Da articulação ao desespero do financismo, por Bruno Alcebino da Silva

Desafio de conciliar interesses opostos tem se mostrado cada vez mais difícil, à medida que pressões políticas e econômicas se intensificam.

Max Ernst

Da articulação ao desespero do financismo

por Bruno Fabricio Alcebino da Silva

O cenário político brasileiro segue marcado por intensas negociações e desafios na relação entre o Executivo e o Legislativo. Recentemente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez declarações contundentes durante uma cerimônia no Palácio do Planalto, que geraram repercussão significativa. Em suas falas, Lula expressou a necessidade de maior engajamento por parte de seus ministros, especialmente em relação à articulação com o Congresso Nacional.

O destaque das críticas recai sobre dois importantes membros de seu governo: o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Lula solicitou explicitamente que Alckmin seja “mais ágil” em suas ações, enquanto instou Haddad a dedicar menos tempo à leitura de livros e mais tempo ao diálogo com parlamentares.

A crítica direcionada a Alckmin sugere uma demanda por maior agilidade e presença junto aos parlamentares, indicando que a condução das negociações políticas requer uma postura mais incisiva e comprometida. Por sua vez, a cobrança a Haddad para que dedique menos tempo à leitura e mais tempo à interlocução com o Legislativo sugere uma priorização da ação direta e do contato pessoal na condução dos processos políticos.

Base e oposição

No contexto atual, a base do governo Lula III na Câmara, representada principalmente pelo Bloco Brasil da Esperança (Fe Brasil), composto pelo PT, PCdoB e PV, conta com 80 parlamentares. Apesar de ser a quarta maior bancada, essa representação não é suficiente para garantir uma maioria legislativa que possa aprovar projetos de forma independente.

Por outro lado, a oposição, formada principalmente pelo Bloco União, PP, Federação PSDB CIDADANIA, PDT, AVANTE, SOLIDARIEDADE e PRD, possui uma bancada numericamente superior, com 160 parlamentares, formando uma coalizão diversificada com potencial de influência considerável.

Somado a isso, o Partido Liberal (PL), agremiação de Bolsonaro, emerge como uma força significativa na oposição ao governo atual com suas 95 cadeiras na Câmara dos Deputados, sendo a maior bancada individual. Esta bancada numerosa confere ao partido uma voz influente no cenário político, permitindo-lhe articular e promover uma agenda de oposição vigorosa.

Além disso, o Bloco MDB, PSD, REPUBLICANOS e PODEMOS, com 146 parlamentares, apresenta uma força considerável no Congresso Nacional. Embora não esteja explicitamente posicionado como oposição, este bloco pode desempenhar um papel significativo na política legislativa, dependendo de suas alianças e posicionamentos em relação ao governo.

É importante notar que o governo Lula III possui uma liderança formal no Congresso Nacional, com a base governista representada por José Guimarães (PT-CE), enquanto a oposição está representada pela Liderança da Oposição, atualmente liderada por Filipe Barros (PL-PR). Embora haja representação governista há um desequilíbrio estrutural na dinâmica política, com a oposição tendo uma estrutura de liderança definida e a maioria na casa, enquanto o governo depende de negociações individuais com os líderes de partidos e blocos.

A falta de uma maioria legislativa clara para o governo Lula III pode representar desafios significativos na implementação de sua agenda política, exigindo habilidades de negociação e articulação política para obter apoio parlamentar para suas propostas. A presença de uma oposição numericamente superior também pode influenciar o debate público e moldar a agenda política, aumentando a pressão sobre o governo para alcançar consensos e compromissos, essa pode ser a preocupação de Lula e a motivação a “cutucada” aos ministros.

Já o Senado Federal revela um cenário político diversificado, no qual o governo enfrenta desafios significativos para garantir a governabilidade e a aprovação de suas políticas. Com um total de 81 senadores em exercício, distribuídos entre diferentes partidos e blocos, o Senado reflete a pluralidade política do país.

O PSD destaca-se como o maior partido no Senado, com 15 representantes, mantendo sua posição como uma das principais forças políticas na casa legislativa. Em seguida, o Partido Liberal (PL) conta com 12 senadores, seguido pelo MDB, com 11, e pelo Partido dos Trabalhadores (PT), com oito. Além disso, o Novo ganha representação pela primeira vez, com um senador, enquanto um senador está sem partido.

