Teologia do domínio e anistia em causa própria: TVGGN analisa os impactos do ato pró-Bolsonaro

Para professores, assistimos no último domingo a emergência do neopentecostalismo e da teologia do domínio na política brasileira.

Crédito: Paulo Pinto/ Agência Brasil

O programa TVGGN 20H, desta segunda-feira (26), recebeu o professor e escritor João Cezar de Castro Rocha, autor do livro “Bolsonarismo: Da guerra cultural ao terrorismo doméstico“, e o coordenador do Observatório de Política Externa da Universidade do Grande ABC, Gilberto Maringoni, para comentar o impacto do ato pró-Bolsonaro realizado na avenida Paulista no último domingo (25). 

João Rocha classificou o evento, que reuniu 185 mil apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), como preocupante, especialmente tendo em vista as declarações de cunho religioso, mas com objetivos bastante claros.  

“Assistimos ontem ao surgimento de um protagonista no movimento de massas representado pelo bolsonarismo. Não é mais a guerra cultural, não é mais uma memória nostálgica da ditadura militar. Nós assistimos ontem a emergência triunfal do neopentecostalismo e da teologia do domínio na política brasileira. É preciso todo cuidado do mundo”, adverte o entrevistado.

Para o professor e escritor, é preciso ter atenção ao discurso da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, que fez declarações como “no momento em que a religião e a política se afastaram, o mal surgiu”, pois uma vez em que existe a separação do bem e do mal, do justo contra o ímpio, surge uma forte conotação de que o “herege não tem direito de existir, porque ele é a metonímia do mal”.

Teologia do domínio

Rocha explica que um dos precursores da teologia do domínio foi Gary North, que definiu a estratégia em dois movimentos: aproveitar a liberdade de expressão religiosa garantido em todas as constituições modernas para angariar adeptos e, em seguida, interferir na política. 

Assim, o número de evangélicos na política em 1988, quando foi estabelecida a atual Constituição brasileira, era pequeno e eles não interferiram significativamente nas leis. 

Mas, 20 anos depois, em 1º de janeiro de 2008, o bispo Edir Macedo lançou um livro em que diz que o Deus do Antigo Testamento era um estadista e ressalta que os evangélicos somavam 40 milhões potencial que não deveria ser desperdiçado. 

De fato, a tentativa de dar uma narrativa heróica a partir da perseguição e religiosa ao atual momento de Jair Bolsonaro, que deve responder por uma série de crimes cometidos contra o País, inclusive uma tentativa de golpe de Estado, foi uma prova de que os bolsonaristas almejam a criação de um estado religioso. 

“É a primeira vez em uma manifestação política em que há uma declaração que contradiz frontalmente o princípio republicano. Nunca houve isso”, comentou Rocha. “Ontem, pela primeira vez, tivemos uma manifestação sendo convocada como ato político, tornou-se uma to prioritariamente neopentecostal de caráter fundamentalista”.

Causa própria

Um dos pontos que mais chamou a atenção de cientistas políticos e demais especialistas que analisaram o ato foi o pedido de anistia partindo do ex-presidente, momento em que Bolsonaro teria admitido a própria culpa no envolvimento com os atos golpistas e o conluio que planejou mantê-lo no poder, mesmo depois da derrota nas urnas em 2022. 

“Na verdade, ele está propondo a mesma anistia de 1979, que anistiou militares que não haviam sido investigados. Ele quer que a anistia seja dada como blindagem para evitar a investigação. Só pode anistiar quem cometeu crime. Quando ele pede anistia para si e para os outros, indiretamente ele está dizendo que cometeu o crime”, observa o escritor.

Isso porque, ao admitir que recebeu a minuta do golpe, mas que para colocá-la em prática seria preciso convocar o conselho, o ex-presidente afirmou com outras palavras que ele teve nas mãos a minuta do golpe, cujo objetivo era a decretação do estado de sítio. 

Não se pode subestimar

Coordenador do Observatório de Política Externa e professor da Universidade Federal do ABC, Gilberto Maringoni repetiu ao programa o que já havia dito em artigo publicado no site do GGN: não se pode subestimar o ato bolsonarista do último domingo.

Maringoni acompanhou in loco a manifestação, em que constatou que o ex-presidente está tentando usar a multidão para reverter o desgaste político e se manter um ator relevante mesmo sem mandato e inelegível até 2030. 

