Economia Circular, uma questão de métrica, por Luiz Alberto Melchert

O último relatório da Cepal indica que o grau de circularidade da economia brasileira não chega a 1% e a média mundial é de 7%

Agência de Notícias da Indústria

Economia Circular, uma questão de métrica

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

A maior dificuldade quando se fala em Economia Ambiental é a métrica. Trata-se de uma questão que, depois de cinquenta anos de pesquisa, não avançou um milímetro. É que são tantas as variáveis envolvidas que mais parece com a tentativa de encaixar um pino redondo num buraco quadrado. Por mais que o diâmetro do pino seja equivalente ao lado do buraco, sempre sobrarão aproximadamente 30% da área a descoberto. Para piorar um pouco, a cada ano surgem pelo menos dez conceitos novos a considerar. Somente em siglas inerentes ao tema, já se levantaram 262, englobando DQO (demanda química por oxigênio), DBO (demanda biológica por oxigênio) OLS (oxigênio livre em suspensão) e daí por diante. Se economia circular é aquela em que os recursos são reempregados na soma de todos os conceitos da matéria anterior, considerando-se uma economia aberta, a coisa fica ainda mais difícil.

O último relatório da Cepal indica que o grau de circularidade da economia brasileira não chega a 1%. Afirma ainda que a média mundial é de 7% e, nos países desenvolvidos, é de 25%. Se a economia for exportadora, é natural que a circularidade seja baixa, a não ser que houvesse uma logística reversa internacional, o que é objetivamente absurda, considerando-se que a maior parte dos resíduos, independentemente de sólidos, líquidos ou gasosos tendem a serem tóxicos. Tal seria o Brasil, que é o maior exportador de alimentos do mundo, trazer de volta resíduos equivalentes para servirem como fertilizantes nas nossas lavouras. Se agropecuária, a coisa é óbvia, na indústria pode não ser. Nos anos 1970, repetindo-se nos anos que sucederam a ascensão de Michel Temer, era comum importarem-se pneus usados para serem recauchutados internamente. Essa importação é, no mínimo funesta porque traz toda uma carga bacteriológica que contaminará nossos rios durante a lavagem dos pneus para reuso.

Por outro lado, como fica a contabilidade acerca do minério de ferro e outros metais que vão com matéria-prima e voltam como produto acabado? Entram a crédito ou a débito na circularidade de nossa economia?

Em âmbito municipal, é preciso considerar que as cidades também podem ser quase que exclusivamente exportadoras, como ocorre com a economia canavieira, em que o açúcar e o álcool são consumidos fora na sua quase totalidade. Se tomarmos em consideração que o bagaço de cana, ao ser queimado, é parcialmente destinado à produção de calor para a desidratação do açúcar e destilação do etanol, além de eletricidade consumida na própria usina, ficando o excedente a ser distribuído pela rede pública, como se considera na contabilidade ambiental? Outras cidades, como as megalópoles, cuja economia baseia-se na prestação de serviços, tendem a ser altamente importadoras e dar um fim aos resíduos é um grande transtorno, dependendo a circularidade dos municípios do entorno conduzir a compostagem e a aplicação em suas lavouras, cujo produto retorna à metrópole, fechando o circuito. Isoladamente, nem a economia da cidade grande, nem a das cidades satélites são circulares isoladamente, mas podem obter resultado interessante em conjunto.

Ao contrário do que se imagina, as ciências contábeis não se limita à determinação do resultado das empresas, ou ao cálculo dos impostos declaratórios. A contabilidade moderna avança pela medição dos riscos, assim como sobre a determinação das métricas a que a atividade econômica esta sujeita. O 23º Congresso Internacional de Contabilidade, realizado em julho de 2023, dedicou 80% de seus temas à gestão ambiental, assim como à demonstração de resultados ambientais em balanço específico. Estavam presentes todas as grandes empresas internacionais de auditoria e a métrica foi a tônica dos debates, sem que se detectasse avanço significativo na matéria. Curiosamente, a Cepal não estava pressente, o que deixa ainda mais dúbio o resultado. Na próxima matéria, a discussão se dará sobre os resultados atribuídos ao Brasil e o quão justos podem ser.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou o mestrado na PUC, pós graduou-se em Economia Internacional na International Afairs da Columbia University e é doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo. Depois de aposentado como professor universitário, atua como coordenador do NAPP Economia da Fundação Perseu Abramo, como colaborador em diversas publicações, além de manter-se como consultor em agronegócios. Foi reconhecido como ativista pelos direitos da pessoa com deficiência ao participar do GT de Direitos Humanos no governo de transição.

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

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