar dividido. Como a responsabilidade do sistema cartorário é do estado, se alguém comprou de boa fé a terra, devidamente registrada como de outrem no cartório, o estado deve indenizar esta pessoa não só pelas benfeitorias, como pelo valor pago pela terra. Garantido isto, se isola as pessoas de má-fé e torna-se mais fácil coibir os malandros em tantos esquemas ilegais relacionados ao uso da terra. Se a lei é mal formulada, o judiciário fica em situação difícil, pode ser mal avaliado pela população por mais correta que seja sua decisão. Este é um exemplo, mas há muitos outros no nosso país que merecem, sob uma ótica similar, um olhar mais atento da imprensa, legislativo e judiciário. Temos de nos lembrar que os maiores abusos de poder ao longo da história sempre foram do executivo, Nero, Calígula, Eduardo I (Inglaterra na época do Willian Wallace do filme Coração Valente), Hitler, Stalin (bloqueios e fome que levaram 3 milhões de pessoas a morte na Ucrânia), Mussolini, e outros tiranos pelo mundo afora. Países onde a população confiava em seu judiciário contiveram seus candidatos a tiranos. Por isto é importante que cada dia mais se aperfeiçoe o judiciário, melhorando suas decisões, para que a população confie nele, despeito do crescimento da manipulação da opinião pública nas redes sociais, com as fake news.

Luís Antônio Waack Bambace – Eng. Mecânico, PhD em Aerodinâmica Propulsão e Energia.

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