PT no poder, que medo!, por Luiz Alberto Melchert

O que pode fazer enorme diferença na interpretação acerca do MST é sua inclusão no mercado do agronegócio.

Acervo Contraf

PT no poder, que medo!

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Conversando com um grande amigo militante do agronegócio, comentávamos a visão negativa que o Centro-Oeste tem da ascensão de Lula ao poder pela terceira vez. Claro que a tônica inicial recaiu sobre o MST e o retorno das invasões. A primeira imagem que me veio à mente foi a de um evento ocorrido na fazenda de outro grande amigo meu. Tratou-se de um leilão de cavalos de raça que coincidiu com a invasão de terras vizinhas, dedicadas ao plantio de arroz. Naquela ocasião o sistema de som foi desligado para que André Puccinelli, governador do estado do Mato Grosso do Sul, conversasse com a presidenta Dilma Rousseff a fim de encontrar a melhor solução.

O temor de que invasões ocorram, às vezes pondo a nu irregularidades na ocupação de terras tidas como legítimas, volte. Entendendo melhor, há os que ocuparam terras irregularmente e as têm invadidas, assim como há aqueles cuja posse é lícita e, mesmo assim, têm suas terras invadidas. Não cabe aqui enveredar pela justeza das invasões, muito menos pelas minhas opiniões pessoais sobre o assunto. Cabe aqui verificar se a queda em número deveu-se à acelerada distribuição de terras ocorrida nos primeiros anos deste século, ou foi consequência do golpe perpetrado contra os governantes do PT. Não importa quantos trabalhos científicos se produzam com visões opostas, nunca se chegará a um consenso porque ele é permeado, de parte a parte, por uma carga ideológica inexorável.

O que pode fazer enorme diferença na interpretação acerca do MST é sua inclusão no mercado do agronegócio. O agronegócio não se limita à agropecuária em todas as suas variações, que vão da especialização na agricultura à integração agropecuária e florestal, em que se estabelece um convívio simbiótico e lucrativo entre a floresta, cultivada ou não; a pecuária, bovina ou bubalina, e a lavoura branca. O que define o agronegócio é sua introdução no mercado financeiro via papéis específicos. Esses papéis partem do financiamento de safras, como as CPR[1], que são agrupadas em CDCA[2] nos fundos, chegando às mãos do investidor como CRA[3]. Essa hierarquia é necessária porque o prazo, para o produtor rural, é diferente do que pretende o investidor. Enquanto o primeiro necessita de capital para sua atividade, o segundo precisa de um colchão seguro e durável para seu dinheiro. Ao tratar-se de recebíveis do agronegócio, o risco corrido pelo investidor não é o representado pelo produtor, porém, o inerente ao comprador, que bem pode ser uma indústria de grande porte, uma trading, ou mesmo um grande varejista.

Naturalmente, a terra faz parte das garantias, pois o risco precisa ser balanceado ao longo da cadeia de papéis que, ao mesmo tempo, leva a comida da fazenda ao prato e o capital do investidor à fazenda. Assim, todos os inseridos nesse processo têm que cumprir regras de compliance como ocorre com os bancos e as empresas de capital aberto. A introdução de cooperativas oriundas de terras ocupadas e regularizadas pelo MST tira a pecha de banditismo que impregnou a imagem do movimento.

A ideia é ótima e o primeiro lançamento de CRA de cooperativas ligadas ao MST ocorreu em 2021, com uma arrecadação instantânea de algo como R$17,5 milhões. O que mais chama a atenção é que os bancos ficaram de fora do processo, melhorando substancialmente o lucro do investidor, enquanto caem os juros pagos pelo agricultor que, a bem da verdade, nunca teve acesso ao crédito.

É um axioma das finanças que não haja dinheiro mais caro que o próprio. É que, pela ótica dos fluxos de caixa, quando se trabalha com capital de terceiros, não se parte de um saldo negativo com o valor investido a recuperar. Parte-se de uma entrada de capital de empréstimo que zera o saldo inicial do fluxo e, mesmo que o financiamento possa reduzir o lucro nominal esperado, a taxa interna de retorno será sempre maior do que a obtida tirando dinheiro do bolso para custear a produção.

Se os assentados conseguirem canalizar seus lucros para a compra de novas áreas, assentando famílias ainda vivendo à beira das estradas, as invasões perdem a razão de ser, da mesma forma com que fica descabida a  aversão que o ruralista tem do movimento em si.

A financeirização não se vai extinguir, cabe aos economistas e financistas de boa vontade usá-la a favor da sociedade, enquanto cabe ao Estado zelar para que o caudal de investimentos não exceda a capacidade natural de retorno, evitando a formação de bolhas. Para isso, conta com três ferramentas, a mitigação de risco, a taxa básica de juros e a tributação sobre lucros financeiros. Torçamos todos pela visão atualizada que o novo governo possa ter da economia como um todo e dos conflitos agrários em particular. O com que não podemos conviver é com medos infundados.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.


[1] Cédulas de Produto rural.

[2] Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio.

[3] Certificado de recebíveis do Agronegócio.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador