Cesar Locatelli
César Locatelli, economista, doutorando em Economia Política Mundial pela UFABC. Jornalista independente desde 2015.
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Saída de um falso debate, por Fernando Nogueira da Costa e César Locatelli

O dado à disposição dos membros do COPOM para a expectativa de inflação era 5,7% para 2023 e 3,9% para 2024.

Saída de um falso debate

por Fernando Nogueira da Costa e César Locatelli

O Banco Central levou a taxa básica de juros a 13,75% ao ano em agosto de do ano passado, quando o pior momento da inflação já tinha ficado para trás. Por razão eleitoreira, o então presidente já tinha mudado a regra de tributação dos combustíveis.

A inflação, acumulada em 12 meses, tinha ficado na casa dos 12% em abril, maio e junho. De lá para cá, dada a fácil sabedoria ex-post (e reconhecemos a dificuldade de decisões ex-ante), a inflação, sempre acumulada em 12 meses, veio de 10,07%, em julho, para 5,77% agora em janeiro.

A taxa de inflação caiu todos os meses. Essa queda, no entanto, não comoveu os membros do Comitê de Política Monetária (COPOM) e eles optaram por manter a taxa real esperada em 7,62%. Com uma taxa de juros de 13,75% e uma expectativa dos “analistas de mercado” para a inflação de 2023 em 5,7%, a “sobra acima da inflação”, para o investidor, será o citado valor.

A taxa Selic-mercado é a média para operações interbancárias de um dia, lastreadas em títulos públicos. O Banco Central participa destas operações, aumentando ou diminuindo a liquidez do sistema, com o objetivo de levar essa taxa média para o nível da taxa Selic-meta, anunciada pelo COPOM.

Na realidade, ao fixar a taxa de juro básica por um dia (overnight), o Banco Central determina o primeiro ponto de uma curva de juros. O mercado determina as demais taxas, para prazos maiores, ao estimar quais serão as sucessivas taxas de um dia, determinadas futuramente pela Autoridade Monetária.

A tarefa do Banco Central não é apenas determinar a taxa de um dia. Cuida para as taxas de juros em outros prazos favorecerem os investimentos produtivos: taxas mais altas para prazos mais longos, sem grandes degraus entre os diversos prazos.

Quando há grandes desvios nas taxas longas, em relação a taxa de um dia, os operadores do mercado financeiro, e a mídia por eles pautada, passam a apontar risco fiscal.

O quadro externo resumido pelos membros do COPOM, naquela reunião de agosto de 2022, era “o ambiente externo mantém-se adverso e volátil, com maiores revisões negativas para o crescimento global, em um ambiente inflacionário ainda pressionado”. Na última reunião, reconheceram o crescimento global esperado ser abaixo do potencial: “o ambiente inflacionário ainda segue desafiador, mas dados recentes sugerem alguma moderação na margem em diversos países”.

Ora, “o ambiente externo adverso e volátil com pressão inflacionária” de antes preocupava muito mais do que o “crescimento abaixo do potencial e moderação no ambiente inflacionário”. Isso, novamente, não os comoveu quanto à inflação importada ter sido ultrapassada.

No âmbito doméstico, conforme analisava o COPOM em agosto de 2022, “a atividade econômica seguia em crescimento com forte retomada no mercado de trabalho”. Além disso a inflação ao consumidor seguia “elevada, com alta disseminada entre vários componentes, se mostrando mais persistente que o antecipado”.

Na ata da reunião em janeiro de 2023, os diretores do Banco Central reconheceram: “a atividade doméstica segue corroborando o cenário de desaceleração do crescimento esperado pelo Comitê”. A inflação apresentava desaceleração e moderação na margem, mas continuaria elevada.

Ora, a taxa Selic média, nos últimos 20 anos, foi 11,45% ao ano com 113 meses acima e 127 meses abaixo dessa média. A média anual do IPCA no mesmo período foi de 5,97% ao ano. Portanto, a taxa de inflação (5,78% em 2022) já era a inercial – e não cabia a manutenção da mesma taxa de juro (13,75% aa). Desaceleração da atividade e moderação na margem da inflação também não foram suficientes para o COPOM resolver cortar um mísero basis point.

