Somos professores/as: somos traficantes, por Alexandre Filordi

Lembremo-nos de algo básico:  ações e falas de deputados concernem também aos representantes que o elegeram.

(La lectrice soumise [René Magritte 1928])

Somos professores/as: somos traficantes

por Alexandre Filordi

A sabedoria tende a ser astuciosa: colhe na maldade intenções outras; enxerga no impropério a fragilidade mesquinha de quem enuncia o que é baixo, vil e tacanho. Questões de sutilezas contra qualquer identificação reacionária.

É preciso um pouco de sabedoria para não nos desesperamos com o seguinte absurdo: “Professores são piores que traficantes!”, dito pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro. Lembremo-nos de algo básico:  ações e falas de deputados concernem também aos representantes que o elegeram. A sua fala representa, portanto.

Por outro lado, com sabedoria, temos de celebrá-la. De fato, sob aqueles que representam um regime ditatorial, fascista, onde se defende a tortura e a morte; onde a ignorância é semeada contra o conhecimento, ao ponto de a terra ser plana, vacina ser considerada um mal e armas pessoais vendidas como se fossem bolinhas de gude;  em uma perspectiva política cujo bem público é substituído por interesses de devastação, grilagem, assassinatos de povos originários, ganhos imediatos etc., realmente, ser professor/a é ser pior que traficante.

A fala do deputado dá causa de conhecimento a todos/as professores/as que lutam contra o fascismo, a ditadura, o autoritarismo, o sexismo, a banalização da violência, a mentira, a ignorância, a tacanhice, o militarismo nas escolas, o empobrecimento da linguagem e sucessivamente.

Ocorre que, para tanto, temos de ser mesmo piores que traficantes, sabem por quê? Porque acabamos sendo perseguidos, punidos, vexados, cancelados, expostos, considerados a infecção quando, a bem da verdade, quem se habitua ao engodo e à ignorância, tal como um porco na lama, banha-se na conveniência da convenção dos absurdos. E aqui, é preciso ser pior que traficante.

Traficar, antes de qualquer parvo pensar que só tem a ver com negociata ilegal ou comércio de drogas ilícitas, corresponde a: “fazer negócio distante”; “estabelecer trocas de relações e de informações”; “fazer alguma coisa mais ou menos misteriosa”, segundo o dicionário francês Trésor. Já o dicionário de etimologia italiano nos ensina que traficar também é: “o que vem de fora”; “negociar o que está sob especulação”; “andar trabalhando em qualquer coisa se deslocando”.

Ora, para os que representam o irrepresentável do ponto de vista humano, não seria mesmo isto que nós professores/as fazemos? Tomamos a matéria distante do que não se conhece e criamos relações de informações sobre elas, fazendo delas algo mais ou menos misterioso, para ganhar sentido concreto para quem é formado/a, para que se saiba que o conhecimento se desloca para fora do que é fascista, violento, ignorante, inelegível e inominável. Negociamos sob a especulação crítica; trabalhamos em qualquer coisa que se desloca, que é sempre o conhecimento, a sabedoria e a emancipação.

Por isso mesmo somos sempre uma ameaça: onde a lei e a política são representadas pela ignorância, violência, banalização da morte e autoritarismo, a educação passa a ser considerada um perigo. Nesse caso, a comparação do/a professor/a ao traficante diz tudo, menos o que se quer dizer por quem jamais nos representará.

Alexandre Filordi – Psicanalista e Professor na UFLA/UNIFESP

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Redação

1 Comentário

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  1. O Eduardo ananinha, não conhece nada de magistério, mas com relação ao tráfico de drogas, ele deu a entender que conhece bem do assunto.

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