Por um novo CEITEC, por Renato Steckert de Oliveira

CEITEC tinha outra virtude: tornar-se o primeiro projeto de desenvolvimento de tecnologia industrial avançada do Mercosul

Divulgação

Por um novo CEITEC

por Renato Steckert de Oliveira

Há uma boa notícia no ar: a CEITEC, única fábrica de chips da América Latina, localizada em Porto Alegre, estaria para ser reativada. Desde seu fechamento no final de 2020 diversas vozes têm lamentado a perda para o país, que estaria prestes a conquistar autonomia neste setor absolutamente estratégico da economia contemporânea. Na realidade, a perda é muito anterior.

O CEITEC (com o artigo definido no gênero masculino) remonta ao ano 2000, quando o líder de um consórcio ibero-americano de educação tecnológica com sede no Novo México convenceu a Motorola, que fechara uma das suas fábricas no Texas, a doar os equipamentos para um país latino-americano. O escolhido foi o Brasil, e o governo do RS, sob liderança da Secretaria de Ciência e Tecnologia dirigida pelo então Secretário Adão Villaverde, ganhou a preferência com um projeto que previa forte interação entre universidades e empresas gaúchas do setor, com participação do governo estadual, da Prefeitura de Porto Alegre e apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia, visando a constituição de um centro de pesquisa e desenvolvimento em microeletrônica – o Centro de Excelência Ibero-Americano de Tecnologia Eletrônica Avançada. Não se falava em fábrica. A ênfase era a formação de recursos humanos capacitados ao design de “chips dedicados”, isto é, voltados a aplicações específicas que atendessem demandas das indústrias brasileiras, fortalecendo assim as cadeias produtivas mais avançadas da economia nacional, além de desenvolver a cultura técnica do processo de fabricação através da prototipagem.

Buscava-se, assim, criar condições para a atração de uma fábrica propriamente dita de chips. Ressalte-se que na época o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior havia constituído um fundo financeiro de mais de 2 bilhões de dólares para financiar a instalação de uma fábrica de chips no Brasil, segundo a velha fórmula brasileira de atrair de empresas multinacionais com dinheiro público a fundo perdido. Aqui no RS desenhamos o caminho oposto: desenvolvimento de atratividade local (inteligência e pesquisa aplicada ao setor e fortalecimento do mercado setorial) como caminho sustentável para um investimento privado dessa natureza.

Ao substituir o Secretário Adão Villaverde na Secretaria de Ciência e Tecnologia em Janeiro de 2001, pareceu-me evidente que o CEITEC tinha outra virtude: tornar-se o primeiro projeto de desenvolvimento de tecnologia industrial avançada do Mercosul. Assim, com apoio do então Ministro da Ciência e Tecnologia, Embaixador Ronaldo Sardemberg, desenhamos uma estratégia para tornar o CEITEC um projeto do Mercosul. Era também uma maneira de viabilizá-lo, pois as diferenças de perspectivas entre o MDIC e o MCT evidenciavam oscilações na política federal para o setor. A Universidade da República do Uruguai, que à época já detinha experiência no desenvolvimento de chips para aplicações industriais, aderiu imediatamente (seus representantes compareciam mensalmente às reuniões do Conselho de Administração do projeto realizadas em Porto Alegre), enquanto universidades argentinas tiveram sua adesão postergada em razão da crise do governo De La Rúa. Ao mesmo tempo, apresentamos o projeto à Corporación Andina de Fomento, atual Banco de Desenvolvimento da América Latina, que comprometeu-se a participar do seu financiamento como contrapartida à participação de universidades da Comunidade Andina das Nações.
Enfim, desenhou-se um horizonte, ambicioso mas concreto e factível, para que o Brasil, e o Rio Grande do Sul em particular, liderasse uma iniciativa estratégica de impacto econômico, social, científico e tecnológico para toda a Região.

Lamentavelmente, com a troca dos governos estadual e nacional em janeiro de 2003, o projeto foi paralisado, até que, em 2008, como que precisando fazer algo com os equipamentos doados pela Motorola e para justificar o investimento governamental que, bem ou mal, há havia sido feito, o governo federal decidiu fundar uma fábrica estatal de chips! Uma nada sutil mudança de gênero que desconsiderou toda a discussão até então havida e todas as formulações institucionais inovadoras visando colocar a economia regional no século XXI, atropelando-as com uma solução típica dos anos 1950! Realizamos assim a experiência, única no mundo até onde este autor tenha conhecimento, de concorrer no mercado mais dinâmico da economia global contratando engenheiros através de concursos públicos e comprando insumos via Lei de Licitações!

Um tempo perdido não se recupera! Todavia, a passagem do tempo tem suas virtudes: hoje o ambiente industrial, científico e tecnológico do RS e do país é substancialmente distinto do que tínhamos há vinte anos, tornando mais claras a necessidade de parcerias estratégicas regionais. Esperamos que, com esse novo ambiente, se retome a virtude dos debates daquela época, e se possa avançar, com apoios políticos e empresariais mais consistentes, na direção de um projeto que poderá mudar o perfil das economias do Mercosul no médio prazo.

Renato Steckert de Oliveira – Ex-Secretário de Estado de Ciência e Tecnologia do RS (2001-2002)

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2 Comentários

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  1. Existem chips dedicados para a automação industrial. Avançar na complexidade depende de pesquisa e desenvolvimento, que era o alicerce do projeto inicial. Sem megalomania, reiniciar a caminhada é fundamental.

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