Entrevista: Marcio Pochmann fala sobre IBGE e o desafio de se inserir na era dos dados

Plataformas de empresas privadas têm, atualmente, mais conhecimento sobre a população do que o governo, o que compromete a soberania nacional

Crédito: Divulgação/ PT

Criado em maio de 1936, no governo de Getúlio Vargas, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) cumpre, desde então, a árdua tarefa de entender o País e transformá-lo em números, que apontam quais são as demandas sociais e quais políticas públicas devem ser desenvolvidas para atendê-las. 

O instituto, porém, tem uma série de desafios nos próximos anos, como contou o economista e presidente Marcio Pochmann à TVGGN. Uma delas é criar uma nova agenda para o Brasil a partir da constatação que a população brasileira, pela primeira vez, se mostrou majoritariamente não branca, com a expressiva parcela da população que se reconhece como parda. 

“Isso é uma agenda nova para o país nesse sentido e entendemos que ela precisa contar com uma reformulação profunda do sistema nacional de geociência e estatística, incorporando cada vez mais a questão dos dados, o que me parece inclusive uma novidade própria da era digital”, comenta Pochmann.

Após o que chama de “ciclo bastante longevo de estagnação da economia, de baixíssima produtividade e de perda de importância do país relativamente ao mundo”, o presidente do IBGE conta que o instituto agora vive um novo cenário, com a oportunidade de estabelecer ligas e articulações com diferentes comunidades do saber, entre eles a academia e o setor científico, mas também junto ao saber popular, a fim de corrigir assimetrias internas. 

Novas metodologias

O economista chama a atenção para a necessidade de inovação dentro do modo como o IBGE reúne e entende os dados, sendo necessário, inclusive, criar novas metodologias para entender novos cenários criados na economia. 

O produto interno bruto (PIB), por exemplo, é subestimado na maioria dos países, até porque os centros de dados e estatísticas não conseguem capturar a totalidade do valor agregado de produtos vendidos em plataformas on-line.

Outra barreira criada por novas dinâmicas econômicas na era digital é a dificuldade de captação de dados do chamado PIB verde. “Uma base metodológica da matriz insumo produto identifica sempre aspectos positivos. Então, o Brasil cavar um burado, retirar o minério e exportá-lo aumenta o PIB. Mas o buraco que ficou lá, o desmatamento, a destruição ambiental não são contabilizados”, pondera o economista. 

Assim, Pochmann planeja fazer com que o IBGE crie, junto com os demais países do G20, uma nova metodologia para capturar este tipo de dado e saber quantificar os impactos positivos e negativos criados pela comercialização de produtos. 

Era dos dados

O Brasil tem como desafio ainda criar uma base comum de dados, a fim de facilitar o acesso à informação, mas também trazer um panorama mais completo sobre a realidade social do País, pois ainda que o País conte “com um sistema vigoroso de dados, eles não conversam entre si”. “Justamente por isso o gestor público, quando quiser tomar uma decisão, terá informações fatiadas”, emenda o entrevistado.

Apesar de vivermos na era digital, o instituto ainda funciona de forma analógica, tanto que Marcio Pochmann reclama que as redes sociais e plataformas digitais têm muito mais informações sobre a população brasileira que o próprio governo, ameaçando a soberania nacional. 

Assim, o IBGE tem um encontro marcado para junho com plataformas tecnológicas, a fim de discutir soluções que possam ser criadas em conjunto. 

Para melhorar a atuação do IBGE, Pochmann defende ainda o avanço da metodologia em relação à captação de dados para medir a inflação. “Hoje, os coletores do IBGE continuam indo presencialmente aos municípios coletar dados. A partir de notas fiscais eletrônicas, se o IBGE tivesse acesso, poderia calcular preços por cidade e por bairros da cidade – o que seria uma oportunidade inédita.”

Finanças

Após um governo que visava desmontar o Estado, o IBGE ainda enfrenta desafios financeiros para atuar. Hoje, o instituto soma 11 mil servidores, dos quais sete mil são responsáveis pelas coletas de preços e recebem, em média, o salário de R$ 1.516. A remuneração está defasada em 20% desde 2016, apesar da concessão de 9% de reajuste salarial dos servidores em 2023.

O presidente do IBGE comenta ainda que o órgão não tem mais independência financeira para promover pesquisas, tanto que, no ano passado, ele teve de recorrer ao Congresso diversas vezes em busca de recursos para custear novas pesquisas. 

E, em breve, o instituto deve promover um concurso público para selecionar 895 novos servidores. 

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Camila Bezerra

Jornalista

2 Comentários

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  1. Que o modelo de dados estatíscos caducou é ponto pacífico.

    Empresas até podem ter mais dados mas em geral as empresas tem recortes, renda, idade etc e só os dados que interessam para seu mercado.

    Salutar este trabalho do G20.

    Já vejo as manchetas na mídia sentando o caceta no seu Márcio.

    Lembro que certa vez zoei os estatísticos do meu trabalho por um ano que as pesquisas eleitorais erraram feio.

    Cara, me disseram, sem dados para montar boas amostras vão errar sempre, responderam.

    Pode levar isto para políticas públicas.

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