A conexão entre as políticas fiscal e monetária e a independência do BC, por Carlos Alverga

Para que haja chance de êxito da política econômica, é necessário que haja convergência entre as políticas fiscal e monetária

A conexão entre as políticas fiscal e monetária e a inconveniência da independência do Banco Central

por Carlos Frederico Alverga

A intervenção do Estado na economia, desde a Revolução Keynesiana, seja na época em que o capitalismo regulado de cunho social-democrata teve crescimento econômico contínuo entre o final da Segunda Guerra Mundial até meados dos anos 70, quando entrou em crise devido à crise do petróleo que provocou uma inflação de custos que proporcionou o ambiente propício para o início da preponderância do neoliberalismo monetarista de Friedman, foi exercida pelo Governo por meio do desempenho das políticas monetária e fiscal. Esse tipo de intervenção keynesiana indireta na economia nada tem a ver com a intervenção direta do estado no domínio econômico, no setor produtivo, como Estado Empresário, por intermédio da constituição de empresas públicas e sociedades de economia mista.

Para que haja chance de êxito da política econômica, é necessário que haja convergência entre as políticas fiscal e monetária, pois ambas devem seguir o mesmo direcionamento para contrabalançar conjuntamente os efeitos do ciclo econômico, atuando de modo anticíclico. De acordo com as prescrições keynesianas, na fase expansiva, para conter eventual inflação, deve a política fiscal ser contracionista com elevação da tributação e contenção dos gastos públicos, e a monetária deve ser restritiva, com taxas de juros mais altas, para inibir o consumo.

Na fase recessiva do ciclo econômico, quando pode ocorrer desemprego, a política fiscal deve ser expansiva, com redução da tributação e expansão dos dispêndios públicos. Aí, no caso, a política monetária deve ser expansionista, com taxas de juros mais baixas para estimular o investimento e o emprego, aquecendo a demanda agregada. Para que a política econômica obtenha êxito, é necessário que haja uma coordenação, uma concatenação, uma harmonia, uma sintonia fina entre as duas políticas no sentido de que as duas sejam conduzidas de forma convergente relativamente à fase do ciclo econômico que esteja em vigor no momento. Se houver desencontro na condução das duas políticas, a política econômica fracassará.

No caso do Brasil, com a independência do Banco Central, o Poder Executivo Federal perdeu completamente o controle sobre as duas variáveis macroeconômicas mais relevantes, os juros e o câmbio. A grande questão referente ao relacionamento entre a política monetária, gerida pelo Banco Central, e a política fiscal, administrada pelo Tesouro Nacional, é o impacto fiscal da política monetária. Isto porque, por exemplo, caso o Banco Central eleve as taxas de juros isso terá duas consequências que afetarão a política fiscal: com juros mais altos, a tendência é de redução da atividade econômica e, em decorrência, a arrecadação tributária diminui, e, simultaneamente, aumenta a despesa com juros da dívida. Dessa forma, o resultado fiscal do Executivo Federal piora, com menor receita pública e maior despesa pública. Além disso, eventual elevação dos juros também afeta o câmbio, que fica mais valorizado, aumentando as importações, reduzindo as exportações, impactando o saldo comercial e a política de comércio exterior do país.

É importante salientar, também, que, em caso de redução dos juros, haverá impactos favoráveis na política fiscal, com maior arrecadação tributária e diminuição da despesa com juros, maior receita pública e menor despesa pública, o que proporciona melhor resultado fiscal. Pelo lado cambial/do comércio exterior, acontece, nessa situação, desvalorização cambial, melhora das exportações e redução das importações, resultando num maior saldo comercial e melhor situação no balanço de pagamentos.

Ou seja, de maneira geral, garantir a adequada gestão e implementação da política econômica não possuindo o controle sobre os juros e o câmbio é uma árdua missão.

E o país vive um dilema orçamentário, que é a existência de dois orçamentos distintos, um não financeiro, o chamado orçamento primário, com receitas e despesas não financeiras, que fornece os recursos para a execução das políticas sociais, saúde, educação, habitação, previdência e assistência social, transferências tributárias constitucionais entre outros, e o orçamento financeiro, que engloba os dispêndios com o serviço da dívida pública, os juros (despesa corrente) e a amortização da dívida (despesa de capital). Na verdade, existe uma briga por recursos escassos no interior do Orçamento Geral da União. Poderíamos considerar o orçamento não financeiro/primário como sendo o “orçamento do povão”, porque é o que atende às políticas sociais, e o orçamento financeiro, o “orçamento da elite rentista”, porque é o que atende aos credores da dívida pública do Governo Federal.

O grande problema é que somente o orçamento não financeiro, o do povão, é que tem restrição, o chamado resultado primário, superávit se positivo, déficit, se negativo. É a economia que se faz no orçamento das políticas sociais para pagar o serviço da dívida para os rentistas. Outro problema importante é que o resultado fiscal nominal é composto pelo chamado resultado não financeiro, o famoso resultado primário, acrescido do resultado do orçamento financeiro, que é integrado, basicamente, pela cifra que o Governo paga de juros aos detentores de títulos da dívida pública federal. Lembrando que relativamente a esse componente do resultado fiscal nominal global do setor público, o Executivo Federal não exerce nenhum controle, por causa do Banco Central independente que estabelece a taxa de juros que melhor lhe aprouver, independentemente das consequências fiscais que possa acarretar. E a conta de juros tem um peso enorme no resultado nominal, em 2023 foi de cerca de R$ 750 bilhões, aproximadamente 7% do PIB, cifra em relação à qual o Executivo Federal não tem nenhuma ingerência sobre essa parte do resultado fiscal, devido à independência da autoridade monetária. É a dissociação total entre as políticas monetária e fiscal, totalmente prejudicial à gestão coerente, convergente e eficaz da política econômica.

É como se houvesse duas gestões orçamentárias apartadas uma da outra, em que só uma fosse rigorosamente controlada e a outra tivesse plena liberdade de atuação e operação, uma atuando para fornecer recursos para a outra, no caso, o orçamento primário sendo contingenciado para que sobre mais recursos para o orçamento financeiro, e o Executivo Federal sem ter instrumentos e mecanismos para efetuar uma gestão coerente, consistente, unificada e sensata da política econômica.  A última novidade é a intenção da equipe econômica de extinguir os pisos constitucionais de investimentos (percentuais da receita tributária) em saúde e educação para assim haver mais recursos para remunerar os rentistas credores da dívida pública do Governo Federal. Mau sinal, que vai de encontro ao discurso do Presidente Lula na campanha de 2022.

Carlos Frederico Alverga: economista graduado na UFRJ, especialista em administração pública pelo Cipad/FGV e em Direito do Trabalho e Crise Econômica pela Universidade de Castilla La Mancha (Espanha) e mestre em Ciência Política pela UnB.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn

Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador