Desmatamento intensifica efeitos do El Niño na Região Norte, causador da seca no AM 

Renato Santana
Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.
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Especialistas apontam que até dezembro toda a Região Norte deve estar sob estado de seca, que será severa principalmente no estado do Amazonas

Imagem mostra trecho do rio Negro completamente seco, onde antes a população atravessava de balsa. Foto: Divulgação/Semed

Há pouco mais de um ano, queimadas na Amazônia causaram impactos visíveis em São Paulo, quando uma espessa nuvem de fumaça transformou o dia em noite na capital paulista. O ar irrespirável conduzia a população do Sul e Sudeste aos resultados dos desmatamentos na distante floresta amazônica.

Na semana passada, a capital do Amazonas, Manaus, teve mais um evento desse tipo, com grandes nuvens sendo transportadas pelo vento seco, em contraste com a umidade típica da região. Diferente de quando a fumaça chegou a São Paulo como um sintoma, os manauaras lidam com a própria doença. 

A população de Manaus, cidade erguida às margens do rio Negro, sente de forma severa os efeitos da floresta ao redor sendo aviltada de forma diligente nos últimos anos, botando lenha no caldeirão das mudanças climáticas, enquanto populações tradicionais lutam para mantê-la de pé sob violência. 

A Prefeitura de Manaus encerrou o ano letivo na rede municipal de ensino de comunidades ribeirinhas, localizadas no Rio Negro devido à situação de emergência por conta desta seca que afeta 60, dos 62 municípios do Amazonas.

Especialistas apontam que até dezembro toda a Região Norte deve estar sob estado de seca, que será severa principalmente no estado do Amazonas. 

Com a seca, novos incêndios são registrados em áreas de proteção ambiental, terras públicas demarcadas e demais florestas públicas localizadas também no entorno de Manaus. O quadro se agrava com a falta de brigadas de incêndio para atender a alta demanda.

Nas terras indígenas e comunidades ribeirinhas, o temor de momento envolve as locomoções, na medida em que os rios são as principais vias de transporte aos centros urbanos, onde está o atendimento básico de saúde. No período de seca, sob condições consideradas normais, as “voadeiras” (barco leve com motor de popa) e canoas conseguem perpassar as águas mais rasas.

Não este ano.   

De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o El Niño tem levado a culpa sozinho pelos problemas, mas não é ele o principal responsável pela estiagem severa no Sudoeste amazônico, senão também o aquecimento excepcional do Oceano Atlântico Tropical Norte. 

O El Niño, porém, deve intensificar seus efeitos na primavera, sem esperar a chegada do verão. A esta pior combinação possível, o Greenpeace Brasil alerta que no Brasil a principal fonte de emissões dos gases que geram o efeito estufa, esquentando os oceanos, é o desmatamento de florestas e ambientes naturais. 

Impactos na população local

O Serviço Geológico do Brasil (SGB) interditou nesta segunda-feira (2) a praia de Ponte Negra, principal balneário de Manaus. A seca fez com que o rio Negro ficasse abaixo dos 16 metros, o que leva perigo aos banhistas que se refrescam e mergulham em suas águas. Há impactos no turismo. 

Nas calhas amazônidas, os rios possuem trechos em que sequer embarcações pequenas conseguem trafegar, onde só é possível passar caminhando. A seca é um período comum no bioma amazônico. Fauna, flora e populações convivem com a fase desde sempre e necessitam do período para o ciclo da vida. 

Ocorre que este ano a grande mortandade de peixes e de outros animais, como o boto, revela anormalidade poucas vezes vista. Pescadores relatam que mesmo nessa fase é possível pescar em alguns locais, como lagos, o que não tem ocorrido levando consequências sociais sérias para comunidades ribeirinhas.  

Pelo menos até dezembro, a situação em 38 dos mais importantes rios da Amazônia – os dois grandes formadores do rio Amazonas (o Negro e o Solimões), além do Tapajós, Madeira, Juruá, Tocantins, Xingu e Purus – e quatro do Pantanal deve permanecer crítica, com vazões abaixo da média histórica. 

Causas imediatas da seca

Conforme declarou à Agência Brasil Ayan Fleischmann, engenheiro ambiental e coordenador do Grupo de Pesquisa em Análise Geoespacial, Ambiente e Território Amazônico, mais uma vez o fenômeno El Niño é um dos fatores para a seca no Amazonas. 

“Esta seca que está sendo causada por essa combinação do El Niño, com aquecimento de parte do Oceano Atlântico, região do Oceano Atlântico Tropical Norte, está causando uma redução muito grande da chuva na nossa região”, explica. 

Por conta dos efeitos, os últimos meses foram de pouca chuva, abaixo do esperado para o período, o que acarretou na drástica redução do nível dos rios em grande parte da região Amazônica. As informações climáticas indicam que este não tem sido o pior efeito de El Niño registrado.  

De acordo com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, o último grande El Niño que aconteceu na região foi entre os anos de 2015 e 2016. Em decorrência desse fenômeno, as chuvas foram até 50, 60% abaixo do esperado desde setembro até dezembro. 