Essa diversidade partidária representa um desafio para o governo, uma vez que não possui uma maioria clara no Senado. Com uma oposição numericamente significativa e uma base fragmentada, o governo enfrenta dificuldades para obter apoio para suas propostas e agendas legislativas.

À vista disso, é interessante observar que as declarações de Lula ocorrem em um contexto marcado por desafios e tensões na relação entre o governo e o Congresso Nacional. Críticas recentes, como as proferidas pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, em relação ao ministro Alexandre Padilha, responsável pela articulação política do governo, evidenciam um ambiente político complexo e fluido.

A realização de uma reunião de emergência entre Lula, ministros palacianos e líderes do governo no Congresso Nacional, bem como a expectativa de encontros futuros com Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, demonstra o reconhecimento por parte do governo da necessidade de aprimoramento e reforço da coordenação política.

Ademais, a menção ao risco de avanço da pauta-bomba no Congresso, ou seja, as propostas legislativas que, se aprovadas, teriam um impacto financeiro significativo para o governo, muitas vezes sem uma fonte clara de financiamento ou sem considerar adequadamente as consequências orçamentárias. Particularmente em relação à proposta de emenda constitucional que afeta os salários de juízes e promotores, a PEC do Quinquênio, cujo custo atingiria o patamar de mais de 80 bilhões até 2026, ressalta a importância de uma atuação estratégica e eficiente por parte do governo para lidar com desafios legislativos complexos e potencialmente onerosos.

Por fim, a resposta bem-humorada do ministro Haddad às críticas de Lula, ao afirmar que “esqueceu os livros em São Paulo e está liberado”, sugere uma tentativa de amenizar a tensão e reforçar o compromisso do governo com o avanço de suas agendas, mesmo diante dos desafios políticos.

Em suma, as declarações de Lula e as reações subsequentes evidenciam a dinâmica complexa e desafiadora da política brasileira, destacando a importância crucial da articulação política eficaz para o sucesso do governo e a realização de suas propostas e projetos.

O desespero da Faria Lima: concessões, política fiscal e o legado de Lula III

Nos meandros do poder financeiro brasileiro, um clima de inquietação parece permear os corredores da Faria Lima. As recentes movimentações políticas, particularmente as relacionadas às políticas fiscais do governo Lula III, têm deixado os representantes do financismo em estado de alerta. O que antes parecia uma relação promissora, rapidamente se transformou em um jogo de concessões e desilusões para o establishment financeiro, afinal não tinham sido desagradados até agora.

O cenário se desenrola em um contexto de transição de poder, onde a derrota do campo conservador nas urnas em 2022 abriu espaço para uma nova configuração política, centrada na figura do presidente Lula e seu governo. Contudo, as expectativas iniciais de uma aliança amistosa entre o novo governo e os interesses da Faria Lima logo deram lugar a um jogo de interesses e desavenças.

Desde o início, a Faria Lima teceu suas teias de influência, buscando moldar as políticas econômicas do governo Lula conforme seus próprios interesses. Seu objetivo era claro: assegurar a proteção de seus privilégios e a estabilidade do mercado financeiro. Contudo, as nomeações e escolhas estratégicas do governo, especialmente a indicação de Fernando Haddad para o Ministério da Fazenda, desviaram-se rapidamente do caminho esperado pelos setores progressistas em via do social-desenvolvimentismo. Haddad, longe de representar uma ruptura com as políticas neoliberais, acabou sendo absorvido pelo sistema, transformando-se em mais um defensor dos interesses do “mercado”.

O ministro vem demonstrando subserviência em relação a Faria Lima e seus agregados, adotando medidas alinhadas com as demandas do setor financeiro em detrimento de políticas voltadas para a justiça social e a redução das desigualdades, há um estrangulamento no orçamento, relegando as “prioridades” sociais do governo. Essa postura tem sido criticada por grupos que esperavam uma atuação mais progressista do governo em relação às gestões claramente neoliberais anteriores.