Segundo o professor, o comparecimento expressivo de apoiadores na Paulista serve como um recado de que se o Judiciário quiser prendê-lo, ele tem uma multidão atrás dele. 

“O discurso do Bolsonaro foi surpreendentemente bem estruturado vindo do Bolsonaro. Fala da infância, da trajetória, se mostrou como vítima e os últimos cinco minutos foram para colocar o miolo da apresentação, que é a questão da anistia para os pobres coitados que estavam no 8/1”, comentou o também professor. 

Para salvar a própria pele, o ex-presidente usou de outros atores para cumprir seus próprios papéis. Coube à esposa demonstrar fidelidade e fazer o apelo religioso. Já Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador de São Paulo, exaltou o peso político de  Bolsonaro, colocando-se até como potencial herdeiro político. 

Organizador do evento, a Silas Malafaia coube o papel de Bolsonaro, já que o guru intelectual do ex-presidente adotou um discurso mais agressivo, com xingamentos inclusive aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). 

Confira o programa na íntegra:

LEIA TAMBÉM:

Camila Bezerra

Jornalista

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Não existe doença política para o qual a legislação não ofereça um remédio. Hoje protocolei no TSE representação com o seguinte conteúdo:
    “I- No domingo 25 de fevereiro de 2024, vários políticos ligados ao PL participaram de um ato político na Avenida Paulista. Dentre eles se destaca a ex-primeira dama Michelle Bolsonaro. Ela proferiu um discurso incendiário dizendo textualmente que “política e religião devem se misturar” e que “o mal tomou conta quando ambas foram separadas”.

    II- Apesar de garantir a liberdade religiosa, o Brasil é um país laico cuja principal característica é a proibição expressa da União, Estados, Distrito Federal e Municípios estabelecer cultos religiosos (art. 19, I, da CF/88). A nenhum partido político deve ser conferído o direito de unir religião e política para “purificar religiosamente” o país ou tentar transformá-lo numa teocracia. Isso é absolutamente contrário ao pluralismo político e às garantias outorgadas aos outros partidos políticos, bem como aos cidadãos-eleitores que não professam (e não tem obrigação nenhuma de professar) a mesma religião que referida líder do PL.

    III- Michelle Bolsonaro é liderança nacional do PL, com potencial de ser elevada à condição de candidata do partido à chefe de governo e de estado na próxima eleição presidencial. Quando discursa ela fala tanto em nome próprio quanto como liderança do PL, partido que não pode e não deve deixar de respeitar os princípios constitucionais que delimitam o campo político excluindo dele qualquer organização partidária que tente impor uma religião ao conjunto da população ou transformar a Bíblia em lei fundamental acima da Constituição Cidadã em vigor.

    IV- A Justiça Eleitoral não pode e não deve tolerar o crescimento do cancro canceroso do fanatismo religioso preconizado por Michelle Bolsonaro nos palanques do PL, inclusive e principalmente porque esse partido faz propaganda com recursos públicos do Fundo Partidário. Em decorrência do discurso acima referido, devemos imaginar que o PL (ou a facção evangélico-política do partido liderada por Michelle Bolsonaro) está preparando novas Intentonas Bolsonaristas como aquela que ocorreu em 08 de janeiro de 2023?

    Face ao exposto, requer o processamento da presente REPRESENTAÇÃO, determinando-se a imediata abertura de investigação eleitoral para determinar se o PL deve manter ou perder seu registro eleitoral em decorrência do discurso de Michelle Bolsonaro. Como a mensagem dela (“política e religião devem se misturar”; “o mal tomou conta quando ambas foram separadas”) tende a se alastrar em virtude de ser impulsionada na internet por líderes do PL que disputarão as eleições municipais, requer seja SUSPENSO liminarmente o registro do partido até que a investigação requerida seja processada, concluída e decidia.”

    Processo TSE nº 0600054-68.2024.6.00.0000

  2. O fanatismo religioso, se apoderou da fé da ignorância dos evangélicos, que nem sabem qual a religião do povo judeu, para idolatrar a bandeira de Israel, são os pastores que induzemas pessoas a esta adoração sem conhecimento, pois Israel tem apenas 1,93 de povo que segue o cristianismo.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador