Os herdeiros e os direitos autorais

Não vejo nada demais no assunto. Os herdeiros exercem seus direitos de forma absolutamente legal, ao que tudo indica. A questão aí é de ordem comercial, e não de ordem moral, como parecem acreditar alguns comentaristas. O problema não é a atitude dos herdeiros, neste caso até nada enrolada.

Existem vários outros casos de a briga entre herdeiros tornar a obra impublicável anos a fio. Só para dar dois exemplos de grandes poetas: aconteceu isso com a da nossa maior poetisa, Cecília Meireles, que ficou anos fora de catálogo por desentendimentos entre os herdeiros. Aliás, quem conseguiu desatar o nó foi seu neto, o mesmo Antônio Carlos, agente literário citado na matéria. E que, diga-se de passagem, faz um belo trabalho de restauração da casa do Cosme Velho e do acervo de Cecília, bancando quase tudo do próprio bolso.

OutrOutro grande poeta que sumiu das livrarias, desde sua morte em 1974, é Cassiano Ricardo, autor, entre outras pérolas da nossa poesia, do notável livro de poemas Jeremias sem chorar, lançado logo no início dos anos de chumbo, em 1964 se não me engano, e com a temática voltada para os assuntos da época: Jeremias, p.ex., reencarnação brasileira do profeta, não podia mais chorar porque teve o olho estropiado por um coice desferido por um cavalo da PM num comício do Rio.

A coisa ficou ainda mais complicada com o novo prazo dos direitos autorais, de 70 anos, o que torna quase impossível a edição de autores cujos herdeiros nem sabe que o são (às vezes bisnetos, ou trisnetos). Já contei aqui o trabalho que me deu conseguir levantar os direitos de Valdomiro Silveira, avô do grande editor Ênio Silveira (da Civilização Brasileira), último a editá-lo.

Não sei qual a solução, mas à parte esse prazo absurdo, imposto por certas grandes editoras internacionais que têm em seu catálogo verdadeiras minas de ouro (pensem em Freud, que só outro dia caiu em domínio público, Joyce, Thomas Mann…), tem de se encontrar uma fórmula que concilie os direitos dos herdeiros com o interesse nacional. Afinal, a obra de uma Cecília, de um Drummond, de um Bandeira são peças fundamentais do nosso patrimônio cultural. Quem deve prevalecer: o interesse público, de todos os brasileiros (e, em se tratando da literatura mundial, de toda a humanidade) de várias gerações ou o interesse privado dos herdeiros?

Não é uma questão de fácil solução. Mas precisa ser discutida para que nossa cultura não saia perdendo. E, pelo que sei, nem discuti-la se discute. Verdadeiro tabu.

Luis Nassif

2 Comentários

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  1. Estou em uma busca pelos

    Estou em uma busca pelos detentores dos direitos autorais do grande Cassiano Ricardo. Se alguém souber algo, por favor, me avisem!

  2. Prazo direito autoral

    Caro Luiz Nassif, este assunto é mesmo um tabú. Pelo meu ponto de vista de consumidor e não produtor de obras culturais, entendo perfeitamente o direito de herança de uma obra. No entanto, acredito que deveria estar salvaguardado o direito de acesso incondicional a qualquer obra pela sociedade. As leis de direitos autorais deveriam estabelecer que toda e qualquer obra fosse colocada em domínio público caso o autor ou seus herdeiros a deixassem indisponivel após um determinado período. No exemplo das obras de Cecília Meireles, supra citado por você, foi a sociedade quem foi apenada, não tendo acesso ao material cultural por interesses unicamente econômicos e não culturais. Existem outros absurdos, como obras que são indisponibilizadas por desinteresse econômico como livros, filmes e músicas devido a baixa procura do público. Existem também casos em que direitos autorais de uma obra são adquiridos para serem intencionalmente indisponibilizados a sociedade, como aconteceu com o livro do Doutor William Horatio Bates, pois seu método ia de encontro aos interesses da indústria oftalmológica. Por muitas vezes a sociedade acaba por recorrer à “pirataria” para ter acesso a obras culturais indisponíveis.

    Ou seja, o direito de herança não deveria ter prioridade sobre o direito de acesso, obrigando os detentores de qualquer obra sob direito autoral, a disponibilizá-la ao público permanentemente e caso isso não fosse feito, o dententor do direito perderia sua propriedade para o domínio público. Hoje, com a facilidade do armazenamente e disponibilização digital, este processo é muito mais fácil e barato.

     

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