Exclusivo: Google afirma remover “comemoração” em busca de “31 de Março”

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Após reportagem do GGN, Google admite que seus sistemas "não são perfeitos" e remove "comemoração" de 31 de Março

Publicado em 30 de março de 2022, 17:27. 
Atualizado 31 de março para acréscimo do posicionamento do Google.

Contra as diretrizes da própria empresa, o Google priorizou o revisionismo histórico sobre o golpe de 1964, amplamente defendido pelos apoiadores de Jair Bolsonaro, no seu serviço de busca. Em resposta ao GGN, o Google admitiu que seus sistemas “não são perfeitos” e afirmou que removeu o conteúdo “que viola a política” da empresa em seu serviço (leia mais abaixo).

Ao escrever “31 de março” no buscador Google, uma lista de sugestões de perguntas são oferecidas ao internauta, com destaque para: “O que se comemora no dia 31 de março?”.

Além da tentativa de revisionismo na própria pergunta, ao se referir à data em que se instaurou a ditadura do regime militar no Brasil (1964-1985) como “comemoração”, a resposta selecionada é um trecho da Ordem do Dia, assinado pelo Ministério da Defesa, no ano passado.

O texto refere-se ao 31 de Março como um “acontecimento histórico” que deveria ser “compreendido a partir do contexto da época”. Reescrevendo a instauração do regime militar como algo positivo, justifica o “cenário de inseguranças com grave instabilidade política, social e econômica” para a tomada de poder pelos militares à época.

Também afirma que, antes da ditadura, “havia ameaça real à paz e à democracia”. “Os brasileiros perceberam a emergência e se movimentaram nas ruas, com amplo apoio da imprensa, de lideranças políticas, das igrejas, do segmento empresarial, de diversos setores da sociedade organizada e das Forças Armadas, interrompendo a escalada conflitiva, resultando no chamado movimento de 31 de março de 1964.”

“Realmente essa apologia à ditadura e, consequentemente, à tortura e impunidade desses agentes é terrível, terrível. A gente sempre enfrentou isso e, obviamente, com o governo Bolsonaro isso ficou mais forte”, afirmou ao GGN a procuradora Eugênia Gonzaga, ex-presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.

O comunicado oficial escrito no ano passado, que ainda consta na página do governo federal, vai além e diz que “as Forças Armadas acabaram assumindo a responsabilidade de pacificar o País” e que “garantiram as liberdades democráticas que hoje desfrutamos”.

Amplamente criticado à época, o texto oficial do Ministério da Defesa do governo Bolsonaro é a resposta selecionada pelo Google, com destaque, ao se procurar “31 de março” na plataforma.

“Eu não sabia do resultado dessa pesquisa no Google. Acho que a gente precisa inverter essa questão. Quanto à Ordem do Dia, é ainda aquela história da possibilidade das mais diversas versões, de ‘se ouvir o outro lado’. Só que quando a gente dá voz à injustiça, a gente está indo contra a Justiça, contra a Justiça de Transição, à memória e verdade. Não há o que se comemorar no 31 de março, tem que ser lembrado para que não se esqueça, para que não se repita”, completou a procuradora.

Ferramenta de busca e as diretrizes do Google

A ferramenta de pesquisa do Google utiliza um mecanismo de códigos para apresentar os resultados, que variam de acordo com as buscas recentes de cada indivíduo, a localização, palavras-chaves, entre outros critérios.

Reprodução do resultado de busca Google

Contudo, é consenso ainda dentro do grupo multinacional uma rígida política de práticas de responsabilidade, princípios e diretrizes que norteam os diversos produtos do Google, incluindo a qualidade do serviço de pesquisa.

Uma dessas atuações está no trabalho de banir e impedir a propagação de Fake News, principalmente na plataforma do Youtube. A atuação foi recorrente em canais de apoiadores de Jair Bolsonaro ao longo dos últimos anos, quando disseminavam informações falsas.

