Maira Vasconcelos
Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).
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Vestindo uma Voz Política, por Maíra Vasconcelos

Escrever é perder-se no tempo de gestação das vozes, inventar diferentes vozes para cada personagem, para cada criação em andamento. Isto é a base-básica. Por isso o silêncio absoluto, o saber escutar quase tudo. Mas nunca desconfiei que as donas de um escrito fossem as vozes, até começar o ato falho da criatividade. Então nenhuma voz da escrita é a minha voz. Porque não sou dramática, sou prática, tampouco teatral, sou coesa. E uma palavra sem drama e teatro não chega a ser palavra. Arranha. Não ganha palco. E como a palavra vem antes de quem escreve, é ela quem pondera o tom. No silêncio, a palavra dita. Como está a fazer agora, ditando-me tudo. Sim, o que há aqui é também uma voz inventiva fictícia! As a-crônicas contêm certos elementos íntimos, mas esta voz mente em sobressaltos para ganhar pulsão, para ir adiante e estar presente a cada semana. E isso sucedeu quase sem querer, não tenho intuito de enganar ninguém com truques de segredos íntimos, a voz chega e eu apenas dou-lhe luz, saída a. São assim as vozes da criação. Elas se estabelecem! Por isso hoje estou aqui, justamente por ter um questionamento frente ao estar autoritário da voz-escrita. Quero tentar mexer politicamente nesta voz que vos fala. Agora. Explico-me. Se aqui existe este tom pronunciado semanalmente, não posso de repente rompê-lo e dizer: a política econômica brasileira estará em frangalhos nos próximos anos, caso eleita a candidata do Partido Socialista Brasileiro (PSB), nestas eleições presidenciais. Santo Deus! Parece que liguei o rádio da opinião desenfreada. Devo ponderar, estou em meio a uma tarefa difícil: atenuar esta voz e colocar uma segunda, que seria a voz política. Mas vejam, não posso aparelhar-me ao som de um rádio. Hei de sintonizar-me num entre vozes. Porque também não posso jamais deixar escapar esta voz que tanto a cultivo e aprecio, esta que fala mais grave e alarmante, doce e melancólica – mas como fazer com que nesta mesma toada caminhem também os assuntos políticos de um país, se esta voz é dominada pela noção filosófica do mundo e do ser humano? Aliás!, está encharcada demais de filosofias e análises metafísicas e ontológicas. Basta! Devo torcê-la um pouco, criar meandros, trazê-la à realidade crua e nessas voltas salivar com a política. Exercer o pensamento político é o principal uso que dou à minha racionalidade; minha imaginação vai tão longe, que às vezes tenho medo de não voltar e ficar com os pés plantados por lá. E tenho que aqui estar, porque ¡como sou política!

Vou. Devo começar logo este exercício, sem que eu seja um rádio ou um jornal impresso, uma televisão radioativa ou um ponto sem freio de internet. Devo atrair para esta voz imperadora um tom de política que será o seu, o seu modo avisado de contar que a inflação fechou em 11% na Argentina e ficou em 5,9% no Brasil, ambos dados anuais oficiais de 2013. Este dizer é enfadonho e tradicional, não é o caminho da voz política que ora passeará por aqui, nem mesmo irei vociferar antropologicamente e nem sociologicamente sobre duas nações, tampouco buscarei entender para saber julgar seus critérios inflacionários. O que farei é apenas contar, e assim: aqui as lutas partidárias andam para bem e para mal, acolá vão também para bem e para mal. E tudo depende de qual lado olhamos a moeda, e em qual degrau da pirâmide social pisamos ou pretendemos pisar. Na cabeça de ninguém, por favor! Mas vá tamanho quiproquó. Longe de mim, se escrevo sem pirâmides e sem moedas, a minha dependência é mesmo da voz que estarei a usar.

Ah!

Será que estou a conseguir realizar a tal mistura de vozes? Preciso verificar, ler e estudar as possibilidades, colocar-me nos palcos deste mundo a dizer: sou esta voz teatral anuviada também pela voz política. É isso!, encontrei na palavra a-nu-vi-ar o sentido para trabalhar estas vozes, pois estou a descobrir tons de um céu imperfeito, daí virá a ponderação das vozes. Porque nenhum dia jamais é igual ao outro, se olhamos a vida pelo céu. Mas costumamos olhar o tedioso relógio de todos os dias, e ainda a mesa de café com a mesma toalha manchada, Uf!, e como há elementos para parasitar-nos a vida. Mas se sou mais inventiva vou a outros lados, terei como parâmetro o céu e daí estarei a alçar vozes. Escutem só, já estou a perder um pouco de uma e a ganhar um risco da outra. Vozes. Esta voz política começa a despontar, penteia agora os cabelos em frente ao espelho, ajeita a gravata e o salto-alto, o brinco e a barba, está em plena formação de uma completa imagem. Mas ainda não entendo, por que descobrir uma voz nova é algo triste? E talvez esta pergunta tenha sido feita por mim, agora, e não pelas duas vozes que estiveram aqui concatenadas. As vozes não têm outra escapatória senão a de finalmente saírem e fazerem-se ouvir. Elas estão passando e saindo através de mim, isso deve ficar claro. Assim dito, hoje não tenho nada mais a escrevinhar.

Maira Vasconcelos

Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).

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