Organizações Globo: o que a gente vê por aqui

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por João Feres Júnior, Eduardo Barbabela e Marcia Rangel Candido

“Em ato em São Paulo, Lula faz nova agressão à imprensa”. Esse é o título de matéria de O Globo publicada no dia 21 de outubro. Nela o jornal (não há crédito para autor) relata que Lula teria “atacado a imprensa”, ao dizer em comício que os jornalistas Miriam Leitão e William Bonner falavam mal de Dilma. Logo após enunciar o fato, a reportagem de O Globo vai ouvir a outra parte, a TV Globo. A resposta curta da emissora vale a pena ser reproduzida literalmente: “[nossos] jornalistas não falam mal de ninguém, mas apenas cumprem a sua obrigação de perguntar e noticiar fatos”.

As Organizações Globo são a maior empresa de comunicação do Brasil. Os 45 anos de seu Jornal Nacional, o mais notório noticiário da televisão brasileira, foram comemorados este ano sob a sombra do registro de uma das mais baixas audiências de sua história. Ainda assim, o JN não perdeu seu protagonismo no gênero. O jornal impresso O Globo desempenha papel semelhante no Rio de Janeiro: a despeito da queda de sua tiragem anual, ainda representa a mídia impressa de maior circulação na cidade e ocupa o terceiro lugar no Brasil, de acordo com o ranking de 2013 da Associação Nacional de Jornalistas (ANJ).

A concentração da propriedade dos meios de comunicações em nosso país, da qual as Organizações Globo são o maior exemplo, levanta uma série de questões de ordem teórica e política, entre elas, a da sinergia e coerência das linhas editoriais de suas várias mídias: TV Globo, Jornal O Globo, Revista Época, Globo News etc. No presente artigo, fazemos um estudo de caso comparando a cobertura das eleições de 2014 no jornal O Globo e no JN. Será que elas seguem os mesmos padrões? Será que a descrição que a TV Globo fez de seus jornalistas é verdadeira? A análise da cobertura dos candidatos em cada um desses meios, que vai abaixo, nos ajudará a responder essas perguntas. Comecemos pelos gráficos de matérias neutras para cada candidato:

No Jornal Nacional a presidente Dilma Rousseff manteve-se quase que o período todo acima de seus dois principais contendores no número de neutras, com exceção do curto período que se segue à semana da morte de Eduardo Campos (13/08), no qual Marina Silva a ultrapassou. Após a superexposição dada pelo Jornal Nacional a Marina Silva, nesse momento, sua curva se aproxima muito da de Aécio, a ponto de tornarem-se virtualmente idênticas. A de Dilma também tem forma bem similar, mas está acima das curvas de seus dois adversários. A superioridade de Dilma na cobertura neutra se deve certamente ao fato de ela ser Presidente da República, ou seja, continuar no exercício da função mesmo durante a campanha eleitoral. Já o formato muito similar das curvas de Aécio e Marina, e mesmo de Dilma, mostram que o jornal provavelmente controla não somente a exposição de cada candidato, mas também a valência das matérias que tratam deles.

Como o gráfico acima mostra, o comportamento da cobertura de capa do jornal O Globo é diverso do seu congênere televisivo no que toca a cobertura neutra dos candidatos. A semana da morte de Eduardo Campos inaugurou um período de superexposição de Marina Silva mais longo e intenso. Já na primeira semana ela obtém quase o dobro de neutros de Dilma (22 contra 13), fica acima da candidata-presidente até o final de agosto e, a partir daí, passa a se alternar com Dilma na liderança das menções neutras até praticamente o primeiro turno. O gráfico de neutros do jornal tem também outro aspecto de interesse. Nas últimas semanas anteriores ao primeiro turno, quando Marina começava a cair nas pesquisas de intenção de voto, o candidato do PSDB, Aécio Neves, que havia sido relegado a um terceiro plano depois da subida de Marina, começa a ter sua exposição aumentada pelo jornal, a ponto de passar Marina e passar Dilma. Na semana do primeiro turno ele obteve uma proporção de 3 neutras na capa para cada 2 de Dilma (18/13). Ou seja, tanto o crescimento de Marina e depois o de Aécio foram apoiados pela exposição do jornal, mas só o crescimento de Marina parece ter recebido tratamento similar do Jornal Nacional.

A comparação dos gráficos de matérias e chamadas neutras nas capas do jornal com o número de matérias neutras no Jornal Nacional, como um todo, mostra que o jornal impresso manipulou bem mais a exposição dos candidatos do que seu congênere televisivo. O quadro da comparação dos gráficos de negativas, contudo, é diverso. Vejamos primeiro a cobertura do Jornal Nacional durante a campanha.  

