470 anos de São Paulo, terra boa e da ex-garoa, por Tomás Togni Tarquínio

Ah, querida São Paulo, nunca mais pude viver nessa cidade feia, caótica, pobre e rica, mas charmosa para quem sabe observá-la, descobri-la.

Glauber Barros – Flickr

470 anos de São Paulo, terra boa e da ex-garoa

por Tomás Togni Tarquínio

Bela homenagem a São Paulo. Você, Moacyr Oliveira Filho, jornalista e companheiro de estrada, descreveu a mesma cidade que conheci e tive o privilégio de viver de 1964 a 1970. Para um provinciano de Poços de Caldas de 17 anos, descobrir a grande metrópole foi mais excitante, emocionante, deslumbrante mesmo, do que percorrer as ruas de Paris durante quase 40 anos. Inesquecível.

Assisti Vinicius e Neruda trocando poemas no Teatro Municipal, Arena Conta Zumbi, Rei da Vela, Morte e Vida Severina no Tuca, assim como o piano de Madalena Tagliaferro e o espetáculo de Caetano levando tomatadas de raivosos anti-Tropicália, ambos igualmente no Tuca. Tomei cafezinho em Congonhas, andei pela Galeria Metrópole, morei na Vila Clementino, Perdizes, Aclimação, rua São Francisco, quartos de aluguel na Barra Funda, Bela Vista, Baixada do Glicério quando clandestino, incluindo um par de semanas na Cidade Adhemar, escondido na paróquia de meu primo, Attilio Brunacci, enquanto ele, sacerdote, ministrava sacramentos e missas.

Quantas vezes almocei um frango agridoce num restaurante chinês na nipônica Liberdade. Trabalhei na Praça do Patriarca, na distante rua do Gasômetro, no edifício Independência, Avenida São João com Ipiranga, décimo primeiro andar sobre o Bar Brahma. Tomei bonde que subia a São João para alcançar a PUC da Monte Alegre, baixava no Largo Padre Péricles, percorria o trajeto restante a passos céleres.

Vi a despedida último bondinho percorrendo a mesma São João transportando uma banda ao som de tristes músicas. Vi Silvério Soares Ferreira, na mesma esquina, arrancar um poste de madeira de um ponto de ônibus e usá-lo como aríete para fazer pedaços dos vidros do City Bank em dia de manifestação contra a ditadura e o imperialismo americano.

Não muito distante da esquina mais alegre da cidade, cheguei à rua Maria Antônia a tempo de ver o corpo sem vida de José Carlos Guimarães que, aos 20 anos, deixou a vida com a cabeça perfurada por um projétil vindo do Mackenzie, disparo certamente efetuado por alguém do CCC.

São Paulo de meus amores primevos, por onde andará Carmencita com quem tive a primeira relação amorosa após um filme no Cine Bijou? Até então, eu havia conhecido uma que outra dama da noite na Boate Bambu de Poços, única casa localizada num brejo, Bairro do Sapo, identificável a distância, graças a lâmpada vermelha sempre acesa à frente do lupanar, em que pese os insistentes apelos dos Irmãos Maristas para que alunos, todos varões, passassem ao largo daquele antro de perdição, local destinado ao afloramento das perversas tendências lascivas da besta humana que, ali, se manifestavam com furor.

Ah, São Paulo, querida São Paulo, nunca mais pude viver nessa cidade feia, caótica, desmedida, pobre e rica, mas charmosa para quem sabe observá-la, descobri-la. Como uma madrasta severa, ela ainda abriga baixo seu teto “tutti quanti”, sem perguntar nome, quadrante, idade, cor. Mas adverte: te vira, meu! Por fortuna, filho e neta moram na Vila Madalena, onde vou amiúde.

Tomás Togni Tarquínio – Formado em Antropologia e Prospectiva Ambiental na França. Desde 1977, trabalhou em diversas instituições francesas e europeias pioneiras sobre: energia, ecologia política, meio ambiente, decrescimento e colapso da sociedade termo-industrial. Foi Secretário do Governo do Amapá, por ocasião da execução do pioneiro Projeto de Desenvolvimento Sustentável do Amapá (PDSA); trabalhou no MMA e Senado. Trabalhou em alguns países da América Latina e Europa.

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