À vista disso, a insistência do governo em políticas de austeridade fiscal, embora tenha sido defendida como necessária para a estabilidade econômica, afinal os mais ricos continuam a receber seus juros exorbitantes, acabou por desgastar a relação com os setores sociais e sindicais, criando um impasse político que se refletiu em atritos constantes entre o governo e os representantes do financismo.

As sucessivas concessões feitas por Haddad, desde o início de seu mandato, evidenciam um dilema político enfrentado pelo governo Lula III. Por um lado, a necessidade de garantir a confiança do mercado financeiro e manter a estabilidade econômica; por outro, a pressão por políticas mais progressistas e inclusivas, que atendam às demandas sociais e promovam o desenvolvimento sustentável, que ficaram relegadas à segunda instância.

No processo de elaboração do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para o próximo ano, Haddad confrontou uma realidade inescapável: a impossibilidade de alcançar a meta de superávit primário, inicialmente estabelecida em +0,5% do PIB. Diante desse cenário desafiador, ele optou por revisar a meta, fixando-a em zero novamente, igualando a meta do ano corrente. No entanto, essa decisão não passou despercebida pelos especialistas, que não hesitaram em classificar o gesto como um ato de “irresponsabilidade”, ou seja, a Faria Lima levou um susto.

O panorama fiscal delineado pelo “novo arcabouço fiscal” mantido desde 2023 e elogiado pelos mercados financeiros permanece intacto, com implicações significativas para a capacidade do Estado de promover serviços públicos de qualidade e investimentos em infraestrutura. Este arcabouço limita o crescimento do gasto estatal a um ritmo inferior à arrecadação de impostos, com um máximo de 2,5% ao ano, em comparação com a média de 6% observada durante o governo anterior de Lula. No entanto, o verdadeiro desafio fiscal reside nos juros da dívida pública, que continuam a ser uma despesa astronômica, beneficiando os rentistas e ampliando a desigualdade social. Enquanto os mercados financeiros se escandalizam com um possível déficit em 2025, estimado em R$ 31 bilhões, os gastos com juros da dívida representam um rombo real de R$ 749,6 bilhões, destacando a discrepância entre as preocupações do mercado e os verdadeiros impactos econômicos e sociais.

O desafio de conciliar esses interesses opostos tem se mostrado cada vez mais difícil, à medida que as pressões políticas e econômicas se intensificam.

A reação negativa do mercado e da mídia tradicional à revisão das metas fiscais reflete a profunda desconfiança em relação à capacidade do governo de cumprir suas promessas e garantir a estabilidade econômica. No entanto, é importante questionar se essa desconfiança é justificada ou se é resultado de uma narrativa construída para atender aos interesses do establishment financeiro.

A análise cuidadosa das políticas fiscais e de suas implicações econômicas sugere que o cenário não é tão sombrio quanto pintado pelos críticos do governo. Embora haja desafios a serem enfrentados, especialmente no que diz respeito ao equilíbrio entre as demandas sociais e as necessidades econômicas, há espaço para um diálogo construtivo e para a busca de soluções que atendam a ambas as partes.

A subserviência aos interesses financeiros e a adesão cega ao arcabouço fiscal, com suas políticas de austeridade prejudiciais às maiorias, apenas exacerbaram as desigualdades e o sofrimento das camadas mais vulneráveis da sociedade. Haddad, uma vez visto como uma possível solução, agora é parte do problema, contribuindo para a manutenção de um sistema que favorece os privilegiados em detrimento do bem-estar coletivo. Suas escolhas políticas refletem uma falta de compromisso com a verdadeira transformação social.

Como visto amplamente durante o século passado, as políticas de “austeridade” adotadas no Ocidente, durante as primeiras décadas, foram responsáveis por frustrar as maiorias populares e pavimentar o caminho para o surgimento da extrema-direita. Diante da necessidade de “salvar” o governo Lula e prevenir um possível ressurgimento do pesadelo neofascista, torna-se evidente a urgência de reverter a prolongada relação com os “mercados”, e de fato, trazer o lema de “união e reconstrução” a pauta.

Bruno Fabricio Alcebino da Silva – Bacharel em Ciências e Humanidades e graduando em Relações Internacionais e Ciências Econômicas pela Universidade Federal do ABC (UFABC) e pesquisador do Observatório de Política Externa e Inserção Internacional do Brasil (OPEB).

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn

Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador