Comporta de barragem na terra Xokleng emperra e governo de SC está sem previsão de conserto

Renato Santana
Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.
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Cota na barragem chega perto de 100% e governo de Santa Catarina, depois de contrariar previsão, não tem como fazer a manutenção

Cota máxima é atingida na Barragem Norte e ameaça aldeias Xokleng do entorno. Foto: reprodução/vídeo comunidade Xokleng

Em uma lambança protagonizada pelo governo de Santa Catarina, uma comporta da Barragem Norte, localizada na Terra Indígena Ibirama La Klanõ, do povo Xokleng, no município de José Boiteux, não pode ser aberta neste domingo (15) porque emperrou, confirmando aquilo que havia sido denunciado pelos indígenas a respeito da falta de manutenção da estrutura

Com a dificuldade apresentada durante a manobra, uma das duas comportas da barragem de José Boiteux, a maior de Santa Catarina, ficará fechada por tempo indeterminado. Será preciso consertar o sistema hidráulico de controle, mas será preciso esperar a água baixar para uma avaliação minuciosa e a realização do serviço, informa a Secretaria Estadual de Proteção e Defesa Civil.

No dia 5 de outubro, a própria Defesa Civil descartou a possibilidade de operar a barragem por falta de segurança. Três dias depois, o governo mudou de ideia e fechou as comportas à força, sem ter completado as tratativas com o povo Xokleng. Questionado pelo jornal NSC Total sobre a alteração nos planos, o governador Jorginho Mello disse no dia 8 deste mês que “tudo que abre, fecha”.

Para as lideranças Xokleng, trata-se de uma irresponsabilidade do governo com a vida dos indígenas sobretudo pelo fato de que não houve uma negativa do povo em aceitar o fechamento das comportas, mas apenas a reivindicação de que as legislações e regras vigentes para barragens sejam cumpridas, bem como as mitigações adequadas às aldeias afetadas.

Para Cleber Buzatto, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Sul, o episódio é uma “forma de um revide (do governo de SC) à derrota sofrida no STF (Supremo Tribunal Federal), referente à inconstitucionalidade do marco temporal, culpando os Xokleng pelas enchentes nas cidades do Vale do Itajaí”. O Cimi denuncia desde a década de 1990 os problemas da Barragem Norte e os impactos dela na vida dos Xokleng.

Barragem atingiu a cota

Segundo nota divulgada pela Defesa Civil catarinense, a barragem atingiu a cota de 96,5% de armazenamento de água, faltando apenas um metro na manhã deste domingo para atingir o vertedouro. Mesmo descumprindo acordo com os Xokleng, e levando novamente a Polícia Militar (PM) para a Terra Indígena, funcionários da Defesa Civil não foram impedidos de tentar realizar o trabalho

A ação de fechamento da barragem represa parte da água do rio Itajaí-Açu, minimizando os alagamentos em Blumenau, principal cidade da região do Vale do Itajaí, que decretou estado de emergência. No entanto, joga a pressão das águas e suas inundações para a comunidade indígena.

Os Xokleng não se opuseram ao fechamento das comportas, apenas exigiam a execução do Plano de Contingência associado à manutenção periódica da barragem.  

O Poder Judiciário condenou o governo do estado de Santa Catarina em 2017, depois de ações transitadas entre a década de 1990 e começo dos anos 2000, a implementar medidas compensatórias relativas à Barragem Norte, o que nunca foi cumprido.

Falta de manutenção denunciada  

Quando as comportas ainda estavam abertas e o governo decidiu fechá-las, na semana passada, em operação marcada pela invasão da PM na Terra Indígena deixando três Xokleng feridos, as lideranças do povo vinham alertando, em negociações mitigatórias, que o fechamento traria riscos às aldeias limítrofes ao lago formado com a interrupção das águas do rio Itajaí.   

O temor dos indígenas sempre esteve associado à falta de manutenção da barragem, o que não ocorre há mais de uma década. Além disso, desde que ela foi construída pela Ditadura Militar (1964-1985), em 1976, está sem conclusão, tendo obras adicionais até 1992, mas sem, por exemplo, ter o canal extravasor pronto para reconduzir o volume excedente de águas ao curso do rio.  

Mitigação de danos

Na manhã da última sexta-feira (13), a cota máxima de 310 metros, chamada “cota 310”, estava a poucos centímetros de ser atingida e caso isso ocorresse uma enchente teria início afetando uma grande área de mata, casas da aldeia Plipatol, além de impactos nas aldeias Palmeira, Figueira e Bugio, cujas terras acabam empurradas provocando deslizamentos e a condenação de moradias. 

Para fechar as comportas, o governo precisava mitigar tais danos aos indígenas, como a retirada de pessoas de casas e soluções logísticas diante do fechamento de estradas submersas, impedindo o trânsito de alimentos, água potável, acesso à saúde pública e escolas. Algumas aldeias estão isoladas por conta de deslizamentos provocados pela subida do nível da água. 

Ocorre que as exigências feitas pelos indígenas estão previstas no Plano de Contingência para Eventos Hidrológicos e Geológicos da Comunidade Indígena Barragem Norte, um acordo envolvendo o povo Xokleng, a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Ministério Público Federal (MPF) e o governo do estado. O não cumprimento de suas diretrizes está no cerne da crítica dos Xokleng.   

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Renato Santana

Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.

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