
Uma anistia bipolar e uma interpretação esquizofrênica
por Francisco Celso Calmon
A lei da anistia de 28 de agosto de 1979, produto de muita pressão da sociedade civil e amortecida pelo Congresso ilegítimo (parte era composta por senadores não eleitos), foi promulgada pelo presidente-ditador, João Figueiredo, numa conjuntura na qual as baionetas ainda apontavam para os opositores do regime.
A interpretação da lei sofreu uma corruptela técnica, e, na prática, anistiou os autores dos imprescritíveis crimes de lesa-humanidade.
A Súmula 647-STJ também corrobora nesse sentido: São imprescritíveis as ações indenizatórias por danos morais e materiais decorrentes de atos de perseguição política com violação de direitos fundamentais ocorridos durante o regime militar.
Quem ocasionou os danos e praticou os atos de perseguição e violação dos direitos? Os autores deveriam ter sido criminalizados na época da Comissão Nacional da Verdade, porém, o sistema de justiça não se encarregou dessa imperativa demanda.
Anistiar significou um prêmio, um incentivo a novos atos de arbítrio e de exceção e produziu o bolsonarismo.
A questão interpretativa da lei de Anistia continua em aberto no STF, pois o ministro Fux pediu vista do pedido de rediscussão da Corte Interamericana de Direitos Humanos há mais de uma DÉCADA.
Portanto, há mais de dez anos o ministro ainda não conseguiu concluir o exame da lei ou está esperando que todos os criminosos das graves violações dos direitos humanos morram?
É um achincalhe e uma desmoralização ao instrumento de pedido de vista.
A conjuntura é outra, o STF está em mudança, a PGR idem, e com pressão dos atingidos pela ditadura militar, de seus filhos e netos, bem como da sociedade em geral, o STF há de sanar a esquizofrênica interpretação de crimes conexos, e avançaremos na justiça de transição durante o governo Lula.
Interromper a histórica cadeia de impunidade, processando todos os envolvidos e a linha de comando da intentona bolsonarista, será um passo largo na implementação da justiça de transição reversa.
Para tanto, indiciar os autores do golpe fracassado, especialmente o ex-capitão Jair Messias Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, os generais Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira, Braga Neto e outros da linha de comando da intentona, e rasgar a cortina verde-oliva que encobria a falsa moralidade e a desobediência ao regime democrático. Sem esquecer do genocida general Eduardo Pazuello e do estrategista de todos esses males, o gal. Villas Bôas.
A justiça, STF, participou do golpe parlamentar à presidenta Dilma. A justiça, TRF-1, a absolveu. Demonstração inequívoca de uma justiça bipolar. Sem crime, o impeachment é nulo ou anulável? E a reparação?
As “pedaladas” foram delírios golpistas, inventadas por juristas e técnicos mercenários, recepcionadas pelo revanchismo do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, cujo sessão de votação do impeachment foi um teatro de paranoicos a desfilar frases desconexas e de violência verbal, para vergonha de uma sociedade civilizada, nacional e internacional.
E agora três êmes (militares, mídia, mercado), o que vão fazer com o impeachment que cassou o legítimo mandato da Dilma, como e quando farão uma autocrítica para reparar a ela, ao seu governo e ao Brasil?
Os senhores do golpe enganaram a nação, mentiram à sociedade, maltrataram os direitos do povo, empobreceram o país e o tornaram pária internacional.
Vocês foram os fomentadores do lavajatismo e do bolsonarismo.
Um governo de mentira, pois a sério só fez merda, cuja linguagem era a de mentiras, faltaram ao decoro e a observância aos princípios constitucionais e do código de ética do servidor.
Mentem para a sociedade, mentem para a polícia, mentem para a CPMI, mentem à justiça, mentem até entre si.
Enquanto mentem o golpe vai se desenhando.
O Exército vem convidando (eufemismo de intimando) civis para obedecerem aos senhores do golpismo. Com essas iniciativas tem colocado seus coturnos para fora dos limites estabelecidos pela Constituição Federal.
A declaração do presidente da CPMI, “o papel das Forças Armadas foi [sic] fundamental para preservação da democracia”, fora de contexto ou dentro do contexto de ameaça, é uma grave desobediência à Constituição, a qual veda as Forças Armadas de se imiscuírem em política fora dos canais competentes, no caso, o ministro da Defesa.
Arthur Maia escorregou na concordância verbal e na consonância com a história.
As FFAA foram responsáveis, entre tentativas e realizações, por uma dezena de golpes. Elas foram fundamentais, sim, para golpear a Carta Magna e a democracia.
Estão tendo nesta conjuntura a oportunidade de assegurar o Estado democrático de direito, limpando de suas fileiras os nazifascistas e se autoenquadrando conforme as suas funções constitucionais, sobretudo à defesa da Pátria, de nossas fronteiras, atualmente, em parte, ocupadas por organizações criminosas, e, sempre, obedientes hierarquicamente ao comandante supremo, que é o presidente da República eleito democraticamente.
Lula está míope ou engabelado como fora o Jango?
“Conversei com todos os comandos. O Exército continua fiel — assegurou Assis Brasil, chefe do gabinete militar do presidente João Goulart às vésperas do golpe de 64. Ao saber da sublevação vinda de Minas Gerais, o presidente foi mais uma vez engabelado pelo general Assis Brasil, o qual afirmou que o movimento do gal. Mourão não representava perigo, seria logo sufocado. A história mostrou que o chefe do gabinete militar o traiu.
Jango foi traído nas suas barbas e não aceitou resistir quando o golpe era fato consumado.
Oxalá nem uma coisa e nem outra esteja ocorrendo com o presidente Lula.
A história ensina, nem todos os alunos aprendem!
Francisco Celso Calmon, analista de TI, administrador, advogado, autor dos livros Sequestro Moral – E o PT com isso?, Combates Pela Democracia; coautor em Resistência ao Golpe de 2016 e em Uma Sentença Anunciada – o Processo Lula. Coordenador do canal Pororoca e um dos organizadores da RBMVJ.
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