Apenas um aspecto da chamada Economia da Confiança não melhorou: a expectativa da inflação dos analistas de mercado ouvidos para a pesquisa Focus. Essa pesquisa semanal ainda apontava inflação acima do intervalo, de 3,25% mais ou menos 1,5%. Mas o problema aí estava no disparate de fixação dessa meta de inflação em cerca da metade da inercial histórica na economia brasileira!

Pior, em contexto global de Grande Depressão Inflacionária na economia global, o Diário Oficial da União de 24 de agosto de 2022 publicou a resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) de fixar em 3% a meta de inflação para 2025, com uma tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo, baixando-a das já exageradas 3,5% em 2023 e 3,25% em 2024. Já previam a derrota do candidato de extrema-direita à reeleição e deixaram uma bomba de efeito retardado para prejudicar o governo progressista eleito.

O dado à disposição dos membros do COPOM para a expectativa de inflação era 5,7% para 2023 e 3,9% para 2024. A expectativa de inflação dentro da meta para 2024 não foi suficiente para a decisão de baixar a taxa.

O IPCA de janeiro em 0,53% teve como responsáveis fatores fortuitos não justificadores do duro controle da demanda agregada: i. a chuva fez os alimentos contribuírem com 0,13% da inflação; ii. os transportes foram afetados por conta da alta de gasolina, etanol, ônibus e pedágios em alguns estados; iii. a comunicação, com reajustes de TV a cabo e combo (TV, internet, telefone), adicionou 0,1%; iv. despesas pessoais mais 0,08%.

A soma destes itens (0,42%) explica quase o IPCA inteiro de janeiro. A inflação não está pressionada. Questões climáticas e reajustes anuais parecem ser a maior parte dos componentes desse índice.

O índice de difusão dos não alimentícios caiu de 72%, em dezembro, para 61%, em janeiro. Significa menos alimentos terem sofrido alta em janeiro comparativamente a dezembro em sinal importante.

É um erro técnico cometido pelo Banco Central do Brasil usar o controle da demanda agregada para enfrentar quebra da oferta temporária. Foi o caso da inflação importada por quebra das cadeias produtivas e comerciais globais durante a pandemia.

A alta do juro básico, em situação de grande ociosidade da capacidade produtiva da economia, só se justificava por seu atraso ter provocado alta da cotação do dólar desde outubro de 2020. Isto apesar do Guedes ter queimado US$ 50 bilhões das reservas cambiais durante a centralização de todos os ministérios econômicos sob seu mandato imperial!

Recentemente, no governo Lula, o dólar comercial entrou em queda, com o clima positivo no exterior favorecendo a busca por ativos de risco e impulsionando o real. A moeda americana foi negociada a R$ 4,6076, menor nível desde 4 de março de 2020, antes do anúncio do distanciamento social.

No fim do mês, o Banco Central divulgou o gasto do governo geral com juros em 2022: R$ 586 bilhões. Juros abusivos não só prejudicam a alavancagem financeira do aumento de escala produtiva da economia brasileira, mas aumentam também o déficit nominal, ou seja, a demanda governamental sobre o mercado financeiro para rolagem da dívida pública.

Mas a política monetária é assimétrica. Ela é uma arma poderosa para provocar recessão e, supostamente, controlar a demanda agregada no combate à inflação. Porém, é ineficaz para tirar a economia de uma recessão ao baixar as taxas para estimular o ciclo de novo.

A variação da taxa básica dos juros tem poucos efeitos sobre o nível de empréstimos bancários porque no mercado de crédito acontece o inverso da Lei de Say: a oferta de dinheiro farto e barato não cria sua própria demanda, caso as empresas não-financeiras não tenham projeto de investimento! Por isso, a verdadeira opção seria o uso da política fiscal para a busca do pleno emprego.

