Desembargador acusado de manter mulher sob escravidão leva vítima de volta para casa, com aval de André Mendonça

Ana Gabriela Sales
Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.
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A mulher havia sido resgatada pela Polícia Federal em junho e, desde então, estava em uma instituição de acolhimento

Ministro André Mendonça é o relator da ADPF 1051 no STF. Foto: Carlos Moura/STF
Ministro André Mendonça fez um voto longo e anti-indígena, considerado “diabólico” por indigenistas. Foto: Carlos Moura/STF

O desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina Jorge Luiz de Borba, acusado de manter Sônia Maria de Jesus em condições análogas à escravidão por quase 40 anos, levou a trabalhadora de volta para a sua casa na última quarta-feira (6). A ação foi assegurada por uma decisão do ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF). 

Maria, que tem 50 anos e é surda, teria sido mantida em escravidão doméstica e foi resgatada pela Polícia Federal (PF) em 6 de junho, na residência de Borba e de sua esposa Ana Cristina Gayotto de Borba. Desde então a mulher estava em uma instituição de acolhimento. 

A decisão liminar de Mendonça autorizou o encontro do desembargador com a vítima e permitiu que ela voltasse para o lugar de onde foi resgatada, se ela concordasse, o que aconteceu.

Para isso, o ministro do STF rejeitou um recurso da Defensoria Pública que buscava impedir o reencontro, a fim de proteger a vítima, identificada com problemas cognitivos. 

O processo foi encaminhado à Suprema Corte após o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Campbell Marques, atender pedido do casal para poder retomar o contato com a mulher.

Segundo Marques, os depoimentos colhidos não apontam existência de crime no caso. “Pelos últimos 40 anos, a suposta vítima do delito viveu como se fosse membro da família”, afirmou o ministro do STJ.

O encontro de Borba e Ana Cristina com a vítima aconteceu dentro da própria instituição de acolhimento e foi filmado, com a presença dos advogados das partes.

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Controvérsia

Segundo relatos de 11 funcionários que passaram da casa do desembargador, ouvidos pelo Ministério Público do Trabalho e obtidos pelo Estadão, a situação da vítima é bem diferente do que a versão apresentada pelo casal.

As versões dão conta que Maria foi levada para a tal residência aos 9 anos, onde não teve acesso à educação formal. Sem saber ler nem escrever, ela se comunicava por meio de grunhidos por causa da sua surdez. 

O caso foi aberto a partir de uma denúncia anônima em setembro de 2022. Segundo ex-funcionárias, em meio a episódios de pus no ouvido, dores de dente, e grave assaduras nos seios, Maria teve atendimento médico negado pelos investigados em diversas ocasiões.

Teve uma ocasião em que faltou luz e levaram Maria para dormir com ela (Ana Cristina) e a mãe, que sentiu um cheiro ruim. Quando fui acordar Maria, percebi que no ouvido tinha uma poça de sangue e pus”, disse a funcionária, que teria comprado sutiãs e deu banho em Maria por causa das assaduras que ela possuía sob os seios.

Quarto mofado e roupas “nojentas”

Uma das ex-funcionárias ouvidas pelo Ministério Público disse que Maria dormia em um quarto, que tinha um riacho em baixo e por isso estava “cheio de mofo”. Esse cômodo ficava fora da casa principal onde viviam os patrões, dentro de um condomínio fechado na ilha de Florianópolis.

Quando fui trabalhar na casa, limpei todo o quarto da Maria, que estava todo mofado”, disse a ex-funcionária. Ela afirma que jogou várias roupas da vítima no lixo que, segundo outra funcionária, eram “nojentas”.

Ela jamais foi considerada da família”. “A roupa de Maria era nojenta. Ela usava roupas velhas doadas pela mãe de Borba, já falecida“, diz o relato.

As empregadas da casa compravam absorventes para Maria, que “muitas vezes andava com a roupa manchada de menstruação”. Essa mesma testemunha disse que “eram as demais empregadas que davam algum remédio ou chá” quando Maria ficava doente.

Mais abusos

Já em outro depoimento, uma testemunha disse que Ana Cristina chegou a agredir a vítima. “Quando Maria não fazia uma tarefa certa, dona Ana puxava o cabelo dela ou beliscava, e Maria voltava para a cozinha chorando.”

Três testemunhas disseram ao Ministério Público que Maria fazia massagens nos pés de Ana Cristina “por horas”.

O casal nunca regularizou a situação de trabalho de Maria. Borba disse que não chegou a inscrever a mulher na Previdência, “porque sabe que ela jamais será abandonada por seus filhos” e “que já chegou a pensar em adotar Maria formalmente, mas via muitas dificuldades documentais”. 

Família

Os trabalhadores contaram ao MP que a vítima não tinha amigos, nem contato com a família. Maria tem seis irmãos, que vivem em São Paulo, e também foram ouvidos ao longo da investigação.

Segundo os familiares, a mãe faleceu fazendo buscas pela filha, que todos a davam por morta. Eles manifestaram o desejo de viver com a irmã e tinham um encontro marcado com ela no próximo dia 22.

Sinto revolta porque eu e todos os meus irmãos, filhos de uma mulher preta e pobre, fomos alfabetizados e tivemos educação, mas ela, que vivia com desembargador, não teve”, disse uma das irmãs.

Próximos passos

De acordo com a Defensoria, o próximo passo do caso é recorrer novamente ao STF. Como a decisão de Mendonça é uma liminar, o mérito será levado para a análise da segunda turma da Corte, que também conta com os ministros Dias Toffoli (presidente), Gilmar Mendes, Edson Fachin e Nunes Marques.

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Ana Gabriela Sales

Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.

2 Comentários

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  1. É.
    Mas, e o sorriso da Janja?
    Cadê a mulher negra?
    E as pedaladas?
    Não sabe falar inglês?
    Aposentou aos 20 anos porque perdeu o dedo!
    Ladrão!
    (ingredientes que podem causar alergia: contém uma pitada de ironia)

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