Tribunal de Exceção, por Paulo Teixeira

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Tribunal de Exceção, por Paulo Teixeira

Tramitam na Câmara dos Deputados o processo de impeachment da presidenta da República, Dilma Rousseff, e o processo de cassação do presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

Há uma assimetria entre os dois processos. No primeiro deles, verifica-se uma profusão de atropelos regimentais. Num deles, o relatório do deputado Jovair Arantes considerou fatos anteriores a 2015, alheios ao atual mandato, sem que fosse garantido à defesa o direito de impugnar tais preliminares.

Já no processo que tramita contra Eduardo Cunha no Conselho de Ética, os prazos foram refeitos duas vezes. Houve mudança de relator, e o advogado pôde exercer amplo direito de defesa, lançando mão de graves manobras a fim de impedir o andamento do processo.

A assimetria entre os dois processos tem origem na condução dos trabalhos. Não por acaso, o pedido de impeachment foi aceito pelo presidente da Câmara no mesmo dia em que o PT decidiu votar pela admissibilidade do processo de cassação de Cunha por corrupção. Réu no Supremo Tribunal Federal e envolvido em denúncias gravíssimas, Eduardo Cunha carece de imparcialidade para julgar a presidenta. E os dois, Jovair Arantes e Cunha, redigiram a quatro mãos o relatório favorável à cassação.

A acusação contra Dilma diz respeito à publicação de seis decretos orçamentários e à concessão de subsídios ao Plano Safra para agricultura familiar. Esses decretos respeitam a Lei Orçamentária Anual, que, no seu artigo 4°, permite a edição de decretos para fins de remanejamento, desde que não firam o superávit primário. Num cenário de contingenciamento, tais decretos tiveram o condão não de aumentar despesas, mas mudar sua natureza.

Todo o procedimento seguiu os padrões que o Estado brasileiro sempre adotou. Os subsídios aos agricultores familiares no Plano Safra foram feitos regularmente, num contrato de prestação de serviços entre o governo e o Banco do Brasil. Não houve operação de crédito, como (mal) entendido pela acusação. Dilma nem sequer atuou nesse contrato, de responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Agrário.

Esta denúncia é desprovida de elementos jurídicos e tem origem no inconformismo daqueles que perderam a eleição em 2014.

Não existe crime que tenha sido praticado pela presidenta Dilma. Sem crime de responsabilidade, impeachment é golpe. Dilma é pessoa honesta, dedicou sua vida à construção da cidadania do povo brasileiro, e sempre pautou sua atividade política por métodos republicanos. Foi eleita com 54 milhões de votos e, agora, tornou-se vítima de uma conspiração, patrocinada por Eduardo Cunha em conluio com Michel Temer. Condenar uma pessoa inocente, por ambição ou vingança, caracteriza um tribunal de exceção, que afronta a Constituição Federal.

O difícil momento pelo qual passa a economia do país deve-se a uma conjunção de fatores. Não podemos resolver a crise atacando o valor maior da democracia, que é a soberania popular. Críticas ao governo devem ser feitas, e o momento para substituí-lo é 2018, através do voto. Até lá, o caminho possível para a superação da crise passa pela derrota do impeachment, pela adoção de medidas que viabilizem a retomada do crescimento e da proteção do emprego e, sobretudo, pelo enfrentamento das reformas necessárias, em especial a reforma política.

Paulo Teixeira é deputado federal (PT/SP), vice-líder do governo na Câmara dos Deputados e integrante da comissão especial do impeachment.

Publicado originalmente no jornal O Globo na edição deste domingo, 10 de abril.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

3 Comentários

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  1. Comentário.

    O erro, inclusive da mídia alheia às pautas dos jornalões (desculpem!) é declarar que vivemos numa democracia pois temos instituições fortes.

    Um terrível erro.

    Temos instituições formalmente fortes, com práticas jurídicas tendenciosas, um exercício de segurança igualmente tendencioso e uma democracia por se construir. Dizer que o Estado é “vazio”, ou seja, ele funciona e o faz independente de sicrano e beltrano, é uma bobagem aprendida nos cursos de Filosofia Política e de Direito, pois, a-histórica (por isso que, de modo maldoso, isto teria que vir “de fora”, isto é, revolucionária; eis o motivo pelo qual a ideia de Estado liberal já teve seus dias “gloriosos”).

    Impressiona o exercício da plateia do “fora Dilma” a qualquer custo, mesmo às expensas do Direito. O que passa na cabeça deles? Que eles têm direitos sem o jurídico que lhe dê forma?

    Ao fazerem isto, entendo que eles colocam as liberdades, todas, em risco.

    A Operação Lava-Jato tem exercido a função (principal ou secundária é uma boa discussão) de colocar o governo da Dilma abaixo.

    Só que será uma das coisas que serão terminadas às pressas quando ela cair…

    É preciso ler as “Catilinárias” de Cícero, apenas por comparação.

  2. Defesa de Dilma

    Juridicamente, a questão está encerrada. A pá de cal no golpe foi jogada hoje, pela brilhante defesa de Cardoso, que em minha opinião não foi uma defesa, mas, um ataque frontal ao relatório golpista, não deixou pedra sobre pedra.

    Agora, querem fazer valer no grito um relatório político cuja base central é a vingança de Cunha contra  Dilma. Um Dep. que tem ficha corrida de crimes financeiros, etc…A falange Cunhista age com muito barulho, tanto na CEI, quanto na Com. de Ética.

    A luta política agora nunca esteve tão dependente das manifestações de rua contra o golpe e, nesta esfera o PT com Lula tem demonstardo muita competência, na conscientização da população brasileira. 

  3. Está mais do que claro e se

    Está mais do que claro e se criou um consenso entre as pessoas honestas de que não há fato jurídico que sustente o impeachment. Do lado da oposição, por saberem disto centarm-se no fato político do impeachment, como se este fosse independente do fato jurídico. As forças legalistas apontam que o fato político não é independente do fato político, mas não dizem claramente que é subsidiário a este. Dos poucos que o colocam, com limpidez de argumentos, é José Eduardo Cardozo, a quem muito critiquei como ministro e elogio como AGU.

    O discurso tem que dizer que existindo o fato jurídico, sobrevem o fato político, em que o congresso decide se afasta ou não a/o presidente mesmo na ocorrência do crime de responsabilidade. Não tem necessáriamente que fazê-lo (é impensável que não afaste na hipótese de existir o crime de responsabilidade mas não é obrigação – é decisão de conveniência política, é o componente político).

    É esse o contra-ponto a fazer com a oposição golpista, a qual sustenta o oposto do que está na constituição, sustenta que uma vez havendo a decisão política pode ou não haver crime de responsabilidade. Fosse verdade o que apregoam, a necessidade de crime de responsabilidade para configurar o impeachment não precisaria estar na constituição.

    É necessário deixar claro, que mesmo com crime de responsabilidade o impeachment não é automático. E este é o aspecto político do processo, só este: a decisão subsidiária de afastar ou não a/o presidente.

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