As lágrimas de Barack Obama, a imprensa e a crise hegeliana ocidental

Por Fábio de Oliveira Ribeiro

O discurso emocionado feito pelo presidente dos EUA ao anunciar restrições ao comércio e porte de armas de fogo despertou grande admiração no Brasil. Obama foi descrito como um ser humano maravilhoso, humanista incomparável, homem digno do Nobel da Paz que recebeu, um exemplo a ser seguido, estadista capaz de emocionar as multidões, etc… A lista de elogios a César é grande.

Quando Dilma Rousseff lembrou, em lágrimas, as torturas que recebeu durante a Ditadura – regime que foi metodicamente construído pela CIA no Brasil – os jornalistas reagiram de maneira diferente. A presidenta do Brasil foi ignorada e até mesmo desdenhada pelos jornalistas.

As lágrimas do patrão são sempre mais valiosas do que as de alguém considerada subalterna a ele?

No mesmo dia que Obama chorou nos EUA, com grande repercussão no Brasil, foi anunciado o fim dos famigerados Autos de Resistência. A notícia deveria provocar lágrimas de alegria nos jornalistas, pois aqueles documentos vinham sendo utilizados para acobertar e legitimar milhares de assassinatos cometidos por policiais em serviço. A boa nova, porém, foi recebida com frieza por alguns veículos de comunicação. A imprensa raramente se preocupa com os familiares das vítimas fatais da violência policial.

Brasileiros pobres, pretos, pardos e favelados não são seres humanos?

São, mas os jornalistas tem mais o que fazer. As prioridades deles são outras. Isto explica, por exemplo, porque ninguém foi capaz de lembrar que Obama nunca derramou lágrimas pelas centenas de crianças mortas no Paquistão por ataques de Drones que a administração dele autorizou. A hecatombe da infância na Síria, em parte provocada por terroristas que foram treinados, armados e remunerados pelos EUA, também foi convenientemente esquecida. 

Até em relação às lágrimas o mercado é desigual. Algumas delas tem muito valor. Outras são irrelevantes. E a maioria deve ser silenciosamente esquecida. Se há um problema histórico, este sem dúvida é o avanço da barbárie.

Não sou um grande fã de Georg Wilhelm Friedrich Hegel, mas respeito muito uma declaração feita por ele no livro Filosofia do Direito:

“La realidade objetiva del Derecho consiste, parte em ser para la conciencia, en general, un llegar a ser conocido; y, parte, en tener la fuerza de la realidad y ser válido, y por lo tanto, ser conocido también como lo universalmente válido.” (Filosofia Del Derecho, Guillermo Federico Hégel, editorial Claridad, Buenos Aires, 1955, p. 183)

Ao reconhecer as lágrimas de Obama em prol das vítimas norte-americanas das armas de foto, omitir as lágrimas das vítimas do governo dele no Paquistão e na Síria e dar bem pouca importância às lágrimas de Dilma Rousseff e das vítimas da violência policial no Brasil no momento em que os Autos de Resistência foram banidos, a imprensa brasileira fomenta a barbárie. Os jornalistas não reconhecem a existência de um só direito (aquele outorgado a todos os seres humanos pela ONU), não o considera válido em todos os lugares da mesma forma e ao invés de universalizar um único princípio civilizatório, eles conspiram para que alguns seres humanos sejam privados dos mesmos direitos que são atribuídos às lagrimas a outros.

Se há uma crise no ocidente, esta crise não foi provocada pela esquerda. Nem por Karl Marx ou pelos marxistas. A crise em curso foi chocada na imprensa a partir do momento que os jornalistas deixaram de entender e de aplicar um conceito hegeliano absolutamente trivial. 

Ilustração de Renato Aroeira

Fábio de Oliveira Ribeiro

6 Comentários

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  1. E pelo que se viu, foram

    E pelo que se viu, foram lagrimas forçadas, como um ator.

    Obama é um ator. É visível em sua oratória que é  progamado. 

    Em época de campanha e marketing politico as lágrimas são um trunfo poderoso em meio a ignorância  dos politicos daquelas bandas. 

  2. Autos de Resistência

    Como bem denunciou Anistia Internacional, a nova nomenclatura, visando substituir os famigerados “Autos de Resistência”, não resolve a questão de base, que é a noção de resistência.

    “Essa medida reforça e mantém todos os pressupostos e a lógica que estava por trás dos antigos registros de autos de resistência. Quando você lê a íntegra da resolução, você vê que a nova nomenclatura dada por eles, que é “homicídio em decorrência de oposição à intervenção policial”, você troca seis por meia dúzia. Você tira “autos de resistência”, mas coloca “oposição”. Ou seja, você continua, no termo do registro daquela morte, mantendo o pressuposto de que aquela vitima de alguma forma se opôs ou resistiu à morte pela polícia antes que tenha havido qualquer investigação”. (Entrevista de Renata Neder à Revista Brasileiros, http://brasileiros.com.br/2016/01/anistia-internacional-nova-resolucao-mantem-logica-dos-autos-de-resistencia/)

     

  3. um homem pode chorar

    um homem pode chorar sinceramente,

    embora a estrutura burocrática armamentista

    dos eua  não esteja nem aí para  sentimentos de respeito

    aos povos que invadiuno decorrer da história,

    com governos republicanos ou democratas….

    1. Não vi Marina Silva chorar

      Não vi Marina Silva chorar por causa da tragédia em Mariana acusando os donos da Samarco pelo estrago ecológico que eles provocaram? E você? 

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