O Conselho Monetário Nacional (CMN) é o órgão superior do Sistema Financeiro Nacional e tem a responsabilidade de formular a política da moeda e do crédito, objetivando a estabilidade da moeda e o desenvolvimento econômico e social do País. Durante a tentativa de um desgoverno ultraliberal fazer o desmanche do Estado brasileiro, em nome de sua ideologia do Estado mínimo e anacrônico laissez-faire, sua composição ficou reduzida ao Ministro da Economia (presidente do Conselho) e dois prepostos: o Presidente do Banco Central e o Secretário Especial de Política Econômica.

Na reformulação da área econômica, para um novo governo social-desenvolvimentista, não se deve repetir o erro de descoordenação dos instrumentos de política econômica, cada qual sob um “núcleo de poder discricionário”. Os novos ministros da Fazenda, Planejamento, Indústria e Comércio deveriam se reunir ao presidente do Banco Central, e aos presidentes do BNDES, Banco do Brasil e Caixa (apenas com direito de voz), em um Conselho Monetário e Fiscal Nacional (CMFN) para elaboração conjunta da estratégia de política econômica em favor da retomada do crescimento econômico sustentado (e ambientalmente sustentável) em longo prazo.

Política fiscal, política monetária, política cambial e política de crédito deveriam em conjunto se dirigir nesse sentido de alcance de meta de crescimento, também ‘atribuição do Banco Central autônomo. O CMFN não deixaria de observar se as variações de contexto inflacionário propiciam manter a inflação sob controle no atual patamar inercial em vez de forçá-la a uma baixa artificial.

Foi eleito um Projeto Social-Desenvolvimentista para salvar o Brasil. Para o debate público sobre a política econômico-financeira não ficar restrita à alternativa reducionista binária entre política monetária ou política fiscal, devemos sair do falso dilema entre responsabilidade social ou responsabilidade fiscal com o “terceiro incluído”, no caso, a política de crédito direcionado pelos bancos públicos.

Além da Caixa financiar o investimento na construção civil de habitações populares, empregadora de mão-de-obra de baixa renda, e a urbanização das favelas, o BNDES poderá priorizar o financiamento de um programa massivo, com planejamento conveniado entre os entes governamentais dos distintos níveis (municipais, estaduais e a União), para o saneamento urbano e a mobilidade nas cidades (BRTs, metrôs e trens urbanos). Ambos têm demanda firme, independentemente de expectativas conjunturais pessimistas.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

Cesar Locatelli

César Locatelli, economista, doutorando em Economia Política Mundial pela UFABC. Jornalista independente desde 2015.

2 Comentários

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  1. Se eu tivesse milhões de sobras em dinheiro onde eu pudesse aplicar despreocupadamente a juros de 14% ao ano, com garantia estatal de remuneração, num ambiente de inflação baixa, eu não só não levantaria a bunda do sofá para nada como também faria tudo para manter esse ambiente para meu dinheiro dar cria. Trabalhar pra quê? Investir no social? Rá.

  2. O PAÍS IDEAL PARA A PLUTOCRACIA FINANCEIRA É AQUELE QUE COMBINA JUROS ALTOS COM INFLAÇÃO BAIXA. O BRASIL É QUASE ISSO. O PRIMEIRO ITEM DA COMBINAÇÃO O MERCADO JÁ TEM, O SEGUNDO É QUE ESTÁ UM POUCO DIFÍCIL DE ACERTAR. MAS NÃO SE PODE NEGAR QUE FALTE EMPENHO AOS DIRETORES DO BCB PARA DOMAR A FEBRE INFLACIONÁRIA E ASSIM, ATINGIR A COMBINAÇÃO SONHADA PELO SEU AMO.QUANTO AO DESENVOLVIMENTO DO BRASIL, PARA O MERCADO NÃO TEM A MENOR IMPORTÂNCIA, DEVE SER COISA DE COMUNISTA.

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