A imagem é tão forte que dispensa muitos comentários. O viés contra Dilma ao logo de todo o período eleitoral foi tremendo. Só para se ter um parâmetro de comparação, quando ela atingiu um pico de 23 matérias negativas na semana de 7 a 13 de setembro, Aécio teve duas e Marina uma. Esses números não levam em conta as matérias negativas do JN sobre o Governo Federal, que não citavam Dilma diretamente, sobre economia e sobre o PT, que, como as páginas dos Manchetômetro mostram, foram abundantes em toda a campanha

(http://www.manchetometro.com.br/analises/). Note-se ainda que há um crescimento da cobertura negativa à medida que a campanha avança no tempo, o que denota a intensificação do combate da editoria do JN à candidatura do governo. 

O gráfico de negativas de O Globo é bem similar ao do JN: Dilma é massacrada, enquanto os outros candidatos passam quase incólumes. Mas há uma diferença importante e ela diz respeito à cobertura de Marina Silva. O jornal de fato aumentou bastante o número de negativas na capa para a candidata no período que vai da morte de Eduardo Campos até meados de setembro. Mas à medida que Marina começou a cair nas pesquisas, o número de negativas nas capas também arrefeceu. O número de negativas para Dilma é realmente expressivo, atinge picos de 28 manchetes ou chamadas por semana, ou seja, uma média de quatro por dia, somente na capa do jornal. E esse pico é alcançado duas vezes, na semana de 7 a 13 de setembro e na semana de 21 a 27 de setembro, isto é, às portas do primeiro turno.

Como nossa análise mostrou, as Organizações Globo, tanto por meio do Jornal Nacional quanto pelo periódico O Globo, cobrem as eleições de maneira fortemente enviesada, dedicando um número desproporcional de matérias negativas à Dilma Rousseff e ao seu partido, o PT. Ao mesmo tempo, blindam os candidatos da oposição, limitando-se a noticiá-los de forma neutra. O Manchetômetro, por meio de suas análises, mostra claramente esse comportamento enviesado. Até quando os grandes meios de comunicação vão conseguir manter o discurso hipócrita da neutralidade? Isso é algo que ainda não podemos responder.

 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

10 Comentários

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  1. Organizações Globo: o que a gente vê por aqui

    Conclusão: como o Bonner é o editor-chefe do JN, pelo menos em relação a ele o Lula tinha razão.

  2. Esse o “engana-bobo” da mídia

    Esse o “engana-bobo” da mídia brasileira: existem por si só. Se falarem mal de um citado jornalista, dirão que estão falando mal da imprensa em geral, por que eles são o “geral” da imprensa; agora, quando o Aécio manda prender jornalista em MG, a globo não diz vírgula. Ganhando a eleição, ou o PT refaz, de imediato, suas relações com a mídia, ou nunca conseguirá avançar em suas políticas. Quando escrevo “refaz”, falo em cortar verbas.

  3. Chama a Cristina Kirchner ! De novo!

    Só quando houver uma lei de mídia decente que não permita a concentração da propriedade! Esse e um ponto fundamental para a consolidação da democracia no Brasil.

  4. Saudações ao

    Saudações ao manchetômetro!

    Depois de tantas décadas a pachorra do mundo acadêmico em relação à imprensa estava quase suspeita.

    Em relação á pergunta final, o mesmo se pode dizer do judiciário: vão se apegar às aparencias até o fim; vão morrer atirando… É a “batalha” deles…

    Um cara como ali kamel, por exemplo, tem plena, plena consciência de que atua politicamente na “superesstrutura” ideológica. Não tentou ele “codificar” o lula?

    … E os “intelectuais de esquerda” como andré singer não aceitam que o “lulismo” teve em grande medida a contribuição (dialética) da própria oposição na medida em que se “preservava” o lula, batendo nele somente obliquamente tanto para não parecer preconceituoso quanto na expectativa de que ele se atrapalhasse sozinho, ao passo que em relação ao pt não se dava descanso.

    Taí o ódio plantado. Não abriram a boca pra falar em “extinção do pt”?

    Pra dilma não há outra alternativa; tem que falar: “tem nada de chavismo, cubanização, nada não; isso é é bur-ri-ce! Vocês têm é raiva da diminuição da desigualdade! Tá na hora de parar de conversa fiada!”

  5. o sistema global é a

    o sistema global é a indústria da mentira,

    da ilusão,

    das falácias,

    do ódio

    e da provocação.

    sempre contra as instituições políticas democráticas.

    até onde quer chegar? 

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