Nas diretrizes para os anúncios, a plataforma Google Ads proíbe a publicação de conteúdos falsos, deturpados ou enganosos. A política é dirigida a anúncios publicitários de produtos e serviços dentro do Google. Também estão estabelecidas regras similares para o perfil de empresas no Google, proibindo informações enganosas.

Sobre o serviço específico de busca, um documento “Diretrizes de Avaliação da Qualidade da Busca“, atualizado em 2021, traz com detalhes o que a empresa privilegia e recomenda. O arquivo de 172 páginas insiste que o eixo que norteia a ferramenta é o tripé E-A-T (Expertise, Authoritativeness, Trustworthiness), em tradução, “Conhecimento, Autoridade e Confiabilidade”.

No quesito “Confiabilidade”, aponta uma série de cenários em que uma determinada página não será recomendada e não receberá destaque no buscador. Define como páginas da “mais alta qualidade” e “alta qualidade” – o que consequentemente eleva a posição do conteúdo no buscador – aquelas que possuem um “alto” e “excelente” nível de confiabilidade.

Já as que são levadas ao final das buscas, possuindo uma classificação baixa para os critérios do Google, são “páginas ou sites que há suspeita forte de que estejam envolvidos em conteúdos ou práticas enganosas ou maliciosas”. Fake News, revisionismo histórico e tentativa de manipulação caracterizam-se como falta de confiabilidade no conteúdo das páginas disponíveis na internet.

Resposta do Google

O GGN consultou o Google sobre a pergunta que remete o 31 de Março à “comemoração” e sobre o destaque para o trecho da Ordem do Dia do Ministério da Defesa.

O posicionamento foi enviado no dia seguinte ao fechamento da reportagem, afirmando que a seção “perguntas” do buscador é gerado automaticamente e admitindo que os seus sistemas “não são perfeitos”. “Trechos em destaque, incluindo os da seção ‘As pessoas também perguntam’, são gerados automaticamente a partir da web aberta e destinam-se a destacar os resultados que podem ser mais úteis para uma consulta. Geralmente, nossos sistemas funcionam bem, mas não são perfeitos.”

O Google também respondeu que eles agem rapidamente para remover conteúdos que violam a política da empresa e que o fez neste caso. “Quando tomamos conhecimento de conteúdo que viola a política neste recurso, agimos rapidamente para removê-lo, como fizemos neste caso. Fornecemos mecanismos de feedback para quando nossos sistemas não funcionam conforme o esperado e continuamos trabalhando para melhorar nossos sistemas para pesquisas futuras.”

Para a procuradora Eugênia Gonzaga, a educação em direitos humanos e a mídia são parte fundamental do processo da Justiça de Transição da ditadura no país que, se não feitas, estimulam a manutenção da defesa das violações do Estado ditatorial.

“A data do início da ditadura militar no Brasil é representativo das maiores violências já perpetradas nesse país e que, a partir da impunidade, do pacto do governo brasileiro com esses agentes da ditadura, esse tipo de violência seguiu sendo perpetrada. A certeza de impunidade inspira, dá ânimo aos agentes para continuarem praticando. Então, é uma lógica que a gente precisa inverter. E o que podemos fazer são atos, aprimorar a educação em direitos humanos na escola e, obviamente, a gente conta muito com a mídia para tudo isso.”

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Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

3 Comentários

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  1. O Google está até o pescoço com censura na questão da invasão russa à Ucrânia. Zero de isenção, tal como a GloboPar e seus satélites, quando publicam fake news, inibem comentários pra moçada não se manisfestar. Com relação a 64, a Globo é reincidente: foi determinante para criar intranquilidade, acirrar ânimos e encorajar o golpe de 2016, o fatídico JH com a arapongagem da conversa Lula e Dilma. O Brasil é bizarro, uma piada, sem graça. Daqui a 10 anos, outro Bonemer, em editorial, repetirá “erramos”.

  2. Por essas e outras, tenho procurado afastar-me das famigeradas b i g te ks e usar ferramentas mais transparentes. É difícil, mas possível. Buscas, por exemplo, há tempos que faço com o “pato pato vai”. E aciono blo ckeios de ras tre-adores das reddes sossiais.

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