O El Niño corrente está mais fraco do que aconteceu em 2015 e 2016, mas ele pode ser intensificado. Ou seja, o déficit de chuva pode ser intensificado em razão do aquecimento do Atlântico Norte, contribuindo e potencializando os efeitos do El Niño na região.  

Desmatamento  

Diferente de outros lugares do mundo, no Brasil a principal fonte de emissões dos gases que geram o efeito estufa que nos levou às mudanças climáticas é o desmatamento de florestas e outros ambientes naturais – provocado por queimadas, retirada de madeira, criação de áreas de pastagens, garimpo ilegal. 

A análise é de Rômulo Batista, Porta-Voz do Greenpeace Brasil. “Os painéis do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) e da COP (Conferência das Partes) apontam que com a crise climática que estamos vivendo, tanto a intensidade quanto os extremos climáticos iriam aumentar. O que vemos hoje é um reflexo de tudo isso”, aponta Rômulo. 

Durante este ano, vários meses já vinham batendo recordes como dos mais quentes da história e junto a isso o El Niño chegou como um catalisador dessa junção de fatores modificando a velocidade com que os efeitos das mudanças climáticas atingem o bioma, ou seja: acelerando a chegada das consequências.  

Para o integrante do Greenpeace, os primeiros a sentirem os efeitos são as populações locais. “Os ribeirinhos e as ribeirinhas, os pescadores e as pescadoras, as comunidades indígenas, a população de trabalhadores do Norte, são os primeiros a sofrer as consequências”, diz. 

Nesse sentido, Rômulo entende como essencial a elaboração de políticas públicas de prevenção, combate e mitigação da crise climática, incluindo medidas mais amplas de proteção ambiental, justamente para salvaguardar vidas e se preparar para impactos econômicos, como a escassez da pesca. 

“Desde junho os cientistas vinham alertando que os efeitos do El Niño aliados às mudanças climáticas poderiam gerar uma seca histórica. É necessário investir em mitigação e adaptação dos municípios amazônicos. Por exemplo, a energia solar no lugar da energia fóssil” 

Rômulo Batista, Porta-Voz do Greenpeace Brasil

Acrescenta ainda o investimento na produção familiar local, agroecológica, evitando assim a dependência dos modelos produtivos do agronegócio, que demandam cada vez mais terras amazônicas desmatadas para a produção de commodities – os monocultivos e criação de gado.  

Uma estratégia adotada pelo Greenpeace para fazer frente ao foco causador do problema é o desmatamento zero. “Há outras coisas a serem feitas, como diminuir o consumo de combustíveis fósseis e não abrir outras frentes de exploração, inclusive na Amazônia”, ressalta.    

Calhas em estado de emergência

A seca do rio Negro fez Manaus decretar situação de emergência na quinta-feira (28). Com a vazante, lagos e igarapés que cortam a cidade estão secando ou secaram por completo. Segundo a Prefeitura, a estiagem afeta comunidades ribeirinhas, que sofrem com falta de alimentos e de água potável. 

“Sobre a cota que está abaixo de 16 metros do rio Negro, se faz necessário a interdição por 90 dias. Ou não pode prolongar ou pode ser diminuído esse prazo em função da severa estiagem que nós estamos passando”, disse o prefeito de Manaus, David Almeida (Avante). 

Na Calha do Alto Solimões, nos municípios de Atalaia do Norte, Benjamin Constant, Amaturá, São Paulo de Olivença, Santo Antônio do Içá, Tocantins e Tabatinga, a situação já é de emergência há mais de uma semana. Manaus está na Calha do Rio Negro, também nessa mesma condição. 

Outras calhas em emergência são as dos rios Juruá, com as cidades de Envira, Itamarati, Eirunepé e Ipixuna, e Médio Solimões, que conta municípios como Tefé, Coari, Jutaí, Maraã e Uarini. Em comum, são calhas onde a busca por terras públicas atrai o agronegócio, grileiros, madeireiros e garimpeiros. 

Em Manaus, casas em balsas estão encalhadas no rio Negro. Outros casos são o de balsas de veículos e passageiros que encalharam na travessia até o completo desaparecimento das águas. Em um dos casos, caminhão tanque está ilhado junto a outros veículos sobre a balsa ancorada pela seca. 

Na Amazônia, as hidrelétricas começam a parar… 

A hidrelétrica de Santo Antônio, em Rondônia, a quarta maior do Brasil, deixou de funcionar nesta segunda (2). A empresa concessionária explicou que a paralisação da usina se devia aos baixos níveis de vazão do rio Madeira, 50% abaixo da média histórica para o período. 

Ressaltou que os efeitos da situação estão em alinhamento com o Operador Nacional do Sistema Elétrico. O que indica que outras hidrelétricas na Região Norte passam pelo mesmo drama. 

A Santo Antônio informou que a baixa vazão do Madeira apresentou recordes nas últimas semanas e que a paralisação das turbinas não deve impactar o fluxo do rio.

“O rio Madeira permanecerá seguindo seu curso natural, com passagem da vazão concentrada no Vertedouro Principal da usina, sem qualquer impacto em seu fluxo natural”, informou em nota.

LEIA A NOTA:

Renato Santana

Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.

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