Azerbaijão para além da Fórmula 1, por Nadejda Marques

A situação se degenera rapidamente e a comunidade internacional reage lentamente, talvez paralizada pelo conflito na Ucrânia

Ministério da Defesa do Azerbaijão

Azerbaijão para além da Fórmula 1

por Nadejda Marques

No domingo passado, dia 30 de abril, muitos brasileiros assistiram a Fórmula 1 no belíssimo circuito de Baku, no Azerbaijão. Enquanto torciam para Hamilton, Leclerc, Pérez ou Vestappen não percebiam que esse país dá sinais claros e consistentes dos preparativos para um genocídio.

O alerta é do grupo Genocide Watch que, desde setembro de 2022, denuncia que os ataques militares do Azerbaijão contra a Armênia e contra a não reconhecida República Armênia do Artsakh seguem não somente um padrão de brutalidade excessiva como também fomentam um discurso genocida contra pessoas de etnia armênia. Autoridades do Azerbaijão, ao se referirem aos armênios, usam expressões genocidas uma vez comuns no Ruanda e durante o Holocausto como “câncer”, “vírus”, “doença a ser tratada” e que “precisam ser eliminados”. Segundo pesquisadores e ativistas de direitos humanos, dentre eles o meu colega Thomas Becker, da University Network for Human Rights, no último ano, soldados do Azerbaijão foram responsáveis por decapitações, mutilação sexual, assassinatos, torturas e prisões arbitrárias de armênios. Proíbem que armênios cruzem a fronteira, limitam o movimento das famílias armênias e a circulação de produtos, alimentos e medicamentos para seu consumo e abastecimento.

A situação se degenera rapidamente e a comunidade internacional reage lentamente, talvez paralizada pelo conflito na Ucrânia… Em fevereiro deste ano, o Tribunal Internacional de Justiça, órgão judiciário da ONU, e, neste mês de abril, o Departamento de Estado dos Estados Unidos pediram medidas provisionais urgentes para que o Azerbijão tome todas as ações necessárias para cessar a promoção de violência e discriminação racial contra as pessoas nacionais da Armênia ou de etnia ou descendência etno-linguística armênia. Pedem também para que cessem os atos de vandalismo contra o patrimônio cultural armênio como igrejas, monumentos, cemitérios e outros lugares de importância cultural. 

A maioria dos armênio-brasileiros, centrados principalmente no Rio de Janeiro, Osasco e São Paulo, imigraram após o genocídio armênio, ocorrido durante a Primeira Guerra Mundial, quando cerca de 1.5 milhões de pessoas foram mortas nas mãos do império turco-otomano. Oficialmente e publicamente, o Brasil, apesar de uma decisão do Senado de 2015 que reconhece o termo genocídio armênio de 1915, em referência ao mesmo, sempre se solidariza às vítimas do que classifica como tragédia ou massacre. O reconhecimento do ocorrido no passado tem um peso simbólico e um preço político que o Brasil quer evitar. Ficar indiferente aos acontecimentos do presente tem um peso e preço dos quais o Brasil não poderá escapar.

Nadejda Marques é escritora e autora de vários livros dentre eles Nevertheless, They Persist: how women survive, resist and engage to succeed in Silicon Valley sobre a história do sexismo e a dinâmica de gênero atual no Vale do Silício e a autobiografia Nasci Subversiva.

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Redação

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