O ano passado representou o fim de um governo marcado por violações e pela intensificação dos ataques aos direitos indígenas. Este ciclo está retratado pelo relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2022.
A publicação anual do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) chega ao público nesta quarta-feira (26) à tarde, com lançamento na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília.
Tomados em conjunto, os quatro anos sob o governo de Jair Bolsonaro apresentaram uma média de 373,8 casos de Violência contra a Pessoa por ano. Em comparação aos quatro anos anteriores, sob os governos de Michel Temer e Dilma Rousseff, a média foi de 242,5 casos anuais.
O elevado número de casos de abuso de poder também foi uma constante durante os quatro anos do governo Bolsonaro: foram 89 casos no total, uma média de 22,2 casos por ano.
Isso representa duas vezes mais do que o registrado nos quatro anos anteriores, sob os governos de Dilma e Temer, quando foram registrados, em média, 8,7 casos por ano.
Antipolítica indigenista
“Estas categorias refletem o ambiente de degradação institucional e desmonte dos mecanismos de proteção aos povos”, conclui o relatório. Lucia Helena Rangel e Roberto Antonio Liebgott, coordenadores da publicação, destacam a “antipolítica indigenista” nos anos de governo de Bolsonaro.
“Não demarcar e viabilizar o acesso de exploradores às terras demarcadas foram eixos motores da antipolítica indigenista, que desterritorializou e fragilizou a aplicação do direito, gerando um ambiente de profunda insegurança e violências sem precedentes”, apontam na introdução do relatório.
Direitos territoriais
Diante de um governo que não demarcou nem uma Terra Indígena, foram registrados 158 conflitos por direitos territoriais em 2022. A insegurança jurídica facilitou questionamentos agressivos à posse dos indígenas de suas terras tradicionais.
Com isso, invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio atingiram o patamar de 309 casos afetando de forma direta ao menos 218 terras indígenas em 25 estados do país.
“Como nos três anos anteriores, os conflitos e a grande quantidade de invasões e danos aos territórios indígenas avançaram lado a lado com o desmonte das políticas públicas voltadas aos povos originários”, diz trecho do relatório.
Regularizações pendentes
Conforme aponta o relatório do Cimi, “a maioria das 1.391 terras e demandas territoriais indígenas existentes no Brasil (62%) possui alguma pendência administrativa para sua regularização”.
Dentre as 867 terras indígenas com pendências, pelo menos 588 não tiveram nenhuma providência do Estado para sua demarcação e ainda aguardam a constituição de Grupos Técnicos (GTs) pela Funai, responsável por proceder com a identificação e delimitação destas áreas.
Os poucos GTs abertos ou recriados em 2022 só foram constituídos por determinação judicial em ações movidas pelo Ministério Público Federal (MPF), mas nenhum deles concluiu o trabalho designado.
No relatório do Cimi é possível constatar o resultado mais imediato do abandono intencional da regularização fundiária pelo governo Bolsonaro: a violência contra a pessoa indígena, incluindo aí os assassinatos.
Violência contra a Pessoa
Os registros totalizam 416 casos de violência contra pessoas indígenas em 2022. Tomados em conjunto, os quatro anos sob o governo de Jair Bolsonaro apresentaram uma média de 373,8 casos de Violência contra a Pessoa por ano.
Em comparação aos quatro anos anteriores, sob os governos de Michel Temer e Dilma Rousseff, a média foi de 242,5 casos anuais. “Na gestão Bolsonaro houve um incentivo, uma autorização presidencial, para praticar violência contra os indígenas”, diz o secretário-adjunto do Cimi, Antônio Eduardo Cerqueira.
Foram registrados em 2022 pelo Cimi abuso de poder (29); ameaça de morte (27); ameaças várias (60); assassinatos (180); homicídio culposo (17); lesões corporais dolosas (17); racismo e discriminação étnico-cultural (38); tentativa de assassinato (28) e violência sexual (20).
Em 2022, assim como nos três anos anteriores, os estados que registraram o maior número de assassinatos de indígenas foram Roraima (41), Mato Grosso do Sul (38) e Amazonas (30), segundo dados da Sesai, do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e de secretarias estaduais de saúde.
Esses três estados concentram quase dois terços (65%) dos 795 homicídios de indígenas registrados entre 2019 a 2022: foram 208 em Roraima, 163 no Amazonas e 146 no Mato Grosso do Sul.
Povos isolados
O relatório lançado pelo Cimi nesta quarta, também acompanha a situação dos povos indígenas em isolamento voluntário. Eles estão entre os grupos mais afetados pela omissão e desproteção adotada pelo governo Bolsonaro.
Esse quadro assume contornos ainda evidentes no ano de 2022. Foram constatados casos de invasões e danos ao patrimônio em pelo menos 36 terras indígenas onde existem 60 registros de povos indígenas isolados, de acordo com os dados da Equipe de Apoio aos Povos Livres (Eapil/Cimi).
A realidade é agravada pelo fato de que, dos 117 grupos de indígenas em isolamento voluntário registrados pelo Cimi, 86 ainda não são reconhecidos pela Funai.
Isso significa, conforme aponta o Cimi, que esses povos são invisíveis para o Estado, assim como as possíveis situações de violência a que estão expostos, inclusive com o risco de que sejam vítimas de genocídio.
Sobre o relatório
O relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2022 está organizado em três capítulos e 19 categorias de análise. Ele apresenta um retrato das diversas violências e violações praticadas contra os povos indígenas.
Para a produção do documento foram sistematizados dados obtidos através de informações dos regionais do Cimi, de comunidades indígenas e de veículos de comunicação.
Também são usadas fontes públicas oriundas da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e de secretarias estaduais de saúde.
Lançado pelo Cimi desde a década de 1980, o relatório é um levantamento reúne dados sobre violações contra os direitos territoriais indígenas, como conflitos, invasões e danos aos territórios; violências contra a pessoa, como assassinatos e ameaças; e violações por omissão do poder público, como desassistência nas áreas da saúde e da educação, mortalidade na infância e suicídios.
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